Índice de perda foi de 37,78%, longe da meta de 25%. Volume não faturado com vazamentos e furtos poderia abastecer a população de toda a Região Nordeste

Porto Velho, Rondônia - Pela primeira vez em sete anos, o desperdício de água no Brasil caiu. Cerca de 37,78% de toda água tratada no país não chegou ao consumidor final em 2022, mas no ano anterior, o índice de perda foi ainda maior: 40,25%, apontam os dados mais recentes do Instituto Trata Brasil sobre o cenário do saneamento básico no Brasil, divulgado hoje.

Em 2022, a redução das perdas significou quase 300 milhões de litros que deixaram de ser perdidos. Ainda assim, os quase 38% desperdiçados representam um volume de 7 bilhões de metros cúbicos, quantidade capaz de abastecer quase toda a população que vive na Região Nordeste do país, de cerca de 54 milhões de habitantes, segundo o Trata Brasil.

Este percentual de perda estimado pelo trabalho indica que, a cada três caixas d'água cheias, perde-se no meio do caminho o equivalente a quase outras duas. Isso por conta de vazamentos, furtos, erros de leitura e outros problemas entre a estação de tratamento e distribuição e as residências dos mais de 170 milhões de brasileiros que recebem água potável encanada.

O que é perdido, portanto, seria mais que suficiente para suprir a demanda de 32 milhões de brasileiros que ainda não possuem atendimento de rede de água.

Os dados fazem parte do estudo realizado pelo Instituto Trata Brasil e pela consultoria GO Associados, com informações do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS).

Desperdício de água no Brasil, por estado — Foto: Editoria de Arte

— Temos um prejuízo econômico, social e ambiental. Se gasta energia elétrica para bombear, elementos químicos para tratar a água, e isso faz parte do custo de operação da companhia de saneamento, ou seja, está na tarifa que é paga pelo cliente. Então se cobra da população pela ineficiência na distribuição — diz Luana Pretto, presidente-executiva do Instituto Trata Brasil. Para ela, a captação de água a mais do que o necessário impacta também a fauna e flora.

O desperdício de água no país crescia desde 2015 e atingiu seu maior nível em 2021, quando alcançou um nível de perda de 40,25%.

Apesar da redução de quase 2,5 pontos percentuais — quantia que representa 300 milhões de litros d’água que deixaram de ser desperdiçados —, o patamar registrado no país é duas vezes e meia maior do que a média de economias mais desenvolvidas, que é de 15% de perdas.

Na comparação com vizinhos da América do Sul, o dado faz o país ficar na frente de Argentina (com 39,74% de desperdício), Peru (40,77%) e Uruguai (50,16%), mas atrás do Chile (com 31,36%) e da Bolívia (27,8%).

Lado a lado com os Brics, o país fica atrás da China, que em 2012 tinha 20,54% de perdas com água tratada, da Rússia, que em 2020 tinha 26,59% de desperdício, e da África do Sul, que registrava perdas de 33,73% em 2017. O país só ficou à frente da Índia que, em 2009, desperdiçava 41,27% da água tratada.

Deficiência maior em NO e NE

As regiões Norte e Nordeste seguem as mais carentes em desperdício, possuindo os piores indicadores de perdas.

Os sete estados do Norte registraram, em 2022, média de 46,94% de perda de água tratada. Mas, apesar do patamar maior que a média nacional, a região registrou diminuição de 8,6 pontos percentuais em cinco anos.

Estação de tratamento de água em Campinas — Foto: Edilson Dantas/Agência O Globo

Em 2018, a região também figurava na maior posição de desperdício pelo recorte regional, registrando perdas em 55,53% da água tratada. Para Luana, a curva de redução apresentada na região advém de investimentos naturais, causando um impacto maior nas perdas através de soluções simples, como instalação de hidrômetros.

As regiões Centro-Oeste, Sul e Sudeste também apresentaram diminuição no desperdício. Já nos nove estados do Nordeste, o índice de desperdício não acompanhou a redução vista na média nacional. A região, que registrava 45,98% da água tratada não chegando ao consumidor final em 2018, viu sua taxa de desperdício aumentar para 46,67% em 2022.

— Há um investimento muito ruim no setor na região. São cerca de R$ 79 por habitante, quando a média nacional é de R$ 111 por habitante. O fato de ter aumentado a taxa de desperdício no Nordeste demonstra que o tema não está na agenda daqueles estados e municípios.

Criminalidade deixa cidades fluminenses na lanterna

Apenas nove das cem maiores cidades analisadas pelo estudo registraram índice de desperdício abaixo do considerado ideal pelo MDR. Dentre as capitais, Goiânia figurou como a que menos perdeu sua água potável entre o tratamento e as residências, com 17,27% de perdas.

Também no Centro-Oeste, Campo Grande registrou desperdício de 19,8% da água tratada. As cidades paulistas de Limeira e Campinas registraram 20,19%de perdas, seguidas por Petrópolis, na serra fluminense, com 23,35% de desperdício.

Segundo a executiva, diversos fatores comprometem a responsabilidade das distribuidoras na questão do desperdício. Fatores naturais, como grande abundância ou escassez do bem, fazem a responsabilidade sobre a distribuição variar. A geografia das cidades também é levada em conta: mais morros exigem que a pressão seja maior, fazendo aumentar o número de vazamentos.

Municípios que mais desperdiçam água e os mais eficientes na distribuição — Foto: Editoria de Arte

Além deles, fatores sociais também são refletidos no dado:

— Locais onde gatos são comuns, onde não há fiscalização, a perda é mais elevada. E a criminalidade aumenta as perdas, porque o fornecimento de água, tendo em vista as (dominâncias de territórios por) facções, não é possível entrar para fornecer água, mas a água chega de alguma maneira — diz ela, se referindo às posições de Rio de Janeiro, São João de Meriti e Belford Roxo.

A capital e as duas cidades fluminenses figuram, respectivamente, em 95ª, 96ª e 97ª posições no ranking das perdas de água tratada nas cem maiores cidades.

Ainda é cedo para medir efetividade do novo marco

Segundo o documento, a economia gerada caso o patamar de 25% de desperdício seja atingido em 2034 será de R$ 20,4 bilhões, excluindo o investimento necessário para atingir esse nível. A quantia não leva em conta a construção de novas estações de tratamento de água, mas apenas a contenção de perdas com o sistema já estabelecido, aumentando a efetividade e entrega da água para o consumidor final.

Aprovado em 2020, o marco regulatório do saneamento básico ainda não pode ser lido como reflexo da diminuição das perdas, segundo Luana. Ela diz que, para isso, é necessário uma série histórica maior:

— Sabemos que o Marco trouxe maiores investimentos, que a regulação está mais efetiva, que a conjuntura da realidade do setor é positiva, mas precisamos de uma série histórica maior para ver se a redução será constante.

Para a executiva, através de melhoria na gestão e do uso da tecnologia, é factível alcançar os 25% de perdas em 2034. A representante do Trata Brasil diz que as mudanças climáticas vão cobrar por uma necessidade de revisão da efetividade, já que devem impactar a disponibilidade de água.


Fonte: O GLOBO