Foto; Divulgação/ News Rondônia. // Construção militar erguida no século XVIII no atual estado de Rondônia, o Real Forte Príncipe da Beira transcende sua função defensiva e representa um marco da ocupação territorial, das disputas coloniais e da formação das identidades na Amazônia ocidental.
Porto Velho, Rondônia - Erguido em pleno coração da floresta amazônica, às margens do rio Guaporé, o Real Forte Príncipe da Beira é uma das mais imponentes construções militares do período colonial português no Brasil. Localizado no município de Costa Marques, em Rondônia, o forte foi construído a partir de 1775 como parte de um esforço estratégico da Coroa Portuguesa para consolidar sua presença na região fronteiriça, especialmente após as indefinições territoriais decorrentes dos Tratados de Madrid (1750) e Santo Ildefonso (1777).
Projetado sob influência do modelo Vauban de fortificação abaluartada, sua planta quadrangular com quatro baluartes nos vértices foi concebida para resistir a ataques por artilharia e garantir o domínio sobre as rotas fluviais do Vale do Guaporé. Sua construção foi coordenada pelo engenheiro Domingo Sambuceti e supervisionada por Luiz de Albuquerque de Melo Pereira Cáceres, então governador da Capitania de Mato Grosso.
De acordo com Barroso (2015), o Forte não foi apenas uma resposta às tensões geopolíticas entre Portugal e Espanha na América do Sul, mas um símbolo material da soberania lusitana e da imposição do projeto colonial europeu em uma região marcada por intensas dinâmicas socioculturais. O autor considera o Real Forte Príncipe da Beira como um “livro de pedra”, que narra, silenciosamente, os processos históricos que conformaram a identidade e a territorialidade no oeste amazônico.
Fronteira como espaço de encontros e conflitos
A presença do Forte deve ser compreendida à luz de uma historiografia contemporânea que interpreta as fronteiras não apenas como limites físicos entre territórios, mas como zonas de contato, conflito, negociação e transformação entre diferentes agentes sociais. Furtado (2007) destaca que a consolidação das fronteiras no Brasil colonial envolveu sertanistas, missionários, militares e populações indígenas, cujas ações foram tão decisivas quanto os tratados assinados pelas metrópoles europeias.
Nesse sentido, o Forte não apenas defendeu o território de ameaças externas, mas também serviu como instrumento de controle social interno, sobretudo sobre povos indígenas, mestiços e quilombolas, considerados obstáculos ao projeto civilizatório do império português (MOREIRA, 1988).
Segundo Costa (2008), sua arquitetura não apenas reflete os avanços da engenharia militar europeia, mas evidencia a importância estratégica atribuída à região pelo Estado colonial. O sistema de defesa implantado na Amazônia funcionava como uma rede de ocupação que articulava poder militar, vigilância e dominação cultural.
Patrimônio histórico e memória social
O Real Forte Príncipe da Beira representa hoje um dos mais importantes bens patrimoniais de Rondônia e do Brasil, cuja preservação ultrapassa a estética arquitetônica e atinge dimensões simbólicas, sociais e políticas. Conforme argumenta Holanda (2006), a expansão das fronteiras coloniais foi um projeto civilizatório articulado a interesses econômicos e culturais, cujos vestígios, como o Forte, são testemunhos dos processos de imposição e resistência que marcaram a formação da sociedade brasileira.
Porro (1996) amplia essa leitura ao afirmar que as fronteiras amazônicas devem ser vistas como espaços de circulação cultural, nos quais indígenas, sertanistas, militares e missionários estabeleceram redes de interação que moldaram a identidade regional. A patrimonialização do Forte, assim, deve incluir as memórias dos sujeitos subalternizados, não apenas dos colonizadores, reconhecendo a pluralidade de experiências históricas ali vividas.
Barroso (2015) adverte que a preservação do Forte deve considerar seu papel como elemento ativo na construção da memória social contemporânea, sobretudo em um contexto amazônico onde muitas narrativas foram historicamente marginalizadas. A permanência do Forte — desafiando o tempo, o clima e o esquecimento — reafirma seu papel como sentinela do passado e como referência viva para os povos que hoje habitam essa região de fronteira.
A importância do Real Forte Príncipe da Beira vai além de sua função original como estrutura defensiva. Ele representa um marco histórico, geopolítico e simbólico da presença portuguesa na Amazônia, além de ser um instrumento de construção territorial e de identidade. Sua história é também a história das populações indígenas, dos conflitos e das adaptações que marcaram o avanço colonial na região.
Sua preservação e valorização devem considerar não apenas a materialidade da fortaleza, mas também as memórias coletivas, as resistências e os legados culturais que ela abriga. Assim, ao reconhecer o Forte como um “guardião do tempo”, preserva-se não apenas um monumento, mas a memória de um território em constante transformação.
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