Instituição, que estava fechada desde agosto de 2020, tem novo contrato de gestão de cinco anos e orçamento de R$ 20 milhões previsto para este ano

Porto Velho, RO - Fechada desde agosto de 2020, a Cinemateca Brasileira, na Vila Clementino, em São Paulo, reabre ao público hoje, após um longo imbróglio administrativo com o governo federal e o incêndio no galpão da Vila Leopoldina, em julho de 2021 — mesmo local onde sofreu um alagamento, um ano antes.

Desde novembro do ano passado, a instituição é gerida pela Sociedade Amigos da Cinemateca (SAC), entidade civil sem fins lucrativos criada em 1962 que assumiu a gestão do espaço pelos próximos cinco anos, após vencer um Edital de Chamamento Público publicado pela Secretaria Especial da Cultura, do governo federal.

A programação de reabertura, que segue até domingo, tem início com a exibição de “A praga” (1980), média-metragem inacabado de José Mojica Marins (1936-2020) que foi restaurado, editado e finalizado pelo produtor Eugenio Puppo, e segue com a mostra “O cinema sem medo de Mojica”. Toda a filmografia do criador do icônico Zé do Caixão está sob a guarda da Cinemateca.

Presidente do Conselho Deliberativo da SAC, Maria Dora Mourão assumiu a direção da instituição recontratando parte do corpo técnico dispensado após o governo Bolsonaro encerrar o contrato com a Associação Roquete Pinto (Acerp), então responsável pela administração do espaço. Os problemas se agravaram após a posse do ex-secretário da Cultura Mario Frias, quando a brigada de incêndio, terceirizada, chegou a interromper seus trabalhos por falta de pagamento.

A crise institucional chegou ao ápice em 7 de agosto de 2020, quando as chaves da Cinemateca foram retomadas pela União, em uma ação que contou com agentes da Polícia Federal, coordenada pelo então secretário nacional do audiovisual substituto, Hélio Ferraz de Oliveira, que assumiu a Secretaria Especial da Cultura após a saída de Frias, em março deste ano. Após o acordo firmado entre o governo e a SAC, destaca Dora, a prioridade foi fazer um levantamento de todo o material fílmico e documental que ficou sem acompanhamento técnico neste período.

— A preocupação era com o acervo de filmes à base de nitrato de celulose, um material muito inflamável. Em relação à preservação, felizmente o contrato de climatização foi mantido, o que garantiu que as matrizes não sofressem — comenta Dora.

Foi importante a volta dos técnicos, que são formados pela própria Cinemateca. Agora temos cerca de 40 profissionais, esperamos chegar até 50 até o fim do ano. Já tivemos 130 funcionários, na última época áurea da instituição, entre 2008 e 2013, mas o número atual vai permitir que todas as áreas voltem a funcionar bem.

Com orçamento anual de R$ 14 milhões garantido pelo governo federal, a SAC tem a obrigação contratual de captar mais 40% deste valor em leis de incentivo, totalizando R$ 20 milhões. Atualmente, a Cinemateca conta com apoios de entidades como o Itaú Cultural e o Instituto Cultural Vale, e espera chegar ao fim do ano com o montante total de R$ 30 milhões. Dora conta que, passadas as divergências anteriores, a Secretaria da Cultura vem apoiando a retomada da instituição:

— Hélio entendeu a importância da instituição para a preservação e a memória. A Cinemateca enfrenta uma certa má vontade que é anterior a este governo, e ele encara muita coisa pela defesa que faz da instituição.

Documentos perdidos

Do levantamento feito no galpão incendiado da Vila Leopoldina, ainda em andamento, se sabe que foi perdida a documentação de instituições anteriores, como o Instituto Nacional de Cinema e a Embrafilme, além da maior parte do acervo da Escola de Comunicação de Artes da USP (ECA-USP).

— Só tivemos acesso ao galpão em 30 de dezembro. Ainda está interditado. Tudo o que se salvou já foi trazido para a Cinemateca (na Vila Clementino). Tivemos uma frente extra de trabalho com o incêndio, ainda estamos trabalhando nesta análise — diz Dora.

A abertura com o média “A praga” destaca a importância da preservação. Os 24 rolos de Super-8 do filme, encontrados por Eugenio Puppo na produtora de Mojica, em Santa Cecília, foram restaurados a dois meses da retrospectiva realizada em 2007 pelos 50 anos de carreira do cineasta. Escaneado em 4K nos EUA e redublado, o filme foi a festivais de cinema fantástico, como Sitges (Espanha), Fantasporto (Portugal) e Fantaspoa (Porto Alegre). Também será exibido o curta “A última praga de Mojica” (2021), que narra o processo de restauração.

— Quando produzi a retrospectiva, fiz 42 cópias dos filmes do Mojica, que estão na Cinemateca. Ali também estão acervos de cineastas como Rogério Sganzerla, Ozualdo (Candeias), Carlão (Reichenbach). O Mojica tem um público jovem, em todo o mundo, e é fundamental que novos espectadores passem a frequentar a Cinemateca — diz Puppo.

Fonte: O Globo