No ar na nova fase de ‘Pantanal’ como o antagonista Tenório, ator diz que está se acostumando com as rugas, conta que discute masculinidades com os filhos e explica por que sempre apaixona no trabalho

Porto Velho, RO - Não está sendo fácil para Murilo Benício rodar as cenas do personagem que encarna na segunda fase de “Pantanal”, no ar a partir desta terça-feira (12). O antagonista Tenório é um cara que maltrata a mulher, tem outra família e é capaz de cometer atrocidades. O ator confessa que, muitas vezes, chega a ratear diante do texto carregado de frases machistas.

Na vida real, Murilo se junta aos filhos Antonio (25 anos) e Pietro (17) para compreender questões em torno da masculinidade no século XXI. Na pandemia, os dois foram morar com o pai.

— A convivência com eles me põe no mundo moderno. Tudo mudou muito e é difícil virar a chave da noite para o dia. Conversamos sobre o que acho legal e o que entendo que é certo, mas acho esquisito — afirma ele, que alerta para o “cancelamento”. — Hoje, as pessoas têm medo de emitir opinião porque não podem errar. Fica todo mundo esperando falarem uma besteira para apertar o botão. A pessoa nasce pré-cancelada. Isso assusta uma geração como a minha.

Aos 50 anos, Murilo conta, na entrevista abaixo, que tenta se acostumar com as rugas ("não preciso mais ser um rostinho bonito, sou um ator que tem muita história e isso é valioso"). Ele, que também poderá ser visto em "América", no Globoplay, a partir do dia 25, comenta ainda o fato de sempre se apaixonar pelas colegas de trabalho.

Como trabalhou as características do Tenório, um sujeito que frio, moralista, retrógrado, conservador e preconceituoso? Não faltam inspirações na vida real, né?

Exatamente. Busquei inspiração muito mais na vida real do que em mim mesmo. Ele é o tipo de homem que a gente está se defazendo, mas que sempre persiste em vários lugares. Tem coisas que me sinto até mal quando falo. Ao mesmo tempo, encontro uma forma de falar porque esses caras existem aos montes ainda. Tem um vídeo circulando de um fazendeiro que matou uma onça. É uma coisa tão inconcebível na minha cabeça... Achava que não existia mais, mas foi ontem! Acho que a gente tem uma urgência em falar do Tenório.

Que parte do texto foi mais difícil reproduzir?

O que mais pega são as frases machistas. Pensava: "Caramba, em algum lugar uma mulher está sendo tratada desse jeito no momento em que eu estou inventando esse cara". Dava uma sensação ruim. Tive que brigar muito comigo mesmo.

Lembro que dava uma raiva danada do Antonio Petrin, que fez o Tenório da primeira versão da novela, quando e ele chamava a mulher de "bruaca...

Sabe que eu não vi a novela? Só ouvi falar. Eu estava morando nos Estados Unidos de 1989 a 1991. Quando me chamaram para fazer, não quis assistir porque não queria me contaminar. Ia acabar me policiando para não imitá-lo. Era uma responsabilidade que eu não queria. Faço o meu Tenório e, se ficar igual ao que ele fez, ótimo, porque aí é uma imitação sem saber.

Seu visual está diferente, engordou um pouco. Esse é o primeiro personagem que você faz com cara mesmo de mais velho, né?

Acho que sim. Ele pode ser um pouco mais velho do que eu, mas acho que as idades se acompanham um pouco. Cinco anos atrás, eu devia não ter alguma ruga que estou tendo no olho, mas faz parte de quem a gente é no momento. Estou um pouco mais pesado do que a última novela. Na pandemia ninguém conseguiu emagrecer...

Rugas, envelhecimento são problemas para você? Já fez plástica?

Já fiz plástica. Mas acho que o que vou fazer, se fizer, é alguma coisa estética, e nunca para retardar o tempo. Não quero me meter nessa cilada, uma hora eu ficaria mal. Tenho que acostumar aos poucos com as rugas que estão vindo. Se tiver uma bolsa embaixo do olho, aí tira, mas isso de parecer jovem é algo que temos que repensar.

Quando a gente faz 50 anos, sabemos que não somos mais jovens. Preciso receber com maturidade todas as idades que me vêm. Saber que não sou mais um garoto e sou interessante de outras formas. Não preciso mais ser um rostinho bonito, sou um ator que tem muita história por trás e isso é valioso. A gente deixa de ficar jovem, mas vai ficando mais sábio (risos).

Seu último personagem, na novela em "Amor de mãe", também não era muito legal com as mulheres. Até se redimiu um pouco, mas o conjunto da obra do Raul era machista. Os homens da sua idade precisam melhorar muito?

Com certeza, a gente tem que melhorar. Temos uma questão machista que está culturalmente no nosso sangue. Às vezes, você faz um comentário não se achando machista e sendo. Acontece comigo. Tem muita coisa para melhorar, mas percebo uma turma ao meu lado melhorada.

Não sei se é a seleção natural de amigos meus. Eles estão atentos e a gente conversa sobre isso. Não que seja uma pauta a cada encontro, mas há assuntos e acontecimentos que a gente conversa. Mas se for englobar todo mundo, a grande maioria é muito machista.

Em uma entrevista no ano passado, você disse: "Tive uma educação machista e preconceituosa". Que aspectos dessa herança mais sente que te limitaram?

Quando digo isso parece que estou falando de dentro da minha casa, mas não só, a gente teve. Tive, junto com o Brasil, a mesma educação, tudo que gente abomina hoje. Outro dia, vi o Chico Buarque falando que uma música dele era machista. Confessou que não estava atento a isso, era normal. É aquele momento em que te falei que a gente é machista sem querer.

É uma cultura que, devagarinho, a gente vai mudando. Crescemos achando que o mundo obedece a uma regra equivocada que nos passam. As pessoas são diferentes e a gente tem que aceitar qualquer um do jeito que é. Porque não é da nossa conta. Antigamente, parece que era. Acho que entender isso me pouparia muito sofrimento.

Aprende muito na convivência com seus filhos?

A convivência com eles me põe muito no que está acontecendo no mundo moderno.Acho que tenho uma oportunidade muito boa porque pelo duas gerações diferentes para a conversar.

Eles te corrigem?

A gente não tem um policiamento do que está sendo dito, até porque a gente já se policia. Falamos sobre esse movimento todo, do que hoje é normal, drogas, mulher, amores. Sobre o que mudou, o que é legal e o que não acho legal, o que entendo que é certo mas acho esquisito. Porque mudou muito e para a gente virar a chave da noite para o dia é difícil. Por isso, a gente erra o tempo todo.

A gente vive um momento difícil, em que as pessoas têm medo de emitir opinião porque não se pode errar. A pessoa nasce hoje pré-cancelada. Fica todo mundo esperando falar uma besteira para apertar um botão e cancelar. Isso assusta uma geração como a minha.

Acho que a gente deixa de ouvir muitas opiniões que não são, necessariamente, sobre aquilo. A pessoa pensa: "Não vou me meter porque vão achar que estou sendo preconceituoso, racista". As conversas ficam mais observadas, a gente mesmo observando nossas conversas.

O que faz questão de reciclar na educação dos seus filhos partindo dessa consciência de não querer repetir velhos padrões?

A minha felicidade é que eles já têm essa outra educação. Meus pais eram carinhosos pra caramba, mas a gente vivia essa educação social padrão. A gente não é vítima, mas vivemos uma época em que falava-se muita besteira, contávamos piadas desnecesssárias.

Hoje, penso que poderíamos ter sido engraçados de outra forma. Mas a gente viveu isso e começou a entender que uma das coisas boas da Internet é a possibilidade de o planeta poder fazer esse movimento de mudança junto.

Quando a gente pesquisa o seu nome no google, uma das primeiras perguntas que aparecem é: "Quantos casamentos tem Murilo Benício". O que isso diz sobre a nossa sociedade?

Nunca googlei meu nome. Tem tanta negatividade que nos machuca na Inernet que prefiro nem passar perto. Não preciso ouvir de uma pessoa que não me diz respeito e jamais vou conhecer na vida uma coisa que vai me ferir.

Outra coisa curiosa é você se apaixonar sempre por colegas de trabalho. Fez “O clone” e casou com Giovanna Antonelli; na época de “Avenida Brasil”, começou a namorar Débora Falabella; depois, veio “Amor de mãe”, e namorou Manuela Dias, a autora. Vida e trabalho são uma coisa só para você?

A pandemia veio mostrar para todo mundo a vida que eu levo. Sou um cara que fica em casa. Só vou em festa de amigo. Não vou à boate ou a lugar para conhecer gente. E gosto de estar namorando. Então, sempre que estou solteiro, onde vou conhecer gente? Onde estou trabalhando. Acho engraçado acharem que tive muitas mulheres. Foram anos com cada, era tudo bem sério.

Você estreou na direção de cinema com "O beijo no asfalto", que dedicou ao seu pai, e vai estrear "Pérola", adaptação da peça de Mauro Rasi, que dedicará a sua mãe. Inclusive, disse que colocou no filme muito da sua relação com ela. Que inspirações próprias colocou ali?

Não são exatamente memórias, mas sensações. Sempre me inspiro na forma como o meu pai falava. Uso a peça do Mauro para contar a minha história, mas estou contando uma história completamente diferente da minha. "Pérola" fala do humano.

Sua experiência com a paternidade te fez entender melhor os seus pais?

A gente acaba entendendo mais sobre a gente. Desperta para coisas que existiam aqui dentro, mas desconhecíamos. Isso é amadurecer, o que é uma coisa maravilhosa. Fazer 50 anos e ficar feliz porque subiu a montanha, mas entender que teve uma história para eu estar chegando nesse lugar. Reconhecer esse caminho e tudo que aprendi com eles.

Fiquei mais calmo mais velho. Essa calmaria de tentar entender, sabe? Mais jovem eu não tinha interesse de entender o que eu achava que estava errado. Hoje, paro para escutar tentando ver sentido no que a outra pessoa está falando mesmo que eu seja contra. E ser aberto para aceitar que a qualquer momento ela pode me convencer. Isso só vem aos 50 anos.

Fonte: O GLobo