
Operação da PF manteve Bolsonaro longe dos holofotes e evitou mobilização semelhante à ocorrida com Lula em 2018 - Foto: Getty
Porto Velho, Rondônia - A prisão preventiva do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), ocorrida antes da vigília convocada por apoiadores, não resultou em capital político para o ex-mandatário. Pesquisadores e lideranças políticas avaliam que o episódio, ao contrário do que ocorreu com Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em 2018, deixou a direita sem uma estratégia de mobilização e abriu espaço para uma disputa interna pelo protagonismo do campo conservador.
O ex-presidente foi detido na sede da Polícia Federal, em Brasília, após admitir ter danificado a tornozeleira eletrônica com um ferro quente — fato revelado em vídeo gravado pela direção penitenciária. A operação manteve Bolsonaro praticamente invisível: ao longo de toda a ação, apenas uma fotografia registrou sua imagem, reduzida a um vulto.
Comparações com Lula e o efeito midiático perdido
Em 2018, Lula transformou sua prisão em um espetáculo político, saindo carregado por apoiadores no Sindicato dos Metalúrgicos, em São Bernardo do Campo. A imagem, amplamente reproduzida pela imprensa nacional e internacional, consolidou sua narrativa de perseguição judicial e manteve coesa a militância petista.
Para especialistas, Bolsonaro não conseguiu repetir a estratégia — por razões tanto políticas quanto operacionais.
A deputada federal Rosana Valle (PL-SP) afirma que, como Bolsonaro já cumpria medidas cautelares em casa, a decisão do ministro Alexandre de Moraes não permitiu o clima de mobilização que o bolsonarismo tradicionalmente tenta criar.
“As pessoas de direita estão acuadas, acreditam que sua liberdade está cerceada. Mas não há abandono de Bolsonaro. O que existe é cautela para não tensionar ainda mais o ambiente”, disse Valle, destacando que a direita tenta se reorganizar e que o PL Mulher, comandado por Michelle Bolsonaro, deve ter papel importante nessa rearticulação.
STF e operação discreta impediram capitalização política
A decisão de Moraes determinou que a prisão fosse realizada sem algemas, sem exposição midiática e no início da manhã — medidas tomadas, segundo o ministro, para preservar a dignidade do ex-presidente.
O magistrado também citou o precedente que garantiu sala especial para Lula em 2018, orientando que Bolsonaro ficasse detido na própria PF.
Especialistas avaliam que o Supremo agiu para evitar que o ex-presidente transformasse o episódio em um espetáculo político semelhante ao que o PT produziu na Lava Jato.
Para o professor Arthur Ituassu, da PUC-Rio, essa estratégia teve impacto direto.
“Se uma vigília tivesse acontecido, haveria um fenômeno midiático comparável ao de Lula. O STF impediu a construção dessa narrativa”, afirmou.
Direita vive disputa interna e procura novo líder
Enquanto o PT manteve sua base unida em torno de Lula durante sua prisão, o bolsonarismo enfrenta agora um momento de fragmentação. Pesquisadores apontam que Bolsonaro não conseguiu manter a coesão do seu campo político.
A deputada federal Maria do Rosário (PT-RS) lembra que Lula, em 2018, reforçou a unidade do partido.
“Ninguém vacilou. O discurso dele reconectou o PT à sua base histórica. Bolsonaro, por outro lado, tem um bloco dividido e sustenta apenas os seguidores mais fanáticos”, avaliou.
O pesquisador Leandro Aguiar, da UnB, observa que a postura dos dois ex-presidentes diante da prisão foi oposta.
“Lula se apresentou como mártir; Bolsonaro pediu anistia antes de ser condenado. O mártir aceita o martírio — o individualista, não”, disse.
Para ele, o episódio da tornozeleira, somado ao clima de tensão política, “tem contornos de filme B”, com um protagonista que tenta preservar sua imagem, mas não constrói narrativa coletiva.
Legado em disputa e futuro incerto da direita
Analistas concordam que ainda é cedo para decretar o fim do bolsonarismo. Mas apontam que o movimento entra em nova fase, marcada por disputas internas por liderança, reposicionamento estratégico e tentativa de reorganização após a prisão.
Com Bolsonaro fora de cena, a direita busca agora quem ocupará o espaço deixado — processo que deve ganhar força nas próximas eleições, quando lideranças conservadoras terão de dialogar com o legado do ex-presidente, seja para defendê-lo ou superá-lo.
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