Pesquisadores apontam violações de direitos humanos, doenças, violência sexual e desaparecimentos entre garimpeiros cooptados pelo crime organizado. // Foto: MPF/Divulgação

Porto Velho, Rondônia – Um estudo conduzido pela Rede Eclesial Pan-Amazônica (REPAM-Brasil) e o Instituto Conviva investigou os impactos do garimpo ilegal sobre trabalhadores e familiares envolvidos na atividade em quatro capitais da Amazônia Legal. A pesquisa apontou graves violações de direitos, doenças relacionadas à exposição ao mercúrio, tentativas de homicídio, desaparecimentos forçados e violência sexual sistemática, especialmente contra mulheres e adolescentes. O levantamento também evidenciou a cooptação de trabalhadores vulneráveis por organizações criminosas ligadas ao tráfico de drogas e armas.

Um levantamento inédito conduzido pela Rede Eclesial Pan-Amazônica (REPAM-Brasil) em parceria com o Instituto Conviva revelou os impactos profundos e multidimensionais do garimpo ilegal sobre indivíduos cooptados pela atividade na Amazônia Legal. A pesquisa, realizada entre janeiro de 2022 e dezembro de 2024, entrevistou 389 pessoas nas cidades de Manaus (AM), Altamira (PA), Porto Velho (RO) e Boa Vista (RR) — regiões com grande concentração populacional e fortes vínculos com a atividade garimpeira.

O estudo apontou que doenças como gota (24%), malária (19%), tuberculose (14%), bronquite (13%), pneumonia (11%) e reumatismo (10%) acometeram significativamente os trabalhadores ilegais em 2024. Tais doenças têm relação direta com a falta de infraestrutura sanitária, exposição contínua a agentes contaminantes — especialmente o mercúrio — e ausência de assistência à saúde nos locais de garimpo.

A expectativa de vida média entre os garimpeiros foi estimada em apenas cinco anos, contrastando de forma alarmante com a média nacional de 76,4 anos, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2023). As principais causas de óbito nesses territórios incluem afogamentos (20%), soterramentos (19%), ataques de animais silvestres (18%), picadas de cobra (18%), ferroadas de insetos (13%) e picadas de aracnídeos (12%).

De acordo com os pesquisadores, o garimpo ilegal forma alianças com redes de tráfico de drogas, armas e pessoas, tornando-se uma engrenagem essencial do crime organizado transnacional. Ao contrário do discurso recorrente que associa a atividade ao empreendedorismo, o garimpo aparece como último recurso de sobrevivência para populações urbanas e rurais marginalizadas, cuja desesperança as empurra para regiões remotas e ilegais.

Narrativas da exclusão: histórias do garimpo

A análise qualitativa do estudo destaca testemunhos que revelam a precariedade das relações de trabalho, a violência sistemática e os efeitos psicológicos do garimpo ilegal. Um exemplo é o de Adriano (nome fictício), de 66 anos, que iniciou sua trajetória no garimpo aos 14, após conflitos familiares. Vivendo entre acampamentos em diversas áreas da Amazônia, Adriano relata:

“No garimpo, a gente aprende a não esperar nada da vida. Se amanhecer vivo, já está no lucro.”

O caso de Valéria, 32 anos, evidencia a violência de gênero nas zonas de garimpo. Atuando como mergulhadora em dragas no território Yanomami, no norte do país, ela foi alvo de tentativas de assassinato por parte de garimpeiros que buscavam eliminar testemunhas e evitar a partilha de lucros:

“Cortaram a mangueira enquanto eu estava amarrada lá embaixo, três vezes. Escapei nadando rio abaixo por uns três quilômetros.”

A exploração sexual sistemática de mulheres e meninas entre 12 e 14 anos é outro ponto crítico do estudo, conforme aponta a doutora Márcia Oliveira, antropóloga da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) e assessora da REPAM-Brasil. Segundo ela, há um modus operandi nos garimpos que combina aliciamento, endividamento forçado e violência, tornando invisível o tráfico de pessoas:

“As vítimas não se reconhecem como traficadas, pois naturalizam a violência vivida.”

A pesquisa também registra casos de desaparecimento forçado, como o de Rosa, moradora de Manaus que busca, há 18 anos, pelo filho que sumiu em um garimpo. Sem respostas das autoridades e impossibilitada de acionar a justiça, Rosa resume sua dor:

“O direito sagrado de enterrar o corpo do meu filho foi tirado de mim.”

Os pesquisadores concluem que o garimpo ilegal é uma atividade estruturada sobre a ausência de direitos, operando sob a lógica da exclusão social e da impunidade ambiental. A criminalidade associada, a precarização das condições de vida e os impactos físicos, emocionais e espirituais sobre os trabalhadores configuram um cenário de emergência humanitária invisibilizada no debate público e nas políticas de Estado.