Congresso espanhol aprovou medida não-vinculativa, pedindo que governo reconheça opositor como presidente eleito do país sul-americano, que ameaçou cortar relações

Edmundo González e Pedro Sánchez caminham juntos por jardins do Palácio de La Moncla — Foto: Fernando Calvo/ La Moncla/AFP

Porto Velho, Rondônia - O primeiro-ministro da Espanha, Pedro Sánchez, recebeu o candidato opositor venezuelano Edmundo González Urrutia nesta quinta-feira no Palácio de la Moncla, sede do governo espanhol, em meio a uma crescente tensão nas relações entre Madri e Caracas sobre o reconhecimento do opositor como presidente eleito do país sul-americano.

“Dou calorosas boas-vindas a Edmundo González Urrutia ao nosso país, a quem damos as boas-vindas demonstrando o compromisso humanitário e a solidariedade da Espanha com os venezuelanos”, escreveu Pedro Sánchez na rede social X. “A Espanha continua a trabalhar a favor da democracia, do diálogo e dos direitos fundamentais do povo irmão da Venezuela”.

González Urrutia pousou na capital espanhola no último domingo, em um avião da Força Aérea Espanhola. O opositor deixou a capital venezuelana após um mês escondido em embaixadas de países europeus, diante da perseguição lançada pelo regime chavista a dissidentes após as eleições de julho.

Embora o encontro com Sánchez tenha ocorrido “a título privado”, segundo fontes próximas ao venezuelano, ganhou contornos políticos delicados, em um momento em que a questão com Caracas deixou de ser apenas um tema de política externa, ecoando internamente. Na terça-feira, o Partido Popular, de oposição ao governo socialista de Sánchez, propôs para votação e conseguiu a aprovação de uma proposta para que o governo reconhecesse González como presidente eleito da Venezuela.

Aprovado com 177 votos a favor e 164 contra, o projeto foi considerado uma derrota para Sánchez — que apesar de ter liderado os esforços para retirar González da Venezuela, prefere a abordagem oficial da União Europeia, de exigir a publicação via órgãos oficiais das atas de votação das eleições de 28 de julho para só então reconhecer um vencedor.

Reconhecimento de González como presidente eleito é ponto sensível para realção entre Madri e Caracas — Foto: Fernando Calvo/ La Moncla/AFP

Na votação no Congresso espanhol, a oposição propositora da ação de reconhecimento a González justificou que o país deveria ter um papel mais enfático, com uma deputada do PP, Cayetana Álvarez de Toledo, defendendo que Madri deveria "trabalhar" para que o candidato antichavista tome posse em janeiro de 2025.

Em sentido contrário, deputados da base de Sánchez fizeram um apelo ao pragmatismo, questionando a eficácia da medida e comparando a situação atual com a do ex-presidente-autoproclamado Juan Guaidó, que foi amplamente reconhecido pela comunidade internacional em 2013, mas nunca chegou ao poder de fato.

Destino de uma parcela importante da diáspora venezuelana impulsionada pelo chavismo — estima-se que cerca de 280 mil, incluindo vários líderes da oposição e sem contar os que adquiriram nacionalidade espanhola —, a Espanha abandonou um papel até então discreto para participar ativamente das discussões sobre a crise venezuelana. Até o momento, Brasil, Colômbia e México tentaram mediar uma resolução com o governo Maduro, sem sucesso.

A votação no Congresso espanhol, contudo, colocou uma dúvida sobre os canais de diálogo entre os dois países. Na quarta-feira, um dia após a aprovação da medida não-vinculativa sobre González, o presidente do Parlamento da Venezuela, Jorge Rodríguez — principal chavista no Legislativo —, propôs o rompimento das relações diplomáticas, consulares e comerciais com o país europeu.

O presidente da Assembleia Nacional da Venezuela, Jorge Rodríguez — Foto: Federico Parra/AFP

— Que saiam daqui todos os representantes da delegação do governo do Reino de Espanha e todos os consulados e traremos os nossos cônsules de lá — declarou Rodríguez, que pediu à Comissão de Política Externa do Legislativo venezuelano que aprovasse uma resolução neste sentido. — Estamos diante de um caso em que a história se passa como uma tragédia e se repete como uma tragicomédia. É inconcebível que existam seres humanos com um nível de inteligência que pensem em repetir em tão pouco tempo um dos maiores erros políticos, diplomáticos e intervencionistas que já ocorreram na história do planeta.

O presidente do Parlamento venezuelano ainda acusou o país europeu de se tornar um “refúgio” para “assassinos”, “conspiradores golpistas” e “pessoas violentas” — González, por exemplo, era acusado pelo Ministério Público, ligado ao chavismo, de uma série de crimes contra a pátria e a soberania nacional por questionar o resultado das eleições.

O ministro do Interior e número dois do regime, Diosdado Cabello, foi mais contundente ao comentar a decisão do Parlamento espanhol:

— Que caralh# tem o Congresso da Espanha a ver com os assuntos internos da Venezuela? Eles acreditam que somos uma colônia e acreditam que são um império. Expulsamos eles daqui há 300 anos e vamos expulsá-los novamente sempre que tentarem se envolver nos assuntos internos da Venezuela. A eles e a qualquer imperialista — disse, segundo relato da Europa Press.

Perante a possibilidade de romper relações, a porta-voz do Governo espanhol, Pilar Alegría, disse esta quinta-feira aos jornalistas que o seu país tem “interesse” em “trabalhar sempre para manter as melhores relações com o povo venezuelano”.

— A embaixada na Venezuela está trabalhando com absoluta normalidade — acrescentou.

Votação no Parlamento Europeu

O plenário do Parlamento Europeu pautou para a próxima terça-feira o debate sobre a crise na Venezuela. Fontes do PP espanhol confirmam que o Partido Popular Europeu apresentará na segunda-feira uma proposta de resolução semelhante à aprovada no Congresso do país, que reconhece Edmundo González como vencedor das eleições venezuelanas e presidente legítimo.

Os dirigentes da oposição venezuelana no exílio em Madri confiam, depois de contatos com vários grupos do Parlamento Europeu, que o reconhecimento de Edmundo González será aprovado por grande maioria quando for votado, na próxima quinta-feira — um dia após o debate.

Os termos exatos do acordo só serão conhecidos no último minuto, dada a possibilidade de negociação. A sua decisão não será vinculativa, mas terá peso político sobre os governos da UE. (Com AFP e El País)


Fonte: O GLOBO