Da esquerda para a direita: Scott Poteet, Sarah Gillis, Jared Isaacman e Anna Menon: equipe vai passar cinco dias em órbita — Foto: John Kraus/Programa Polaris
Após ser adiada quatro vezes devido à sua complexidade (sobretudo em relação ao desenvolvimento de um modelo de traje espacial totalmente novo e adaptado), a missão foi finalmente programada para decolar: sairá nesta terça-feira às 4h38 (horário de Brasília), do Kennedy Space Center, na Flórida.
Comandada pelo empresário bilionário filantropo Jared Isaacman, que financia o Programa Polaris, a missão também conta com o piloto Scott “Kidd” Poteet, tenente-coronel aposentado da Força Aérea dos EUA, e as especialistas Sarah Gillis e Anna Menon, ambas engenheiras de operações espaciais da SpaceX.
Tripulação da Crew Dragon usa novo traje para EVA, feito pela SpaceX — Foto: Divulgação / SpaceX
Além da zona de conforto
O quarteto passará cinco dias a bordo da cápsula Crew Dragon, sem um destino final estipulado. Além da primeira caminhada comercial, que é o principal objetivo da missão, outras metas incluem testes de comunicação com os satélites Starlink e o estudo dos efeitos da radiação no corpo humano em órbitas superiores.
— É uma oportunidade incrível para nós obtermos alguns dados, mas na verdade é sobre ir além da nossa zona de conforto e de onde estivemos pelos últimos 20 e poucos anos em um laboratório orbital incrível, a estação espacial — disse Isaacman durante uma roda de discussão no Spaces da rede social X, em 4 de maio. — Mas, se vamos chegar à Lua, Marte e além, temos que começar a nos aventurar um pouco mais longe.
Parte do Programa Polaris, essa será a primeira de três missões tripuladas ao espaço, todas elas com a SpaceX e comandadas por Isaacman. O bilionário — piloto de jatos e fundador da empresa de serviços de pagamento Shift4 —, inclusive, já esteve no espaço em 2021, quando comandou a Inspiration4, primeira missão espacial totalmente civil.
Segundo Isacmann, o terceiro e último objetivo do programa é realizar a primeira missão tripulada da nave Starship da SpaceX, atualmente em desenvolvimento para missões à Lua e Marte. O custo dessas missões não foi revelado.
— Nomeamos o programa Polaris em homenagem à nossa Estrela do Norte, que na verdade é uma constelação de três estrelas. E a Polaris é considerada uma missão com três missões — disse Isaacman.
Mas antes de qualquer objetivo maior, é preciso fazer essa primeira missão dar certo. E os riscos são altos desde o primeiro dia, a começar pela rota.
Ao ser lançada ao espaço, a espaçonave atingirá uma órbita altamente elíptica, com um apogeu (ponto mais distante da Terra) inicial de 1.200 quilômetros, e depois elevado para 1.400 quilômetros, o mais alto do que qualquer ser humano alcançou desde o fim do programa Apollo, da Nasa, na década de 1970.
Nesse momento, a nave atravessará o Cinturão de Radiação de Van Allen — formado por partículas solares altamente energéticas e presas pelo campo magnético terrestre —, onde a tripulação conduzirá a maior parte de suas pesquisas (em torno de 40 experimentos no total). A região, segundo a Nasa, é importante para proteger o planeta de partículas cósmicas e do vento solar, mas também representa um desafio significativo para missões espaciais, pois as partículas de alta energia podem danificar eletrônicos a bordo e representar riscos à saúde dos astronautas. E é justamente o resultado dessa exposição que a equipe da Polaris quer testar.
Adaptação para o vácuo
A esperada caminhada espacial, entretanto, só acontecerá no terceiro dia da missão (agora num apogeu de 700 quilômetros), sendo Isaacman e Gillis os únicos a fazê-la. A ideia é que dure em torno de duas horas a partir da saída da escotilha e que seja transmitida ao vivo pela SpaceX.
Uma das diferenças entre a Polaris Dawn e outras missões similares é que a Crew Dragon não tem uma câmara de descompressão, onde os tripulantes passam por um protocolo rigidamente controlado para garantir uma transição segura para o exterior. Sendo assim, toda a cabine será exposta ao espaço, modificando os procedimentos pré-EVA e a rotina de pré-respiração.
Para que tudo funcione como o planejado, todo o interior da cabine foi projetado para suportar a despressurização, que será realizada gradualmente ao longo dos dias da missão. Também foi desenvolvido um novo traje EVA a partir do modelo já utilizado pela SpaceX para atividades intraveiculares (IVA). Foram dois anos de trabalho, com centenas de horas de testes em diferentes materiais, para garantir que o modelo fosse adequado.
Representação artística da Polaris Dawn mostra um membro da tripulação flutuando fora da cápsula Crew Dragon, preso por um cordão umbilical de suporte de vida — Foto: Dvulgação
Diferentemente do volumoso traje da Nasa, o EMU (sigla em inglês para Extravehicular Mobility Unit), o da SpaceX não tem um um sistema de suporte portátil para fornecer oxigênio durante a missão externa. Em vez disso, Isaacman e Gillis permanecerão conectados à nave por um cabo de cerca de 3,6 metros, de forma que essas funções sejam controladas internamente, o que torna o traje mais flexível e confortável.
Há outras diferenças entre as missões conhecidas até então e a Polaris Dawn, como o treinamento da tripulação. Enquanto astronautas da Nasa e de outras agências espaciais se familiarizam com seus trajes em simulações subaquáticas — em um ambiente que simula a microgravidade —, os tripulantes da Crew Dragon o fizeram em um simulador próprio da SpaceX, fora d’água e por meio de um sistema de cordas e polias.
Pizza e café gelado
Além do conforto do traje, a vida a bordo dos tripulantes da Polaris Dawn será relativamente suave: estarão em um espaço com um volume de 9,3 metros cúbicos para quatro pessoas (maior que na Apollo) e com comida mais fresca do que as comumente fornecidas a astronautas (com sanduíches e fatias de pizza nos dois primeiros dias, e depois barras de cereal e carne seca). A tripulação também terá café gelado, que será usado inicialmente para manter os alimentos frescos e depois consumido quando descongelar.
A diferença é gritante quando comparada à inaugural missão soviética. Quando Leonov flutuou no vazio do espaço, conectado à nave Voskhod 2, ele sabia que aquela seria uma tarefa perigosa (afinal, ninguém nunca havia realizado tal feito antes), e mesmo assim, enfrentou dificuldades inesperadas. O primeiro problema veio quando seu traje inflou no vácuo, tornando o retorno ao módulo uma tarefa quase impossível.
No retorno à Terra, a missão passou por mais desafios, com o sistema de controle de voo e a necessidade de um pouso manual de emergência, acarretando em um pouso forçado na Sibéria, muito longe do planejado. Ainda assim, foi um marco histórico e suficiente para solidificar a liderança na URSS naquele momento.
A resposta americana veio menos de três meses depois, enviando o astronauta Ed White ao espaço em 3 de junho do mesmo ano, com a missão Gemini 4. Em contraste com a missão soviética, White utilizou uma pistola de gás para se movimentar pelo vazio, com uma caminhada de 23 minutos.
Nas décadas seguintes — sem esquecer da histórica missão Apollo 11 da Nasa, que levou os americanos Neil Armstrong e Buzz Aldrin a se tornarem os primeiros a caminharem na superfície lunar —, o espaço se transformou em um terreno conhecido para outros astronautas, mas até então reservado apenas a homens. Foi somente em 1984 que a primeira mulher realizou tal façanha, a cosmonauta soviética Svetlana Savitskaya, durante sua missão de reparação da estação espacial Salyut 7, que durou três horas.
Fonte: O GLOBO
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