Moeda americana fechou no maior patamar desde janeiro do ano passado, após fala do presidente Lula sobre usar arrecadação e juro menor para manter contas públicas em ordem

Porto Velho, Rondônia - A percepção de que o governo federal não está comprometido com o equilíbrio fiscal ganhou força nesta quarta-feira depois de declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e da ministra do Planejamento, Simone Tebet. Lula disse que o déficit será reduzido pelo “aumento da arrecadação e queda na taxa de juros.” Isso levou o dólar comercial à máxima do dia: R$ 5,42. 

A moeda encerrou o dia em alta de 0,86%, a R$ 5,4066 — a maior cotação desde 4 de janeiro de 2023, quando fechou em R$ 5,45. A Bolsa fechou na mínima do ano. A preocupação do mercado é que o governo não mostra estar disposto a cortar gastos para alcançar a meta fiscal, mesmo diante de sinais de esgotamento do ajuste apenas pelo lado das receitas.

— Estamos arrumando a casa e colocando as contas públicas em ordem para segurar o equilíbrio fiscal. Aumento da arrecadação e queda da taxa de juros permitirão alcançar a redução do déficit sem comprometer os investimentos — disse o presidente na abertura do FII Priority Summit, no Rio, evento organizado pelo Future Investment Initiative Institute, ligado ao fundo soberano da Arábia Saudita.

‘Zero é impossível’

A uma plateia de investidores nacionais e estrangeiros, empresários e representantes do governo saudita, Lula frisou a necessidade de reduzir a pobreza. E afirmou que “o mercado não é uma entidade abstrata, apartada da política e da sociedade.”

Pouco antes de falar no evento, Lula publicou essas declarações em rede social.

Para Diego Costa, diretor de Câmbio para o Norte e Nordeste da B&T Câmbio, o governo, “em vez de se comprometer com ações concretas para a redução de gastos, espera que isso ocorra por meio da flexibilização dos juros.”

Analistas citaram ainda a devolução, pelo Congresso, da medida provisória (MP) que limitava a compensação tributária do PIS/Cofins. Ocorrida na terça-feira, no fim dos negócios no mercado, isso foi visto como sinal de enfraquecimento do ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

— O cenário vem piorando, e o discurso continua o mesmo — disse Victor Beyruti, economista da Guide Investimentos, citando entraves como o vazamento da reunião de Haddad com o mercado e a derrota na MP.

O Ibovespa fechou em queda de 1,40%, aos 119.936 pontos, a mínima do ano.

A forte reação do mercado é vista no Ministério da Fazenda como um recado da importância da agenda econômica para a sustentação do governo. Mesmo com boas notícias, como o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) e a taxa de desemprego no menor nível da última década em meio à inflação controlada, a popularidade do presidente está em queda.

Há uma preocupação com as contas públicas do país em decorrência da resistência do governo em tocar uma agenda de corte de despesas e por conta do excesso de vinculações.

Os pisos de gastos mínimos de Saúde e Educação têm preocupado especialistas e integrantes do governo porque eles são atrelados às receitas. Assim, eles crescem mais que os limites de gastos do arcabouço fiscal, que rege as contas públicas do país. 

Os cálculos são de que, a partir de 2027, esses gastos vão estrangular as despesas discricionárias, ou seja, aquelas voltadas para investimentos e manutenção da máquina pública. Assim, sem mudanças, abririam margem para mudar o arcabouço fiscal.

A Previdência também preocupa porque ela está atrelada ao salário mínimo, que tem crescido acima da inflação. Especialistas alertam que os ganhos reais do mínimo anulam os efeitos da reforma de 2019.

Na Fazenda, há um entendimento de que a reação do mercado foi muito forte não necessariamente pela devolução da MP em si, mas pelo contexto. E evidencia como a sustentação do governo está apoiada na agenda econômica.

Movimento do dólar em 12 de junho, quarta-feira — Foto: Editoria de Arte

Também pesou no mercado a declaração da ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, em audiência na Comissão Mista de Orçamento do Congresso. Ela afirmou o governo mira a meta de déficit zero no projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2025, com tolerância de 0,25% para cima ou para baixo, o que significaria um superávit de R$ 31 bilhões, ou um déficit do mesmo valor.

— Cravar meta zero é impossível. Mas estaremos dentro da meta. Estamos mirando meta zero — disse Tebet.

Para analistas, foi mais um sinal da falta de compromisso do governo com a meta fiscal.

— Ela deveria tranquilizar o mercado e dizer que a meta é plausível de ser alcançada. Como já está tudo muito nebuloso em relação ao cenário fiscal, se a Tebet estivesse falando em outro momento, mais ameno, talvez nem tivéssemos visto essa reação — afirma Luan Aral, especialista em dólar da Genial Investimentos.

Tebet disse que “não passa pela cabeça do presidente Lula e da equipe econômica” desvincular a aposentadoria do salário mínimo, mas que é possível modernizar benefícios previdenciários e trabalhistas.

Para integrantes da equipe econômica avaliaram como tumulto “desnecessário” a reação do mercado à fala de Lula. Para eles, a posição do presidente de buscar a redução do déficit sem comprometer o investimento público não é novidade.

Ao longo do dia, havia duas preocupações ao redor de Haddad: evitar que ganhasse tração a ideia de crise instalada na equipe econômica e afastar a percepção de desgaste do ministro. Para um integrante da Fazenda, a devolução da MP do PIS/Cofins foi revés temporário. Para um aliado de Haddad, o saldo é positivo, pois vários gols foram marcados.

Fed mantém juros

No cenário externo, houve até notícia positiva: o índice de preços ao consumidor nos EUA ficou estável em maio, após alta de 0,3% em abril. Em 12 meses, ficou em 3,3%, contra expectativa de 3,4%. A meta do Federal Reserve (Fed, o banco central americano) para a inflação é de 2%.

O Fed manteve sua taxa de juros entre 5,25% e 5,50%, prevendo apenas um corte este ano — o mercado esperava dois. Após a reunião, o presidente do Fed, Jerome Powell, disse que os dados de inflação eram “encorajadores”, mas ressaltou que o mercado de trabalho continua aquecido, o que pressiona os preços.


Fonte: O GLOBO