Cientistas do Instituto Busca por Inteligência Extraterrestre acreditam ter tido primeira troca intencional com jubarte no Alasca; sons emitidos por esses mamíferos são complexos e inteligentes

Porto Velho, Rondônia - Um ruído foi emitido para um grupo de baleias jubarte através de um alto-falante subaquático. Era 2021, e uma equipe de seis pesquisadores estavam na costa da sudeste do Alasca, em Frederick Sound. Aquela era a quarta vez que eles tentavam uma interação com os mamíferos após um dia infrutífero, no qual transmitiram uma série de sons diferentes. Mas, dessa vez, uma baleia se separa do grupo e vai em direção ao barco onde a equipe estava, mergulhando suavemente — então, responde de volta.

O grupo de pesquisadores do Instituto Busca por Inteligência Extraterrestre (Seti, na sigla em inglês), sediado na Califórnia, acredita que esta pode ter sido a primeira "conversa" intencional entre humanos e baleias. Os sons emitidos por elas contêm mensagens complexas e inteligentes, o que os especialistas acreditam ser semelhante à linguagem usada pelos seres humanos ou, potencialmente, extraterrestres. Nesse contexto, decifrar o "baleiês" poderia ajudar na comunicação com alienígenas, caso algum seja encontrado.

Segundo a pesquisadora Brenda McCowan, que integra o grupo Seti, a troca com Twain — como foi batizada a baleia que respondeu — durou cerca de 20 minutos. McCowan foi a responsável pela transmissão dos ruídos, um chamado para contato gravado de jubarte gravada no dia anterior.

— Então, para manter o animal engajado, comecei a combinar a latência dos ruídos dela [baleia] com a dos nossos. Se ela esperava dez segundos, eu também esperava dez. Acabamos nos sintonizando. Fizemos isso 36 vezes ao longo de um período de 20 minutos — contou a pesquisadora à rede BBC, que na ocasião estava na parte superior do convés.

O sentido dominante das baleias é a audição. Baleias de barbatanas, incluindo as jubarte, francas e azuis, conseguem produzir sons de frequência superbaixa, capazes de viajar longas distâncias no oceano. Já as baleias dentadas, como as orcas e os golfinhos, usam cliques rápidos para ecolocalização, além de pulsos e assobios suaves para comunicação. Essas espécies são conhecidas como os animais mais barulhentos da Terra.

A capacidade de produzir e ouvir uma variedade de sons complexos é resultado de milhões de anos de evolução e tornou-se crucial para a comunicação, navegação, para encontrar parceiros e alimentos, defender territórios, recursos e até evitar possíveis predadores. Baleias mais jovens costumam balbuciar como bebês humanos, e acredita-se que alguns desses mamíferos tenham nome, e grupos de diferentes partes do oceano, até dialetos regionais.

Segundo a BBC, já foi possível ouvir baleias imitando dialetos de outros grupos, e algumas até tentaram com a língua humana. No caso de Twain, os pesquisadores usaram a "linguagem" da baleia jubarte, o que poderia explicar alguma forma de reconhecimento ou até mesmo o próprio conhecimento, observou a especialista em comportamento animal Josie Hubbard, que também estava no barco. A pesquisadora atualmente está fazendo um PhD na Universidade da Califórnia, em Davis.

Mas e seu significado?

Os pesquisadores reconhecem, porém, que o "baleiês" do grupo ainda é muito iniciante, e a resposta de Twain ainda permanece uma incógnita.

— Um grande desafio para nós é classificar esses sinais e determinar o contexto deles, para que então possamos classificar o significado — explicou McCowan, para quem a Inteligência Artificial poderia dar uma força durante o percurso.

Uma iniciativa lançada em 2020, liderado pelo biólogo marinho David Gruber, tem focado na decodificação e entendimento das conversas entre as baleias cachalotes, o maior carnívoro do planeta, em Dominica. A Iniciativa de Tradução dos Cetáceos (Ceti, na sigla em inglês) observou que essas baleias reúnem-se na superfície do oceano em grupos familiares — o observado por Gruber é formado por cerca de 400 mães, avós e crias — e comunicam-se através de sequências de cliques semelhantes ao código Morse, conhecidas como codas.

— É difícil para nós perscrutarmos o seu mundo, para além destas breves interações na superfície — observou o pesquisador à BBC. — Cada vez que olhamos, encontramos uma complexidade e estrutura mais profundas na sua comunicação.

Gruber acredita que as pesquisas estão cada vez mais próximas de alcançar um ponto de avanço tecnológico, que seria capaz "possivelmente" de decodificar a comunicação entre as baleias. Ainda de acordo com sua entrevista à BBC, os dados coletados foram processados usando algoritmos de aprendizado de máquina para detectar e classificar cliques, e os resultados poderão ser publicados ainda esse ano.

'Ouvir mais, falar menos'

O entusiasmo para uma conversa plena com a espécie é grande, mas exige cautela. Tecnologias já ajudaram humanos na caça de baleias, como o sonar, que pode ser usado para localizar e assustar esses mamíferos, levando-os até a superfície, facilitando o abate.

— Deveríamos ouvir mais e falar menos — advertiu a especialista em dados marinhos do Centro Nacional de Oceanografia, Samantha Blakeman, à BBC. — Como cientista, você tenta estudar as coisas sem preconceitos. Você está sempre tentando sair da equação, o que é realmente difícil.

Blakeman alerta sobre o risco do antropomorfismo, quando os seres humanos tentam imputar características ou comportamentos humanos à animais irracionais ou outras formas da natureza.

As baleias, assim como qualquer ser vivo dentro de um ecossistema, têm características essenciais para manter seu habitat em equilíbrio. A especialista explicou que as baleias de barbatanas, por exemplo, costumam se apresentar como uma espécie de sinal para algum descompasso no ecossistema, uma vez que estão no topo da cadeia alimentar.

— Qualquer coisa que aconteça mais abaixo na cadeia alimentar afetará o que acontece no topo — explicou Blakeman.

Além disso, esses mamíferos atuam como fertilizantes, já que suas fezes contêm alta concentração de ferro, uma substância em falta no oceano. Elas também desempenha um papel importante no ciclo do carbono na Terra.


Fonte: O GLOBO