Governo estadual afirma que a folia mineira 'tem como princípio ser uma festa que escute e respeite a opinião de todos, mesmo quando não se trata de posicionamento predominante'

Um grupo composto por 66 blocos de Belo Horizonte se posicionou contra o governo estadual de Minas Gerais por "condutas questionáveis" relacionadas ao carnaval de rua da cidade. Um manifesto assinado pelos blocos foi enviado ao Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) e à Defensoria Pública do estado para solicitar uma apuração a respeito da distribuição de verbas que fomentam a folia e em denúncia à violência policial nos blocos. 

Por nota, o governo mineiro afirmou que o carnaval local "tem como princípio ser uma festa que escute e respeite a opinião de todos, mesmo quando não se trata de posicionamento predominante" e que "é natural que haja manifestações de todos os tipos". A gestão de Romeu Zema acrescenta que busca "fortalecer o carnaval de Minas Gerais como um grande atrativo de turistas", gerando "emprego e renda".

Já o documento divulgado pelos blocos sustenta que "o investimento estadual no carnaval de BH é uma demanda histórica que vem sendo negligenciada pelo governo Zema, ainda que a propaganda oficial queira divulgar o contrário". E continua: "O governo estadual vem atuando para alimentar disputas eleitorais com base na festa, adotando uma série de condutas questionáveis".

A principal queixa dos signatários é relativa aos repasses de verbas públicas. De acordo com os blocos, a gestão de Romeu Zema (Novo) estaria direcionando recursos das Leis de Incentivo à Cultura "de forma orientada", privilegiando alguns grupos em vez de "fomentar diretamente os fazedores de cultura na ponta". "Ou seja", argumenta o manifesto, "o estado utiliza a verba de um mecanismo de fomento à sociedade civil para se autopromover a partir de recursos oriundos de empresas públicas".

"Fazem uso desses recursos públicos sem transparência e sem mecanismos que garantam equidade e isonomia aos diversos segmentos da sociedade", continua o texto, acrescentando que se tratam de "vícios sérios que apontam arbitrariedade e até mesmo possíveis ilegalidades". O documento aponta ainda que as práticas do governo estadual "estimulam a homogeneização e a centralização da festa, investindo pesado na cultura do evento do corredor de trios, em detrimento da diversidade festiva e da sua regionalização", e "buscam transformar o carnaval em uma peça de publicidade turística, atraindo de forma irresponsável um número enorme de pessoas para a festa, sem considerar a capacidade da cidade para recebê-las, desrespeitando moradores e foliões".

— O governo de Minas está recolhendo recursos de empresas públicas estatais, via Lei Estadual de Incentivo à Cultura, por meio de projetos que são aprovados pelo governo, ou seja, já existe a sinalização de que o projeto será aprovado quando a solicitação é feita. Essas produtoras da sociedade civil financiam ações que posteriormente são apresentadas como sendo investimentos governamentais. Nosso questionamento é: há irregularidades no uso ou exploração midiática e pública desses projetos que estão sendo realizados por empresas privadas como sendo ações do governo estadual? — discorre Rafael Barros, antropólogo e integrante de três blocos da capital mineira ("Filhos de Tcha Tcha", "Praia da Estação" e "Tetê a Santa").

O manifesto demanda que "os recursos públicos destinados pelo Governo do estado ao carnaval de BH sejam distribuídos por meio de mecanismos transparentes, respeitando os princípios constitucionais que regem a Administração Pública".

— No caso desse grande "corredor de trios" que está sendo montado, segundo o governo, por exemplo, não houve transparência para sabermos os critérios de escolha dos blocos que vão usar essa estrutura. Nós queremos saber o que os blocos participantes vão receber além da estrutura de sonorização. Quanto à centralização, por que não há investimento pulverizado para que diferentes formatos de blocos, em diferentes regiões de BH, tenham acesso? — questiona Barros.

Lira Ribas, coordenadora dos blocos "Corte Devassa" e Magnólia", que assinaram o manifesto, afirma ainda que centralização do carnaval acaba com o maior atrativo da festa: a diversidade:

— Nós brigamos porque não queremos que se torne uma festa formatada, em um espaço delimitado. A diversidade é o principal atrativo do carnaval de Belo Horizonte, mas o governo atual nunca foi a favor desse carnaval diverso.

Além dos problemas nos repasses de verba, a violência policial na dispersão dos blocos também está na mira do manifesto. O tema ganhou força depois que PMs usaram spray de pimenta para conter foliões em uma suposta briga durante um cortejo realizado este mês. Após o episódio, o vice-governador Mateus Simões (Novo) defendeu, em coletiva de imprensa ao lado de Zema, a atuação dos agentes:

— Ordem de polícia tem que ser cumprida sempre. E a polícia agiu de forma adequada. Infelizmente, foi necessário o uso do spray porque não houve atendimento imediato às ordens dos policiais. Isso é um aviso a todos os foliões — alertou Simões.

— Estamos pedindo esclarecimentos, pois o carnaval de BH só retornou porque os blocos, literalmente, voltaram para a rua. O governo não pode tratar o carnaval como só mais um evento, é uma expressão pública do povo — rebateu Lira Ribas.

Ao GLOBO, o governo mineiro argumentou que no ano passado "o carnaval em Minas Gerais foi apontado como um dos mais seguros do país, graças ao incansável trabalho das Forças de Segurança do Estado".

Carnaval em BH

A festa na cidade tem início oficialmente neste sábado e vai até o dia 18 de fevereiro. Apenas na primeira semana de folia, BH deve ter quase 50 cortejos pelas ruas. Até o fim do período oficial de carnaval, são esperados mais de 500 desfiles, de acordo com a Prefeitura de Belo Horizonte.

Cerca de R$ 35 milhões foram investidos na folia este ano, segundo a administração municipal. A expectativa é que a cidade receba 5,5 milhões de foliões para o carnaval neste ano.

Procurada pelo GLOBO, a Defensoria Pública de MG afirmou que "estabeleceu contato com representantes dos blocos para dialogar sobre as principais demandas e sugestões para a organização da festa". Já o Ministério Público mineiro informou que para responder às demandas precisava saber "quando e onde" o manifesto dos blocos foi protocolado.

Segundo os responsáveis pelo documento, porém, "o MP ainda não retornou o 'oficiamento'". "Esperamos que abram uma Notícia de Fato para averiguar a pertinência das denúncias", completaram os signatários.

Veja a íntegra da nota enviada pelo governo mineiro.

"O Governo de Minas busca, por meio de diferentes ações, fortalecer o carnaval de Minas Gerais como um grande atrativo de turistas para o Estado, gerando emprego e renda para os mineiros e potencializando essa festa popular tão significativa para diferentes cidades do país. Por isso, em 2024, aumentou os investimentos e realiza campanhas, para que a festa fique melhor, diversificada e atrativa. Uma das ações que ocorre novamente diz respeito a política de descentralização da folia.

Por meio do programa Minas Recebe, o Governo de Minas também está realizando um trabalho de qualificação de profissionais para receber turistas e potencializar os negócios de forma mais efetiva. Cento e quarenta projetos com temáticas carnavalescas de diversas regiões do estado foram aprovados na Lei Estadual de Incentivo à Cultura (LeiC) com potencial de captação de R$ 39 milhões. Projetos carnavalescos de cidades como Itaúna, Paracatu, Tiros, Tiradentes, Contagem, Diamantina, Itapecerica, Divinópolis e Uberlândia, além de Belo Horizonte, foram viabilizados por meio de recursos da LeiC. Além disso, a nova sonorização do Carnaval de BH, que irá modernizar a folia na capital mineira em duas avenidas, também foi viabilizada via Lei Estadual de Incentivo à Cultura. Pelos mecanismos de fomento da Lei Estadual de Incentivo à Cultura e Fundo Estadual de Cultura em 2024, o Carnaval ganhará investimentos e incentivos de, pelo menos, R$ 13 milhões, valor que contempla mais de 30 projetos de todas as regiões de Minas Gerais.

Cabe informar que, em 2023, o carnaval em Minas Gerais foi apontado como um dos mais seguros do país, graças ao incansável trabalho das Forças de Segurança do Estado. A título de exemplificação, a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp) informou que houve redução de 75,2% no número de roubos em Minas Gerais no comparativo com o Carnaval de 2020, último antes da pandemia de Covid-19. Foram 149 ocorrências no estado – naquele período o registro foi de 603. Os homicídios apresentaram redução de 47,8%, passando de 40 casos (2020) para 21 (2023). Alvo de diversas campanhas de conscientização, o crime de importunação sexual também diminuiu. Foram 38 ocorrências contra 51 registrados em 2020, uma redução de 25%.

Em uma democracia, é natural que haja manifestações de todos os tipos, e o Carnaval de Minas Gerais tem como princípio ser uma festa que escute e respeite a opinião de todos, mesmo quando não se trata de posicionamento predominante."

Veja a íntegra da nota enviada pela Defensoria Pública.

"A Defensoria Pública de Minas Gerais (DPMG) tomou conhecimento da representação formulada pelos Blocos de Rua do Carnaval 2024 de Belo Horizonte.

A instituição instaurou procedimento de tutela coletiva voltado para acompanhar os protocolos de prevenção e combate à violência contra grupos vulnerabilizados (tais como crianças e adolescentes, mulheres e pessoas LGBTQIA+), reforço na frota de ônibus para a dispersão dos blocos com segurança e agilidade, bem como medidas para observância das diretrizes de uso adequado da força policial, especialmente no contexto de aglomeração.

A Defensoria Pública estabeleceu contato com representantes dos blocos para dialogar sobre as principais demandas e sugestões para a organização da festa, contudo, quanto à destinação de recursos, informa que a questão não se enquadra nas atribuições institucionais, visto que não se trata de órgão fiscalizador de verbas públicas."

*Estagiária sob a supervisão de Luã Marinatto


Fonte: O GLOBO