Apostar na aliança entre a nuvem e a inteligência artificial generativa é uma das estratégias da irlandesa Adaire Fox-Martin para ajudar empresas de todo o mundo para implementar nova tecnologia

Ajudar empresas de todo o mundo e de diferentes setores, de hospitais a bancos, a implementar sistemas de inteligência artificial generativa é uma das missões de irlandesa Adaire Fox-Martin. A executiva, desde janeiro, lidera a operação global do Google Cloud, o braço de nuvem da gigante de buscas.

Irmão mais novo do Google, o Google Cloud nasceu em 2016 como marca que consolidou os serviços de nuvem da companhia. Junto com o aniversário de sete anos, completados em setembro, a empresa comemorou outro marco: o primeiro lucro de sua história, de US$ 191 milhões, reportados no primeiro trimestre.

Apesar das boas novas, o negócio continua alguns bilhões de dólares atrás de seus dois principais concorrentes (Microsoft e Amazon) em termos de lucratividade na nuvem. Empacotar soluções para pequenas e médias empresas e avançar na oferta da IA generativa são algumas das estratégias para mudar esse quadro, segundo Fox-Martin, que lidera toda a organização de vendas de Google Cloud.

Há três décadas na indústria de tecnologia, a executiva diz que o momento atual, com a ebulição que veio com a IA, é um dos "mais empolgantes" que já testemunhou no setor. Em entrevista exclusiva ao GLOBO, ela admite que a tecnologia pode estar "superestimada". Mas só no curto prazo. No longo prazo, a leitura dela é que os impactos da IA ainda não estão sendo totalmente considerados.

Em visita ao Brasil, e em sua primeira entrevista a um veículo do país, a executiva conta como a nuvem do Google pretende crescer na América Latina, conta quais são as principais mudanças que a IA já está levando para as empresas e como vê a ameaça crescente de ataques nas superfícies de cloud.

Leia a seguir os principais trechos da conversa.

Adaire Fox-Martin, presidente global do Google Cloud, em evento sobre inteligência artificial — Foto: Divulgação

A senhora assumiu o Google Cloud em janeiro, em um momento em que a indústria de nuvem passa por mudanças importantes, incluindo a corrida na oferta de IA generativa. Qual é a sua principal meta à frente da empresa?

Eu já testemunhei uma série de transformações ao longo do tempo em que trabalho com a indústria de tecnologia, mas esta é provavelmente a mais empolgante delas. Há muitas razões para isso e algumas delas têm a ver, inclusive, com a minha função no Google Cloud, onde levamos parte da tecnologia que desenvolvemos no Google, com nosso time de engenheiros, para serem aplicadas pelos nossos clientes, para os clientes deles.

Ao longo do tempo, a indústria de tecnologia teve alguns momentos de eclosão de uma novidade, com grandes promessas, mas que, no fim, não duraram muito. Com a IA é diferente?

Eu definitivamente acredito que esse é um dos momentos em que uma tecnologia é superestimada no curto prazo, mas muito subestimada no longo prazo. Uma das coisas que as plataformas tecnológicas de IA generativa fazem, dentro do contexto empresarial, é democratizar o acesso.

Dentro do contexto de negócios, normalmente haveria um pequeno grupo de pessoas com acesso a dados e que procurariam estruturar um caso de negócios a partir da análise desses dados. Agora é possível ter um portfólio mais amplo (de possibilidades) do qual podem fazer parte diferentes empresas, funcionários e parceiros.

As empresas que estão acoplando a IA generativa a partir do Google Cloud já têm tido resultados mensuráveis?

Existem quatro casos de uso que estão emergindo. O primeiro deles é a adoção de IA generativa para processos organizacionais onde há alta demanda por criatividade ou por criação de conteúdo. O segundo está voltado para processos de negócios, onde existe a necessidade de sintetizar um grande volume de dados, como no setor financeiro.

O terceiro caso diz respeito à produtividade e eficiência, no uso em processos de negócios que podem ser aprimorados com tarefas concluídas com a IA. O último, e que provavelmente terá o maior impacto no curto prazo, é a oportunidade de reimaginar a experiência do cliente nas empresas.

Logo do Bard, do Google, lançado para tentar recuperar o terreno perdido para a OpenAI na corrida da inteligência artificial — Foto: Gabby Jones/Bloomberg

Quais empresas já estão fazendo isso, com vocês, e tendo resultados?

Um exemplo é a Priceline, agência de viagens (empresa do grupo Booking Holdings, mesmo do Booking.com). Eles estão buscando maneiras de fazer com que, ao invés de você apenas procurar seu hotel, a IA possa trazer possibilidades adicionais que mudem a experiência de reserva.

No caso de eficiência de processos, um caso é a das Clínicas Mayo, nos EUA, que estão usando IA generativa para ajudar a sintetizar a leitura de Raios-X. No Brasil, Magalu é um exemplo. Eles têm feito um ótimo trabalho com IA generativa na Lu (influenciadora virtual do Magalu).

Qual é a estratégia para vocês crescerem na América Latina?

Primeiro, há um elemento de instalarmos a infraestrutura que nos permita fornecer serviços aos clientes daqui. Nós temos dois data centers na América Latina (um em São Paulo e outro em Santiago, no Chile). Também estamos investindo em pessoas.

Vamos continuar aumentando o time da região. Há ainda o aspecto de tornar a tecnologia mais local, garantir que elas estejam português. Todos esses elementos fazem parte da nossa estratégia. Estamos otimistas com as oportunidades aqui, lembrando do amplo investimento que temos planejado (o Google anunciou investimento de US$ 1,2 bilhão na América Latina até 2027).

Olhando em perspectiva global, onde há oportunidades para vocês, pensando que os concorrentes, como Microsoft e Amazon, também estão oferecendo serviços de IA? Como o Google pretende deixar a terceira posição no mercado?

Bem, certamente é algo em que estamos trabalhando (risos). Em primeiro lugar, acredito que temos um portfólio de tecnologia extremamente único. Fomos os primeiros a chegar no mercado empresarial em muitas das ferramentas que oferecemos e estamos levando o melhor da engenharia do Google para a plataforma de Cloud. Isso vai desde a infraestrutura que nos permite oferecer serviços para todas as indústrias até os ambientes abertos para que desenvolvedores criem aplicativos.

Mas na prática, quais são as estratégias de vocês para ampliar a presença no mercado de nuvem?

Temos um foco muito claro em novas aquisições de clientes, em empresas que hoje não atendemos. Estabelecemos metas ambiciosas para isso e estruturamos equipes que lidam especificamente com essa tarefa. Em relação a soluções, não existe ninguém (no mercado) que lida mais com grandes volumes e análises de dados do que nós. Esse é um diferencial significativo. E, claro, os dados estão ligados ao mundo da IA generativa.

Outro elemento da nossa estratégia é levar a compreensão da nossa postura para a segurança cibernética. Se você pensar no Google de uma maneira geral, há bilhões de usuários em nossas plataformas todos os dias que precisam estar seguros. Então grande parte dessa tecnologia que foi criada para o Google geral, foi incorporada ao Google Cloud.

E onde entra a IA generativa?

Temos buscado parceiros que estão desenvolvendo Grandes Modelos de Linguagem (LLMs, sistemas por trás das IAs generativas). Nossa plataforma tem mais de 100 modelos de linguagem, o que significa que o cliente pode escolher qual deles melhor se adapta melhor ao negócio dele. Olhamos também para os unicórnios de IA (unicórnios são startups avaliadas em mais de US$ 1 bilhão).

Mais de 70% dos que trabalham com IA generativa usam o Google Cloud e constroem seus modelos na nossa plataforma. Outra parte importante da estratégia são nossos parceiros, alguns dos quais temos um relacionamento direto, com equipes voltadas para entender o contexto de cada um. Também estamos olhando para como atingir empresas de uma forma mais ampla, que tem a ver com como 'empacotamos' as nossas soluções.

No nível das pequenas e médias, o caminho tem sido de simplificar a forma como nos apresentamos. E aí garantir que as soluções sejam comercialmente atraentes.

As big techs têm falado muito sobre o avanço "seguro" da IA. Mas como vocês garantem que seus clientes estão usando as plataformas de Cloud para criar IAs de forma responsável, protegendo dados dos usuários, por exemplo?

Deixe-me falar primeiro sobre dados, porque essa é algo muito importante para nós. Os dados de nossos clientes são dados de seus clientes. São deles, de propriedade deles e não os acessamos no ambiente de nuvem padrão que está em nossos data centers, ou que gerenciamos técnica, comercial e contratualmente. A privacidade é clara.

E quando você chega ao mundo dos grandes modelos de linguagem (LLMs), o primeiro passo para implementar algum recurso de IA generativa é treinar um modelo (o que demanda dados). Então, mais uma vez, gostaria de reiterar que, se nosso cliente optar por usar o Google Cloud como plataforma generativa de IA, não usaremos os dados para treinar nosso modelo.

Esse é um diferencial em relação aos concorrentes?

Correto. Nós nunca utilizamos os seus dados para treinar nossos modelos, damos a você um ambiente privado para permitir que apenas você possa fazer o treinamento necessário (do modelo de IA). Levamos isso muito a sério.

O Brasil é conhecido pela vulnerabilidade que têm em relação à segurança cibernética. Como as empresas que estão começando a jornada de nuvem podem garantir que estão seguras?

Absolutamente. Primeiro, quando o cliente está em sua jornada para a nuvem, nós fazemos toda a arquitetura da movimentação dele tendo a segurança como ponto de partida. E isso está incorporado em tudo o que fazemos arquitetonicamente. Há muita coisa que vem a partir de nossos data centers.

E a IA não adiciona nova camada de sofisticação aos ataques cibernéticos?

Sempre há um certo grau de sofisticação. Não é possível nunca estar em uma posição de descansar e dizer: 'Ok, fizemos o que precisava ser feito, terminamos'. Nós nunca terminamos. Por isso que foi tão importante ter uma empresa como a Mandiant do nosso lado (o Google comprou a empresa de segurança cibernética em 2022, por US$ 5,6 bilhões).

Mas penso que a IA também pode ter um impacto positivo, em termos de melhorar as defesas de segurança. Uma oportunidade é a de ter, com a IA, uma espécie de colaborador, que pode estar perto da estrutura de segurança e procurar pontos fracos, estando sempre ligado e sempre ativo.

Acha que algum dia o braço de nuvem do Google poderá ser mais lucrativo do que o de buscas?

Este ano foi um marco importante para o Google Cloud, porque nos tornamos lucrativos pela primeira vez. Quando você vê os investimentos em infraestrutura que nos precederam, é possível entender porque houve a demora em atingir esse marco alcançar a lucratividade.

Foi um momento importante para nós como empresa, porque não só estamos operando em escala, em um ambiente extremamente competitivo, em rápida mudança, mas agora estamos fazendo isso com lucro. Agora vamos continuar a nos concentrar em nossa contribuição (para a empresa) e impulsionar o negócio, e aí veremos até onde isso nos levará.


Fonte: O GLOBO