Entrevista: 'Sou pastor da porta para fora', afirma conselheiro tutelar eleito no Rio com apoio de Malafaia

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Entrevista: 'Sou pastor da porta para fora', afirma conselheiro tutelar eleito no Rio com apoio de Malafaia

Da Assembleia de Deus de Bonsucesso, Jader Cruz assegura não ter espaço para política na luta pelos direitos de crianças e adolescentes

Com apoio explícito de Silas Malafaia, o pastor Jader Cruz, da Assembleia de Deus de Bonsucesso, foi eleito neste domingo para o seu segundo mandato no Conselho Tutelar do Rio. Autodeclarado de direita, com postagens a favor de Jair Bolsonaro (PL) nas redes sociais, o líder religioso afirma ter apreço pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e diz segui-lo, a todo custo, em seu exercício profissional.

Cruz vê uma politização "diferente" neste pleito, com a mobilização de nomes conservadores de peso. No entanto, em sua concepção, isso ficará "do lado de fora" dos conselhos, onde, segundo ele, não há espaço para política.

Leia a entrevista completa.

O senhor é formado em psicologia e é líder da Assembleia de Deus de Bonsucesso. Como surgiu o interesse em trabalhar com crianças na sua trajetória?

Desde a minha entrada na igreja, sempre trabalhei com a formação de jovens e adolescentes. E, com o tempo, fui entendendo sobre as dores e necessidades dos adolescentes, fui percebendo que tinha uma leitura que ia além do religioso. Aí entendi o espaço do conselho como uma forma de ampliar minha voz, e me encontrei nesse lugar. Isso foi antes deste barulho todo causado pela polarização.

O senhor se refere à movimentação para eleger conselheiros evangélicos?

Sim, a polarização causou esta ideia de que é preciso eleger evangélicos. Mas, lá em 2019, quando eu pedia votos, as pessoas nem sabiam o que era o Conselho Tutelar. Fui explicando e desmistificando essa ideia de conselho que tira as crianças das famílias, quase como uma autoridade policial. Hoje, com uma maior notoriedade do conselho, a igreja e toda a comunidade compreendem esta importância.

Mas, na sua opinião, é positivo a igreja ter elegido mais representantes?

Eu, particularmente, não vi essa movimentação dentro das igrejas, acho que tudo isso partiu mais dos fiéis e dessa entrada definitiva partidária na disputa que incentivou ambos os lados a votarem. Houve um aumento geral de participação do eleitor: esse povo estava na igreja, nos movimentos sociais, e cada grupo elegeu seus representantes, o que é positivo.

Isso terá impacto no dia a dia dos conselhos? Ficará mais conservador?

O conselho sempre teve um olhar mais atento dos movimentos sociais, que, em grande maioria, são inspiração da esquerda. Esse espaço tinha o domínio de conselheiros de esquerda. Agora, o conservadorismo observou que esses espaços precisam de cuidado e apresentou aos eleitores pessoas com essas perspectivas. 

Mas, o que eu sempre falo é que no Conselho Tutelar não tem direita e esquerda, lá o que vale é o ECA. Podemos usar esse discurso nas eleições, mas quando chega lá o que importa é o Estatuto. No meu primeiro mandato, meu maior parceiro era um militante LGBTQIA+ e em momento nenhum isso foi um problema. Ele era militante da porta para fora e eu pastor da porta para fora. Aqui dentro sou guardião do ECA. Todos nós.

Então, em seu exercício, o senhor abandona os princípios da fé?

Isso, caminhamos em cima do ECA. Nunca fiz qualquer menção em privilegiar a fala religiosa. Acho que o que precisamos é estudar mais e fazer valer mais o Estatuto para entendermos nossa função nesse processo de tentar garantir direitos. Não há espaço para fé.

O senhor se intitula de direita? Tem planos políticos?


Sim, sou de direita, mas não sou filiado a nenhum partido. Antes de entrar no conselho nunca pensei em política, mas hoje considero. Eu vejo que os espaços públicos precisam ser tratados com mais responsabilidade, e até mesmo dentro do Conselho Tutelar é possível se corromper. Mas é um plano, talvez para o futuro. 

Atualmente, entendo o conselho como uma das esferas políticas de atuação como cidadão e, apesar de ser de direita, tenho uma boa relação com militantes que me respeitam e são respeitados por mim.

Essa harmonia funciona até mesmo em polêmicas como drogas e aborto?

Como caminhamos com base no ECA, essas questões ficam fora do conselho. Vou te dar um exemplo: se estou de plantão e chega uma mãe de uma criança ou adolescente que foi abusada e está grávida, o aborto é direito dessa criança. Ela não está me perguntando minha opinião, estou ali para garantir o direito. 

Não é o pastor Jader que importa, mas o conselheiro. Por isso, sigo o que fui eleito para fazer. Existem questões de fé que influenciam aqui fora, mas lá dentro não tem espaço para isso. Para mim, pessoalmente, a palavra de Deus é suprema, mas, enquanto conselheiro, sigo o ECA. Nesse contexto, não importa se o conselheiro é evangélico, judeu ou espírita.

O senhor foi reeleito para seu segundo mandato. Em sua visão, o que é mais difícil na função de conselheiro?

O custo do trabalho do conselheiro é emocional. Você vê coisas que você não consegue lidar, que você não consegue resolver. Quando toca, rasga de verdade e não dá para pensar que vai conseguir dar conta de tudo, por mais capacitado e preparado que você esteja. Você nunca sabe que parte do seu atendimento vai te tocar. Do meu colegiado, três dos cinco tiveram questões emocionais.

Em uma frase, o que significa ser conselheiro tutelar para você?

É o trabalho de uma vida. Ali, você abraça muitas famílias e consegue mudar a realidade de pessoas que não entendem seus direitos e carecem de ser acolhidas. É muito honroso.


Fonte: O GLOBO

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