Dessa vez, produção não pôde ser filmada no complexo de favelas por conta da violência

Porto Velho, RO - “Enxugando o gelo/ sua realidade segura por um fiapo de cabelo/ apego pelo tempo, melhor não tê-lo/ segurá-lo, não quero, nem há como contê-lo.” Os versos da canção “Enxugando o gelo”, de BNegão & Os Seletores de Frequência, abrem “Alemão”, filme dirigido por José Eduardo Belmonte lançado em 2014 e que foi visto por aproximadamente um milhão de pessoas nos cinemas brasileiros. A música já transmitia uma natureza crítica evidente, reforçando a luta diária dos moradores de favelas no Rio de Janeiro.

Oito anos depois, “Alemão 2” chega às salas de cinema e poderia muito bem contar com a mesma canção na trilha. Os dois filmes têm diferenças importantes, seja na trama, seja no tamanho da produção, mas, colocados lado a lado, transmitem o mesmo cenário: a falência da segurança pública no Rio de Janeiro.

Passado em 2010, o longa original retratava um Rio se preparando para receber a Copa do Mundo e a Olimpíada, com uma política de segurança baseada nas UPPs e que prometia a chegada da polícia como apenas o ponto de partida para uma entrada mais relevante do Estado nas favelas. A nova produção, passada às vésperas das eleições de 2018, mostra não apenas como o projeto das UPPs deu errado, mas como tudo continua sem perspectiva de solução.

— Se olharmos bem, infelizmente não tem diferença entre as realidades de um filme e outro. Porque se crê no processo de Segurança Pública baseado na militarização, em que o policial não é um gestor, é um inimigo — acredita Belmonte, que volta à cadeira de diretor para a continuação. — O filme não vai resolver a questão, mas vai lançar perguntas. São essencialmente duas: este processo de combate ao crime tem funcionado? E quem ganha com a violência?

Se nada mudou com relação à realidade, muita coisa mudou em termos de produção. O cineasta considera o novo filme uma obra melhor e mais complexa, beneficiada por uma maior experiência dele no mundo da ação, não só pelo primeiro filme, mas também pela série “Carcereiros”.

Responsável pela ideia do projeto original, o produtor Rodrigo Teixeira também destaca o maior investimento. O longa foi orçado em R$ 6,6 milhões, valor consideravelmente maior que o R$ 1,8 milhão do anterior. Teixeira lembra que o próprio processo de produção da sequência apontou para um cenário de fracasso nas políticas de segurança.

— Filmamos o primeiro longa, em 2013, dentro do Complexo do Alemão, o que não foi possível fazer no segundo — diz Teixeira, que pensou o projeto como uma trilogia, inicialmente protagonizada por Antônio Fagundes.

O ator, no entanto, não retornou para a continuação, obrigando os realizadores a praticamente zerar a trama. O único elo entre os dois filmes é Mariana, moradora da comunidade interpretada por Mariana Nunes.

Vladimir Brichta, Gabriel Leone, Leandra Leal, Aline Borges, Digão Ribeiro e Zezé Motta são as novidades no elenco. Os quatro primeiros vivem policiais, enquanto que os dois últimos se juntam a Mariana Nunes como moradores da favela.

— Nunca tinha feito um filme que falasse sobre segurança pública. É um tema espinhoso e importantíssimo que engloba várias outras grandes questões da nossa sociedade — diz Brichta. — Do jeito que se pensa segurança pública, com essa política de enfrentamento e combate, vai morrer o bandido, vai morrer o policial e vai morrer o inocente, cuja única possibilidade é morar naquele local.

Todo mundo perde nessa guerra.

O diretor José Eduardo Belmonte avalia que o primeiro filme era muito centrado na figura dos policiais. Para o cineasta, a continuação pretende tratar o tema apresentando melhor a perspectiva do morador da favela, além de fazer do próprio Alemão uma espécie de protagonista da produção, que está em cartaz em 250 salas.

Mariana Nunes percebe que o segundo filme dá maior destaque à sua personagem e a moradores da comunidade — e acha que tal núcleo merece ainda mais espaço.

— Eu sei que o filme tem essa premissa de ver vários lados, mas acho que fica muito difícil ver vários lados de uma forma igual sendo que, na vida real, a situação em si não parte de uma igualdade — diz a atriz. — Não sei se a Mariana estará no “Alemão 3”, mas adoraria ver o longa sob a ótica dos moradores do Complexo.

Leandra Leal destaca que, diferentemente do primeiro filme, “Alemão 2” traz mulheres na força policial. Para a atriz, é importante mostrar figuras femininas no comando, e ela afirma que aceitou o projeto pela oportunidade de trabalhar com um filme que é de ação, mas que também é uma denúncia.

— Acho que o filme fala muito sobre essa falta de sentido na guerra às drogas. Não sou especialista, mas acho que temos, sim, que rever nossa política de drogas, a legalização é um caminho. Temos que ter outros braços do Estado atuando fortemente dentro de comunidades, não só a polícia.

Fonte: O Globo