Pandemia fez com que algumas pessoas retornassem a padrão de descanso pré-industrial, que especialistas afirmam ser benéfico em alguns casos

Porto Velho, RO - Nos últimos dois anos, muitas pessoas desenvolveram rotinas de trabalho e descanso diferentes das que estavam acostumadas, devido às condições impostas pela pandemia de Covid-19. Nesse contexto, o sono passou a ser algo fragmentado para muitas delas — uma mudança voluntária ou não, dados os níveis de estresse do período.

E, sem saber, trouxeram de volta um ciclo natural que acredita-se ter sido o padrão do final da Idade Média até o início do século XIX no Ocidente.

Naquela época, muitas pessoas iam dormir assim que o sol se punha e acordavam três a quatro horas depois. Elas então socializavam, liam livros, faziam pequenas refeições e transavam por uma ou duas horas antes de voltar a dormir por mais três a quatro horas.

Foi somente quando a luz artificial foi introduzida que as pessoas começaram a se forçar a dormir durante a noite, disse Roger Ekirch, professor de história da Virginia Tech e autor de “The Great Sleep Transformation” (A grande transformação do sono, sem tradução no Brasil).

Ekirch, que estudou o sono segmentado nos últimos 35 anos, disse que há mais de 2 mil referências ao tema em fontes literárias: tudo, de cartas a diários, registros judiciais, jornais, peças de teatro, romances e poesias, de Homero a Charles Dickens.

— O fenômeno recebeu nomes diferentes em lugares diferentes: primeiro e segundo sono, primeiro cochilo e sono profundo, sono noturno e sono matinal — disse Benjamin Reiss, professor de inglês da Universidade Emory, na Geórgia, e autor de “Wild Nights: How Taming Sleep Created Our Restless World” (Noites selvagens: Como o sono domado criou nosso mundo inquieto, sem tradução no Brasil).

Segundo ele, não era uma escolha, mas algo que as pessoas faziam porque se encaixava nos padrões de trabalho agrícola e artesanal. Naquela época, além de ser um período útil para se conceber um bebê, o período de vigília também era considerado um horário nobre para tomar poções e remédios e para ajudar na digestão (dormia-se de um lado do corpo durante o primeiro sono e depois do outro lado durante o segundo sono), explicou Ekirch.

Não havia pressão para chegar à fábrica a tempo, pegar um trem ou mandar as crianças para a escola, já que a maior parte do trabalho era feito dentro ou perto de casa, disse Reiss. O sono não era governado pelo relógio, mas pelos ritmos da noite e do dia, bem como pelas mudanças das estações, acrescentou. Mas havia também motivos negativos para o sono segmentado.

— As superfícies para dormir, muitas vezes um saco cheio de grama, ou com sorte, lã ou crina de cavalo, tornavam mais difícil do que hoje dormir por um longo período sem interrupção — disse Reis.

Fonte: O Globo