'Mensagem clara que fica é que eles têm partido político', afirma presidente ao atacar magistrados

Porto Velho, RO - O presidente Jair Bolsonaro (PL) subiu o tom dos ataques contra ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) ao dizer nesta quarta-feira (16) que se comportam como "adolescentes", na contramão da Constituição e que têm um objetivo: querem o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de volta ao poder.

"Nós vemos que exatamente alguns do Supremo, a minoria do Supremo, é que age na contramão da nossa Constituição. E ali a mensagem clara que fica é que eles têm partido político. Não querem o Bolsonaro lá e querem o outro, que esteve há pouco tempo no xadrez, no xilindró", disse o mandatário à Jovem Pan.

Apesar de não ter mencionado neste determinado momento a quem se referia, durante toda a entrevista Bolsonaro atacou três ministros do STF que compartilham a gestão do comando do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) neste ano: Luís Roberto Barroso (atual presidente), Edson Fachin (que passa a comandar a corte na próxima semana) e Alexandre de Moraes (que vai presidir no segundo semestre).


"O que fica da ação desses três ministros do Supremo, que estão dentro do TSE, [é] que parece que eles têm um interesse. Primeiro, é buscar uma maneira de me tornar inelegível, na base da canetada. A outra é eleger o seu candidato, que é o Lula", disse o presidente.

Pré-candidato à Presidência da República, Lula está à frente de Bolsonaro nas pesquisas de intenção de voto.

As declarações se assemelham ao tom belicoso que o chefe do Executivo usava na época dos protestos de raiz golpista do 7 de Setembro do ano passado. Ele concedeu a entrevista da Rússia, onde está em missão oficial até quinta-feira (16).

Bolsonaro foi questionado a respeito de uma fala de Fachin, durante reunião de transição do comando do TSE, que presidirá a partir do dia 22. O ministro disse que uma das prioridades da Justiça Eleitoral neste ano será a segurança cibernética e que a Rússia é um exemplo de procedência desses ataques.

"Imagina se eu tivesse um encontro logo mais no dia de hoje com ele [Vladimir Putin]? Um constrangimento. Então, [os ministros] são pessoas que se comportam como adolescentes, têm um objetivo. Dizer ao Fachin que, se dependesse de mim, eu jamais faria o que ele fez, dando início à anulação do julgamento do sr. ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva", afirmou.

No STF, Fachin julgou a vara federal de Curitiba como incompetente e anulou as condenações de Lula na Lava Jato.

Bolsonaro disse que a fala de Fachin era lamentável e "fake news". "É triste, é constrangedor para mim. Receber acusações como se a Rússia se comportasse como terrorista digital."

O presidente disse ainda que a preocupação do ministro Fachin com eventuais ataques ao sistema eletrônico "comprova" que ele não tem confiança no sistema eleitoral e voltou a jogar dúvidas sobre as urnas eletrônicas.

Ele é alvo de dois inquéritos no STF a respeito deste tema. No primeiro, o TSE mandou notícia-crime ao Supremo por conta dos ataques infundados às urnas, e o presidente virou alvo do inquérito de fake news.

No segundo, é investigado por divulgar inquérito sigiloso sobre um suposto ataque hacker às urnas eletrônicas, em uma live ao lado do deputado Filipe Barros (PSL-PR).

Bolsonaro relatou ainda ter sido ignorado duas vezes pelo ministro Alexandre de Moraes em reunião que tiveram na semana passada para entrega do convite para cerimônia de troca no comando do TSE.

"Apenas o Fachin falou naquele momento. Eu dirigi a palavra duas vezes ao ministro Alexandre. Ele não respondeu. Quando saíram dali foram ao Senado encontrar o presidente Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e ali decidiram, inclusive, que a CPI das Fake News deveria voltar a funcionar", afirmou.

Na entrevista, Bolsonaro disse que, "por coincidência", o ministro da Defesa, Walter Braga Netto, e os comandantes das Forças Armadas estavam em seu gabinete no momento da reunião com os ministros do Supremo.

Como a Folha havia mostrado, o encontro foi relâmpago e protocolar. A cúpula das Forças Armadas não era esperada pelos ministros. Esta foi a primeira vez que se menciona o fato de o presidente ter sido supostamente ignorado.

Questionado se ele havia sentido hostilidade da parte de Moraes no encontro do Planalto, Bolsonaro não respondeu diretamente, mas se queixou de seu ajudante de ordens (AJO), coronel Mauro Cesar Barbosa Cid, ter se tornado alvo do inquérito que apura vazamento de informações sigilosas sobre suposto ataque hacker às urnas eletrônicas.

A quebra de sigilo foi autorizada em 31 de janeiro, a pedido da Polícia Federal.

O presidente disse que a quebra de sigilo do seu AJO foi para ter "acesso às informações" a que ele tem. Cid é um dos quatro ajudantes de ordem de Bolsonaro. Além de gozar da sua extrema confiança, passam 24 horas por dia ao seu lado.

"Entendo que a quebra de sigilo do meu ajudante de ordens por parte do sr. Alexandre de Moraes foi para ter acesso às informações que eu tenho", disse.

​O presidente citou na entrevista a resposta do TSE ao Exército sobre questionamentos a respeito do sistema eletrônico de votação.

O material reforça o que a corte eleitoral vem sustentando nos últimos meses de que as urnas eletrônicas são seguras para rebater falas do presidente sobre a suposta vulnerabilidade dos equipamentos.

"Nos responderam, questão de três dias, aproximadamente, centenas de páginas. O pessoal das Forças Armadas, que pertence à inteligência cibernética, está analisando esses documentos. Onde vamos concordar, discordar total ou parcialmente", afirmou.

As falas do presidente ocorrem em uma viagem em que não há nenhum ministro da ala política, que costumam apelar por moderação. Seu filho, vereador Carlos Bolsonaro (RJ), conhecido por incendiar o entorno do presidente, acompanha Bolsonaro na viagem e na entrevista à Jovem Pan.

Os ataques de Bolsonaro aos ministros do STF ocorre pouco mais de uma semana após Fachin e Moraes irem ao Palácio do Planalto entregar pessoalmente convite para a posse de Fachin na presidência do TSE no próximo dia 22. O evento será virtual.

Ao longo de 2021, o TSE, assim como o STF, foi alvo de seguidos ataques de Bolsonaro nas semanas anteriores aos atos de raiz golpista do 7 de Setembro. O presidente acusou, sem provas, fraude nas urnas eletrônicas e chegou a fazer ameaças às eleições de 2022.

Depois do feriado da Independência, porém, em meio à crise institucional, Bolsonaro divulgou uma nota na qual recuou. Ele afirmou que não teve "nenhuma intenção de agredir quaisquer dos Poderes" e atribuiu palavras "contundentes" anteriores ao "calor do momento".

Aquela mudança de tom de Bolsonaro, porém, apesar de elogiada pelos presidentes do Senado e da Câmara, sempre foi vista com ceticismo, em especial pelos magistrados do Supremo. Nos últimos dias, o presidente interrompeu a trégua e voltou a questionar a confiabilidade do sistema eleitoral.

Fonte: Folha de São Paulo