Decisão do número 1 do mundo, que perderá torneios importantes, é prejudicial para os negócios do esporte

Porto Velho, RO - Dos 100 melhores tenistas do mundo, apenas um não se vacinou. Isso não representaria um grande problema para a Associação de Tenistas Profissionais (ATP) e organizadores de torneios masculinos de simples masculino.

O problema é que esse 1% é justamente o atleta número 1 do mundo, que arrasta fãs e patrocinadores por onde passa. A decisão de Novak Djokovic de não tomar a vacina contra a Covid-19 — por enquanto, segundo ele — não chega a marcar a modalidade como um todo e é vista como uma questão pessoal pelos companheiros, publicamente. Mas incomoda por ser um assunto recorrente no circuito e pode afetar, sobretudo, o negócio.

O imbróglio envolvendo o sérvio e o governo australiano antes do Australian Open foi desgastante em todas as frentes, como admitiu a ATP na ocasião. Passado mais de um mês, o assunto não arrefeceu e volta à tona a cada campeonato e com as recentes declarações de Djokovic. Ele disse que abriria mão de grandes torneios para manter sua decisão, que, de acordo com ele, não faz parte de um movimento contra a vacinação. Também se desculpou por algumas atitudes, autodeclaradas como egoístas.

A ATP recomenda que todos os jogadores se vacinem — alguns se demonstraram contrários, como o americano John Isner, que acabou se vacinando para não ficar fora das competições. Os torneios, em geral, estão exigindo a comprovação, como o Rio Open, por exemplo, seguindo determinações governamentais. Assim, Djokovic perderia Masters 1000 de Indian Wells e Miami, além dos Grand Slams de Roland Garros e Wimbledon, por exemplo.

Na próxima semana, ele vai competir no ATP 500 de Dubai. Os Emirados Árabes só exigem um teste de Covid-19 negativo. O governo italiano também disse que ele poderá participar do Masters 1000 de Roma, em maio.

Colegas não julgam

Essa indefinição tende a fazer parte de toda a temporada, gerando desgaste para a imagem do número 1 do mundo — que pode perder o posto caso não jogue os grandes torneios. Os tenistas evitam fazer juízo de valor e demonstram certo incômodo com os constantes questionamentos sobre o caso.

— Não acho que isso prejudique a imagem do tênis. Foi algo entre ele e a Austrália. O tênis está muito saudável. Foi algo muito difícil para ele, mas temos que continuar — disse o italiano Matteo Berrettini, sexto do mundo, que perdeu a final de Wimbledon ano passado para Djokovic, e é um dos favoritos no Rio Open.

O brasileiro Bruno Soares, que compete nas duplas no Rio, concorda com Berrettini, achando que a imagem do tênis não será arranhada ou vinculada à decisão pessoal de Djokovic.

Vacinado, Bruno já passou pela experiência de pegar Covid-19 e ter de fazer rígidas quarentenas para poder jogar os torneios:

— Não tem questão no tênis. Os números mostram que a grande maioria está vacinada. Se está sendo ruim ou não para a imagem dele, é ele quem tem de avaliar e tomar decisões. Estamos em um momento em que certas decisões são inflamadas demais.

Se ele está disposto e a sua filosofia de vida é não se vacinar e não jogar os torneios, está ótimo. Há um estardalhaço em cima desta história. Se não quer se vacinar, siga os protocolos dos não vacinados.

O argentino Federico Coria vai além, e diz respeitar a postura do campeão. Apesar de ter escolhido se vacinar.

— Valorizo muito que ele não muda de pensamento. Uma pessoa pode estar de acordo ou não, eu sou pró-vacina , mas temos que valorizar que ele mantém a palavra, tem seu pensamento e não vai mudar mesmo que fique fora dos torneios.

De fora do circuito há anos, mas por dentro dos bastidores, o ex-tenista Fernando Meligeni acredita que o episódio da Austrália manchou um pouco a imagem do tênis. Mas afirma que o esporte é maior do que qualquer atleta e será apenas um episódio do passado.

— Sempre um jogador número 1 vai ser a cara do tênis. Mas o atleta encerra a carreira e o tênis continua. O Djoko foi o que mais se manchou. O que me pareceu? Que ele peitou, deu aquela carteirada... Duvido que os atletas gostaram de tudo isso.

Mas não vão falar. Atleta entende que o melhor do mundo terá regalias, pode escolher o dia de jogar, horário de treino, quarto de hotel, mas quando a regalia extrapola o status que ele têm e se torna um excesso... No vestiário, o tenista não aceita o excesso — diz.

Ruim para o negócio

Do ponto de vista do negócio, a escolha de Djokovic não é nada boa. A ATP não comenta o prejuízo que pode ter com a ausência do número 1 do mundo nos torneios. Ainda mais num ano da iminente aposentadoria de Roger Federer e com Rafael Nadal escolhendo as competições a dedo.

Os patrocinadores pessoas de Djokovic, por enquanto, estão mantidos. A Lacoste, no entanto, ainda estava avaliando a situação antes de tomar uma decisão. Não à toa, o tenista vem amenizando a situação nas recentes declarações.

— Perde o patrocinador pessoal, que não tem seu jogador nos grandes torneio, e perde o circuito. O que move o esporte são os astros. Sem eles, a competição perde atratividade. Temos o caso do surfe, sem o Gabriel Medina (com problemas pessoais). Na Fórmula 1, o Lewis Hamilton com a especulação se ia correr ou não. Isso tudo mexe com o negócio — disse o especialista em marketing Fábio Wolff, da Wolff Sports.

Fonte: O Globo