Porto Velho, Rondônia - O Ministério Público Federal (MPF) recomendou a suspensão da aplicação de multas de trânsito a motoristas que deixarem de pagar o pedágio eletrônico Free Flow na BR-364, em Rondônia. A medida é direcionada à Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), à Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran) e à concessionária Nova 364, responsáveis pela implantação do sistema no estado.
MPF APONTA CONTROVÉRSIA JURÍDICA NA APLICAÇÃO DE MULTAS
Na recomendação, o MPF sustenta que a penalidade prevista no artigo 209-A do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) que classifica como infração grave deixar de pagar pedágio quando há sinalização não se aplica automaticamente ao modelo Free Flow.
Segundo o órgão, o não pagamento da tarifa em um sistema eletrônico deve ser tratado como inadimplemento contratual, regido pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC), e não como infração de trânsito, sob pena de gerar punições desproporcionais aos usuários.
EXCLUSÃO DIGITAL É UM DOS PRINCIPAIS RISCOS APONTADOS
O procurador da República Leonardo Trevizani Caberlon, que assina a recomendação, destacou o impacto social da medida, especialmente em Rondônia, onde a BR-364 é o principal eixo de transporte de pessoas e escoamento da produção.
De acordo com o MPF, grande parte dos usuários da rodovia vive em áreas rurais ou no interior do estado e não possui acesso regular à internet, aplicativos bancários ou meios digitais de pagamento, o que aumenta o risco de inadimplemento involuntário.
MULTAR MOTORISTA POR TARIFA ELETRÔNICA É DESPROPORCIONAL, DIZ MPF
O órgão argumenta que aplicar multa, gerar pontuação na Carteira Nacional de Habilitação (CNH) e até restringir o direito de dirigir por falta de pagamento de uma tarifa eletrônica viola princípios constitucionais, como:
- Razoabilidade;
- Proporcionalidade;
- Vedação ao excesso.
Segundo o MPF, não existe direito adquirido a cobrar tarifa por meio de sanção administrativa de trânsito, especialmente quando o sistema depende exclusivamente de tecnologia digital.
EXPERIÊNCIA NA BR-101 SERVE DE ALERTA
A recomendação também leva em conta problemas observados no sandbox regulatório do Free Flow na BR-101 (trecho Rio–Santos), onde falhas na implantação resultaram em:
- Cobranças indevidas;
- Deficiência na comunicação com usuários;
- Exclusão digital;
- Aplicação em massa de sanções administrativas.
Para o MPF, repetir o modelo na BR-364 sem ajustes pode gerar danos coletivos significativos.
JUSTIÇA JÁ PROIBIU MULTAS NO FREE FLOW DA VIA DUTRA
O documento lembra que, em outubro deste ano, o MPF obteve decisão liminar da Justiça Federal proibindo a aplicação de multas por não pagamento do Free Flow na Via Dutra (BR-116/SP). A decisão reconheceu que o uso de sanções de trânsito como mecanismo de cobrança pode violar direitos fundamentais dos usuários.
MEDIDAS RECOMENDADAS A CADA ÓRGÃO
O MPF estabeleceu recomendações específicas:
À ANTT
- Não autorizar a aplicação de multas do art. 209-A do CTB na BR-364;
- Exigir cobrança por meios civis, conforme o CDC;
- Garantir campanhas informativas amplas, não restritas a meios digitais.
À Senatran
- Deixar de orientar ou autorizar autos de infração por não pagamento do Free Flow;
- Reavaliar a compatibilidade entre sanção de trânsito e inadimplemento contratual.
À Nova 364
- Não solicitar nem induzir a aplicação de multas;
- Criar canais de pagamento e contestação acessíveis, inclusive presenciais;
- Cumprir rigorosamente o dever de informação ao consumidor.
As instituições têm até 10 dias para informar se acatarão a recomendação
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