Falso médico vira réu por morte de paciente e forja a própria morte para fugir da Justiça — Foto: TV Globo/ Reprodução
Porto Velho, Rondônia — Um caso que mistura crime, fraude documental, exercício ilegal da medicina e tentativa de obstrução da Justiça voltou a chamar a atenção das autoridades e da população. Fernando Henrique Guerrero, que se apresentava como médico na Santa Casa de Sorocaba (SP) mesmo sem possuir diploma de medicina, se tornou réu por homicídio culposo pela morte de uma paciente e, posteriormente, falsificou seu atestado de óbito para escapar do julgamento.
O caso ganhou repercussão após ser exibido no programa Fantástico, da TV Globo, que revelou os passos da investigação conduzida pelo Ministério Público de São Paulo e pelo setor de segurança estadual.
Atuação como falso médico e morte de paciente
Fernando atuou por meses como clínico geral, utilizando documentos falsificados para obter trabalho em hospitais. Em 2011, passou a trabalhar na Santa Casa de Sorocaba com identidade e diploma falsos. O Ministério Público apurou que ele sequer concluiu o curso de medicina, tendo abandonado a formação no terceiro ano.
De acordo com o promotor de Justiça Antônio Farto Neto, mais de 20 famílias relataram ter sido atendidas por Fernando. Um dos casos mais graves ocorreu em outubro de 2011, quando a paciente Helena Rodrigues morreu um dia após ser liberada pelo falso médico com diagnóstico incorreto. Helena apresentava dores abdominais e vômitos, sintomas que, segundo os promotores, indicavam possíveis problemas cardíacos. Contudo, o diagnóstico feito por Fernando foi de dor nas costas.
A paciente havia sido internada anteriormente, por recomendação do próprio Fernando, após queixas de falta de ar. Ela ficou hospitalizada por 12 dias e, ao retornar com novos sintomas, foi liberada sem exames mais aprofundados.
A causa oficial da morte foi infarto, e os promotores alegam que o réu não possuía qualificação para reconhecer e tratar a condição. Por isso, tornou-se réu por homicídio.
Rede de falsos profissionais e documentos manipulados
A investigação chegou até Fernando após a prisão de Camila Aline da Silva Matias Rocha, que também atuava como falsa médica em São Paulo e foi acusada de envolvimento em um homicídio durante um roubo. Camila declarou que foi indicada por Fernando para trabalhar como médica usando nomes falsos, como "Bruna". Fernando também utilizava nomes como “Ariosvaldo”.
Mesmo após sua prisão inicial, Fernando continuou manipulando a Justiça. Em 2019, já respondendo ao processo, obteve autorização para alterar o nome, passando a se chamar Fernando Henrique Dardis, com o objetivo de dificultar sua identificação.
Farsa da morte e descoberta da fraude
O julgamento, inicialmente marcado para 2023, foi sucessivamente adiado com o uso de atestados médicos — tanto de Fernando quanto de seu advogado. Em janeiro de 2024, a defesa apresentou um atestado de óbito em nome de Fernando Henrique Dardis, alegando que ele havia falecido.
Contudo, promotores notaram inconsistências no documento e iniciaram uma apuração. A médica Cláudia Obara, que teve sua assinatura usada no atestado, afirmou que não assinou o documento e que Fernando está vivo.
A farsa foi descoberta após o nome do “falecido” ser utilizado em atualizações cadastrais de cartório, o que levantou suspeitas. Além disso, Ricardo Rodrigues dos Santos, responsável por registrar a certidão de óbito, trabalha no setor de Recursos Humanos de um hospital ligado à família de Fernando.
Revelação por vídeo e fuga
A confirmação definitiva da fraude veio com um vídeo enviado no domingo (22), em que o próprio Fernando aparece vivo, alegando que cometeu o ato “em momento de desespero”. Ele se defendeu das acusações de homicídio, alegando que a paciente havia sido atendida por outros médicos após sua alta.
“Estou vivo, agi sozinho em um momento de desespero. [...] Não aceito ser acusado injustamente. Peço desculpas a todos os envolvidos”, declarou Fernando na gravação.
No entanto, não esclareceu quem foi enterrado em seu lugar na sepultura registrada com seu nome.
Desdobramentos e busca policial
A Secretaria de Segurança Pública de São Paulo confirmou que as buscas por Fernando continuam em andamento, mas que os detalhes estão sob sigilo para não comprometer a captura.
A empresa Med-Tour, pertencente à família de Fernando, negou envolvimento com a fraude. A defesa do falso médico classificou como “injusta” a acusação de homicídio e se manifestou contra a prisão preventiva do réu.
O advogado anterior, Felipe Gomes de Souza, que apresentou o atestado de óbito à Justiça, alegou ter sido vítima da fraude e registrou boletim de ocorrência por uso indevido de seu nome profissional.
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