Empresa fez reestruturação global com foco em cibersegurança e análise de dados. Executivo diz que clientes querem adotar IA, mas desafio é fazer isso em massa, com segurança e ‘compliance’

Ricardo Mucci, presidente da Cisco no Brasil — Foto: Divulgação

Porto Velho, Rondônia - Há muito conhecida pelo seu foco em hardware, a gigante de equipamentos de rede Cisco, multinacional de tecnologia, tem investido pesado nos últimos anos em outras frentes como cibersegurança e nuvem. O avanço tecnológico na última década e, mais recentemente, a corrida das empresas pelas melhores soluções de inteligência artificial (IA), levou a fabricante a montar um plano de reestruturação global, simplificar portfólios e realizar a maior aquisição da sua história.

A compra da Splunk, plataforma de big data que oferece serviços de cibersegurança e análise de dados, por US$ 28 bilhões de dólares, mostra a disposição para liderar essa frente tecnológica. No ano em que a Cisco completa 30 anos no Brasil, Ricardo Mucci, CEO que comanda as transformações na empresa há três, conta em entrevista ao GLOBO que os clientes querem adotar inteligência artificial, mas ainda é preciso aplicar isso com camadas de segurança e compliance.

Qual é o peso do Brasil para a Cisco?

Não posso abrir o percentual que o Brasil representa, mas é uma das operações mais longevas. Completamos este ano 30 anos aqui. O Brasil pertence a um seleto grupo de países com o programa CDA (Country Digital Acceleration), que nós aqui chamamos de Brasil Digital Inclusivo. São 34 países no mundo com este programa de investimento que traz aceleração e transformação digital.

E qual é o foco para os próximos anos?

A IA está por trás de muitas coisas hoje, especialmente diante do enorme volume de dados e informações que circulam na internet e nas redes de nossos clientes. O número de ciberataques diários é alarmante, e a IA está sendo usada tanto para combater quanto para realizar esses ataques. Desde 2015, temos integrado IA em nossas plataformas. E hoje temos robustez em conectividade, segurança e observabilidade (plataformas de gestão e governança que permite a visualização da infraestrutura em tempo real).

Conversando com nossos clientes, vimos que 94% reconhecem que precisam ter aportes em IA para crescer e competir no mercado. Mas só 14% estão realmente preparados por conta de uma questão complexa. Implementar IA de forma massiva, com diferentes modelos, e ainda adicionar camadas de segurança, compliance e auditoria é algo extremamente desafiador. Nosso foco é criar uma infraestrutura de inteligência artificial que capacite nossos clientes.

Investimos na compra da Splunk por US$ 28 bilhões e viramos a terceira maior empresa de software do mundo. Esse investimento nos permite aplicar, consumir e transformar dados em informação em tempo real para os nossos clientes, seja do ponto de vista de infraestrutura, cibersegurança ou negócios. Essa é a nossa jornada daqui para frente.

A Cisco anunciou um plano de reestruturação global. Como afeta a operação brasileira?

Somos, sim, uma empresa que tem muito hardware. Mas, cada vez mais, somos uma empresa de software, que é o nosso futuro. Não, nós não vamos parar de fabricar roteador, por exemplo. Hoje, 80% das soluções de segurança já são baseadas em software. A companhia deixa muito clara sua orientação para o futuro que é se tornar a maior empresa de software do mundo.

Pensando no portfólio, qual é a ideia? Vocês pretendem combinar softwares?

Nosso objetivo é oferecer uma visão “fim a fim”, desde a infraestrutura até a camada de negócios dos clientes. Simplificação, sempre. Nós acabamos de mudar todo o nosso modelo de comercialização das soluções de segurança, que antes era muito fragmentado. Agora, temos três grandes suítes: uma focada em infraestrutura, outra em compliance e a última em segurança de usuários em endpoints (dispositivos ligados à rede). Os clientes brasileiros buscam segurança, com uma gestão mais efetiva e simples de seus negócios. O mercado brasileiro é altamente competitivo.

O governo Lula lançou este ano a Nova Política Industrial. O índice de digitalização das empresas é de 23% e a meta é 90% ate 2033. Como vê essa iniciativa?

Vejo com bons olhos o fomento à indústria local. A minha preocupação é que isso não esteja ligado somente na redução de impostos de importação, mas de fato na geração de tecnologia local. A Cisco já tem fábrica no Brasil e mais de 50% dos nossos produtos vendidos no país são fabricados localmente. E conversamos sobre a possibilidade de tornar o Brasil um hub de exportação para a América Latina.

A Cisco hoje já exporta para a América Latina?

A Cisco no Brasil é 100% focada na fabricação local para o mercado brasileiro. Há anseios de que a gente possa fazer isso um dia, mas do outro lado tem o “custo Brasil”, que é caro. Mais de 50% da produção global da Cisco estão no México, depois de todos os problemas enfrentados na China em termos de custos e tarifas. Esse anseio de um dia poder exportar para a América Latina vai na linha de uma operação que está crescendo, mas não existe nada direcionado para isso. Existe um sonho.

Qual é o maior desafio ara operação brasileira? Juros altos ou o nó tributário?

A Reforma Tributária tende a trazer uma melhora importante para essa questão toda, mas a gente ainda tem um pouco da confusão da tributação. Existe uma preocupação óbvia com a questão dos impostos, principalmente na área de serviços, lembrando que a área de tecnologia e o Brasil como um todo é muito forte em serviços. 

Sem dúvida nenhuma, o custo do dinheiro para se fazer negócio no Brasil é muito caro. Hoje, para a operação local, diria que conseguimos suportar bem. Mas se a gente quiser sonhar sonhos mais altos, é preciso investimentos maiores e isso passa por como a gente consegue condições de crédito mais palatáveis.


Fonte: O GLOBO