Analistas esperavam alta de 0,9%. Consumo das famílias também contribuiu para a forte expansão da economia, com mercado de trabalho aquecido e aumento da renda

Consumidores em shopping no Rio: consumo das famílias ajudou a puxar o PIB — Foto: Hermes de Paula

Porto Velho, Rondônia - 
O Produto Interno Bruto (PIB, o valor de tudo o que é produzido na economia) do Brasil cresceu 1,4% sobre os três primeiros meses do ano, informou o IBGE nesta terça-feira. É a maior alta desde o quarto trimestre de 2020, quando a economia cresceu 3,7%, mas ainda em meio à recuperação imediatamente após tombar por causa do início da pandemia de Covid-19.

Analistas esperavam um avanço de 0,9% do PIB ante o primeiro trimestre, segundo pesquisa do jornal Valor que captou as estimativas de 80 instituições financeiras e consultorias de mercado.

Pelo lado da oferta, tanto o setor de serviços quanto a indústria surpreenderam apesar dos efeitos negativos da paralisação das atividades no Rio Grande do Sul, por causa das enchentes que atingiram o estado entre abril e maio. Pelo lado da demanda, o consumo das famílias veio mais forte que o esperado, com o mercado de trabalho aquecido e a alta na renda no trimestre.

— Foto: Arte O Globo

Consumo de energia ajuda desempenho da indústria

A indústria teve expansão de 1,8%, com desempenho positivo de atividades como eletricidade e saneamento (4,2%).

— O maior consumo de eletricidade, principalmente nas residências, e a manutenção da bandeira tarifária verde ajudaram o setor — avalia Rebeca Palis, coordenadora de Contas Nacionais do IBGE.

Juliana Trece, economista do FGV Ibre, também destaca o crescimento da eletricidade, mas ressalva que o ritmo não deve se manter nos próximos meses.

— Esse crescimento forte da energia, o maior dentre as atividades da indústria, não deve se manter no mesmo ritmo para o segundo semestre. A Aneel já avisou que setembro vamos estar na bandeira vermelha, o que vai tornar a energia mais cara e resultar em um impacto negativo no consumo de energia — explicou.

Por outro lado, ela acredita que, com o mercado de trabalho se mostrando consistentemente aquecido, a construção deve manter o crescimento e continuar ajudando a indústria a crescer ao longo do próximo semestre.

Rebeca também cita o bom desempenho da construção civil, que avançou 3,5%, e da indústria de transformação, que teve alta de 1,8%. Por outro lado, houve queda de 4,4% nas indústrias extrativas, que reúnem atividades como mineração e extração de petróleo.

Plantação de milho no Pará — Foto: Victor Moriyama/Bloomberg

Agropecuária recua por causa da seca

O setor de serviços, que responde por quase 70% da economia e puxa o crescimento agregado, avançou 1%, o dobro do esperado por alguns analistas.

A agropecuária, que puxou o PIB no ano passado, foi o único entre os grandes setores que recuou: queda de 2,3% no segundo trimestre. A seca que afeta plantações em vários estados no país foi uma das responsáveis pelo desempenho fraco.

Pela ótica da demanda, o consumo das famílias surpreendeu e cresceu 1,3% sobre o primeiro trimestre, acima do que previam analistas.

Na comparação com o segundo trimestre de 2023, houve alta de 4,9%. Já são 13 trimestres de crescimento consecutivo, na comparação com um ano antes.

Força do consumo das famílias

Para a economista Alessandra Ribeiro, sócia da Tendências Consultoria, a surpresa com o consumo das famílias foi uma combinação entre o mercado de trabalho pujante, com geração de empregos e aumento de salários, e o que economistas chamam de “impulso fiscal”, ou seja, aumento de gastos do governo que injetam mais renda diretamente no orçamento das famílias.

Esse é o caso do aumento de benefícios vinculados ao salário mínimo, como as aposentadorias do INSS, e dos programas de transferência de renda. O terceiro governo Lula começou mantendo a elevação do benefício do Bolsa Família em R$ 600 por mês, e retomando a política de reajuste do mínimo. Os efeitos dessas medidas parecem estar durando mais do que o imaginado.

Efeito dos gastos do governo no aumento da renda das famílias se deu também via o reajuste das aposentadorias do INSS que são indexadas pelo valor do salário mínimo — Foto: Márcia Foletto/Agência O Globo

— Houve, sim, uma subestimação (nas projeções) do impulso fiscal por todos esses canais — afirmou Alessandra, lembrando que o aumento dos benefícios do INSS que ficam no piso ajuda, principalmente, a renda dos mais pobres. — Outra coisa sempre difícil de captar é o credito.

O crédito seguiu em alta no segundo trimestre. Os juros ainda estavam em nível abaixo do verificado um ano antes — o Banco Central (BC) suspendeu o ciclo de queda na taxa básica Selic (hoje em 10,5% ao ano) em junho, mas, para os tomares finais de empréstimos, o fim do alívio ainda não chegou totalmente.

Info - Desempenho do PIB trimestre a trimestre — Foto: Arte O Globo

Investimentos sobem e puxam importações

O consumo do governo cresceu 1,3% ante o primeiro trimestre. E os investimentos, medidos pela Formação Bruta de Capital Fixo, tiveram expansão de 2,1%. As empresas brasileiras compraram mais máquinas e equipamentos, impulsionando a produção nacional de bens de capital e a importação desses itens. As importações de bens e serviços cresceram 7,6%.

A taxa de investimento foi de 16,8% do PIB no segundo trimestre, acima dos 16,4% registrados no segundo trimestre de 2023. Já a taxa de poupança foi de 16%, abaixo dos 16,8% do mesmo trimestre de 2023.

Em relação ao segundo trimestre de 2023, o PIB cresceu 3,3%, também com avanço de indústria e serviços e queda da agropecuária.

Revisão do primeiro trimestre

O IBGE, como de praxe em toda divulgação do PIB, revisou os dados do trimestre passado para a economia brasileira e constatou que a expansão no início de 2024 foi de 1%, e não de 0,8% originalmente estimado.

Com isso, no primeiro semestre deste ano, o PIB avançou 2,9% em relação ao mesmo período do ano passado. O instituto fez outras revisões para o ano passado.

O crescimento mais forte no primeiro semestre confirma as revisões para cima nas expectativas para o desempenho da economia neste ano.

Diante dos dados mais recentes divulgados mês a mês, analistas do mercado financeiro já vinham projetando um crescimento anual em torno de 2,5% para 2024, conforme a edição mais recente do Boletim Focus, um compilado de estimativas feito pelo Banco Central (BC).

Desaceleração é esperada

As projeções vêm sendo revistas para cima desde janeiro. Na primeira edição deste ano, quando nem mesmo o desempenho fechado de 2023 era conhecido, o Focus apontava crescimento anual de apenas 1,6% para 2024.

No entanto, apesar das surpresas positivas, muitos economistas esperam uma desaceleração para o segundo semestre.

Alessandra explicou que as próprias regras do arcabouço fiscal não permitiriam manter o ritmo do “impulso fiscal”. Em 2023, o gasto público cresceu bastante em relação a 2022. Este ano, o avanço foi menor, mas ainda com importantes efeitos sobre a renda. Esses efeitos vão naturalmente perdendo força.

Além disso, a partir da segunda metade do ano a interrupção do ciclo de queda da Selic deverá começar a surtir efeito, arrefecendo a demanda tanto das famílias pelo consumo quanto das empresas por investimentos.


Fonte: O GLOBO