Lua — Foto: Pexels
Os acordos não são vinculativos, mas servem como iniciativa de cooperação entre as partes. O objetivo dos americanos é ter uma plataforma permanente na Lua até 2025 e a partir daí expandir a exploração espacial para Marte e além. Para isso, porém, é preciso não apenas planejar missões tripuladas complexas, como também garantir a manutenção da vida humana em ambiente lunar por um longo período de tempo, algo inédito e que requer a produção local de recursos como energia, oxigênio, infraestrutura e comida.
Foi aí que o Brasil enxergou uma oportunidade.
— Quando assinamos os Acordos Artemis, em 2021, começamos a buscar projetos com os quais o país poderia contribuir e chegamos a três pilares: ciência, agricultura e mineração — destaca Marco Antonio Chamon, presidente da AEB.
Segundo ele, a proposta brasileira veio em dose dupla: a construção de um pequeno satélite de exploração da Lua, o SelenITA, que já está sendo viabilizado através de uma parceria entre a Nasa, a agência espacial dos EUA, e o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) do Brasil; e o desenvolvimento de um projeto de agricultura espacial, valendo-se da grande experiência agrícola do país.
— [A agricultura espacial] não é uma área exclusiva do Brasil, mas há poucas pessoas trabalhando nisso e não há nenhum país hegemônico na área — defende.
A parceria entre Embrapa e AEB foi firmada em novembro após um ano de negociações. De lá para cá, criaram uma rede de pesquisadores ligados a mais 10 universidades nacionais, a Space Farming Brazil (Agricultura Espacial no Brasil); selecionaram os primeiros cultivares que serão testados na Lua, o grão-de-bico e a batata doce, fontes importantes de proteína e energia; e definiram as técnicas de plantio, hidroponia e aeroponia, que são o cultivo na água e no ar, respectivamente, sem uso de solo.
O projeto foi dividido em duas partes: a primeira será dedicada aos estudos na Terra, enquanto a segunda será voltada para os testes no espaço, provavelmente com uso de robôs. Ao todo, a AEB estima que deve levar entre 10 anos e 15 anos para concluir a entrega, cujo orçamento garantido, por enquanto, é de apenas R$ 20 milhões para os primeiros quatro anos.
Para uma agência estatal cujo montante anual gira em torno de pouco mais de R$ 100 milhões, a viabilização de uma viagem à Lua é o grande X da questão.
— É um orçamento inicial bastante modesto, apenas para estruturar a rede de pesquisadores e fazer alguns estudos internos em laboratório. À medida que o projeto for crescendo, a gente vai alavancando outros recursos — pondera o presidente da agência. — Ciência toma tempo, não acontece do dia para a noite.
Na mesma época em que lançou a iniciativa agrícola, a Agência Espacial Brasileira recebeu uma proposta inesperada: um convite para participar de um consórcio internacional com representantes do Reino Unido, Japão e Suécia. O grupo, liderado pela empresa privada britânica Asteroid Mining Corporation (AMC), desenvolveu um robô em formato de aranha para minerar asteroides e está em busca de parceiros para seu teste piloto, que envolve uma missão à Lua.
De acordo com Chamon, o Brasil daria apoio logístico à missão por meio de comunicação (recebimento de dados em terra) e rastreamento do foguete e do robô. Em contrapartida, teria acesso à tecnologia utilizada, além de ganhar visibilidade internacional. A agência, afirma, tem grande interesse em enveredar pela área de robótica espacial para remover lixo do espaço e evitar colisões com satélites brasileiros, que podem sofrer avarias ao impactar com objetos de apenas 1 cm — hoje, só é possível rastrear pedaços maiores que 10 cm.
As conversas foram positivas até o momento, dizem fontes da AEB e da AMC, mas faltam recursos do lado brasileiro para levar o assunto para uma mesa de negociação. O país já apoiou a Índia em missões para a Lua, mas, segundo Chamon, as especificações técnicas demandadas pela Swedish Space Corporation, a empresa de dados suecas que integra o consórcio internacional, estão além das capacidades do Brasil — nossas antenas de recepção são menores do que o necessário.
O Brasil tem uma posição geográfica estratégica para a missão. Como a maior parte das estações espaciais do mundo está concentrada no Hemisfério Norte, o país oferece a maior porção de terra ao Sul do Equador para observação do lançamento e rastreamento da espaçonave, explica o presidente da AEB. Em parte por isso, a mesma proposta foi feita a Argentina, Chile e África do Sul. Mas as conversas também não avançaram.
Procurada, a AMC não informou valores, mas disse que tem como parâmetro a missão Chandrayaan-3 da Índia, que custou US$ 75 milhões em 2023, três vezes o orçamento da AEB este ano. Segundo Celso Merege, representante comercial do consórcio na América Latina, o investimento pode variar de acordo com o prazo de entrega, o tempo de duração e os objetivos da missão. Apenas para planejar o lançamento seriam necessários cerca de três anos, ou seja, se o Brasil começasse agora, poderia ir à Lua em 2027 ou 2028, afirma.
— O Brasil é o único país dos BRIC [grupo originalmente formado por Brasil, Rússia, Índia e China] que ainda não foi à Lua — disse Mitch Hunter-Scullion, CEO da AMC. — Pode demorar dois, três ou quatro anos, mas [participar do consórcio espacial] será benéfico para o país, criará empregos, trará investimentos, novas oportunidades para engenheiros e cientistas brasileiros e, o mais importante, inspirará a nação.
Para especialistas como o geógrafo Ronaldo Carmona, do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), e o astrônomo Jorge Carvano, do Observatório Nacional, é de interesse do Brasil conduzir experimentos na Lua e ter acesso a tecnologias estratégicas como robótica espacial. Mas é preciso “olhar no detalhe” a proposta e ver se está alinhada ao programa espacial nacional, tendo em vista seus recursos reduzidos, ponderam.
— Se quiser, o Brasil tem recursos para participar de uma iniciativa como essa, mas é preciso avaliar quais são as prioridades da Agência Espacial Brasileira. Hoje eu não diria que é ir à Lua — afirma Carmona. — O país está investindo em construir seus próprios satélites e veículos lançadores para garantir autonomia no espaço.
Atualmente, há três satélites brasileiros em órbita, dois deles construídos em parceria com a China e outro totalmente nacional, o Amazônia 1, que desde 2021 monitora o desmatamento no país. O Brasil está desenvolvendo dois satélites com a Argentina para monitorar recursos hídricos, oceanos e umidade do solo, com previsão de lançamento para 2026; e outros dois com a China, um de imageamento feito com radar, capaz de penetrar nuvens, para 2028 e um geoestacionário, geralmente usado nas comunicações, para 2030. Apesar de sua excelência meteorológica, o país usa majoritariamente dados de satélites estrangeiros em suas análises, que afetam desde o dia a dia das pessoas à safra agrícola.
— Ninguém descartou nada, mas não tem nada assinado em pedra. Ainda não temos certeza se os investimentos necessários valeriam a pena a participação brasileira — conclui Chamon.
Fonte: O GLOBO
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