Caso Mahsa Amini: Repressão e espírito de revolta marcam dois anos da morte que deu origem a onda de protestos no Irã — Foto: AFP
As execuções em grande escala se multiplicam, seus autores desfrutam de impunidade e os familiares das vítimas são perseguidos pelas forças de segurança da República Islâmica.
Os manifestantes denunciavam o uso obrigatório do hijab pelas mulheres (que cobre a cabeça) e o conservadorismo religioso em vigor desde a revolução islâmica de 1979.
As marchas, lideradas por mulheres, duraram meses, apesar de uma repressão implacável que resultou em 551 mortes e milhares de detenções, segundo organizações de defesa dos direitos humanos.
A intensidade dos protestos diminuiu, embora o governo continue a punir quem o desafiou. Dez homens condenados à morte por sua participação no levante foram executados; o último deles, Gholamreza Rasaei, de 34 anos, foi enforcado em agosto.
ONGs também denunciam o aumento das execuções por todos os tipos de infrações, atribuindo isso a uma vontade de criar medo para dissuadir qualquer indício de descontentamento.
Segundo a organização Iran Human Rights (IHR), com sede na Noruega, pelo menos 402 pessoas foram executadas nos primeiros oito meses do ano, sendo cem delas em agosto.
Curdas e libanesas protestam lado a lado em apoio a Mahsa Amini em Beirute, capital do Líbano, nesta quarta-feira — Foto: ANWAR AMRO/AFP
"Um número incalculável de pessoas continua sofrendo no Irã as consequências da brutal repressão", afirma Diana Eltahawy, da Anistia Internacional (AI).
'Golpes', 'bofetadas'
Segundo a Human Rights Watch (HRW), os familiares de pessoas assassinadas, executadas ou detidas nos protestos são alvo de ameaças, assédio e até mesmo presos sob falsas acusações.
"As autoridades castigam as pessoas em dobro: executam ou matam alguém da família e depois prendem seus parentes por pedirem explicações", sublinha Nahid Naghshbandi, uma pesquisadora da HRW.
Mashallah Karami foi condenado a seis anos de prisão em maio, ampliados para nove anos em agosto, após ter liderado uma campanha para salvar seu filho Mohammad Mehdi Karami, preso por participar das manifestações e executado em janeiro de 2023, quando tinha 22 anos.
As autoridades intensificaram ainda mais a repressão para impedir qualquer desafio ao uso obrigatório do hijab.
A AI observa um "aumento visível de patrulhas a pé, de moto, de carro e de vans policiais".
O Parlamento deve aprovar em breve uma lei destinada a "apoiar a cultura da castidade e do hijab".
Os veículos pessoais, que por muito tempo constituíram um espaço seguro para as mulheres iranianas, agora estão ameaçados pelas tecnologias de reconhecimento.
Especialistas da ONU acusam o Irã de "intensificar" a repressão contra as mulheres, em particular por meio do uso recorrente de "golpes" ou "bofetadas" como medidas de punição.
'Legitimidade perdida'
A AI denuncia o caso de Arezou Badri, uma mulher de 31 anos que ficou paralisada após ser baleada pela polícia em julho, enquanto dirigia no norte do Irã, em um incidente relacionado às normas de vestimenta.
Uma missão de investigação da ONU determinou em março que a repressão aos protestos resultou em "crimes contra a humanidade", mas nenhum responsável foi punido por seus atos.
Dois anos após as manifestações, os líderes da República Islâmica "não recuperaram sua legitimidade perdida" e "muitas jovens continuam contestando", afirma Roya Boroumand, cofundadora do Centro Abdorrahman Boroumand, com sede nos Estados Unidos.
Os protestos abalaram o regime, mas também evidenciaram as divisões da oposição, dentro do Irã e no exílio.
O movimento "mostrou o fracasso absoluto das alternativas de oposição ao regime", observa o pesquisador Arash Azizi, autor do livro "O que os iranianos querem".
No entanto, ele acrescenta: "Ainda acredito que o Irã não voltará à situação de antes de 2022. Nos próximos anos, a República Islâmica provavelmente passará por mudanças fundamentais".
Fonte: O GLOBO
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