Companhia prepara volta a fertilizantes, renováveis e avalia se recompra refinarias fechadas

Petrobras, com sede no Rio, divulgou prejuízo no segundo trimestre de 2024 — Foto: Brenno Carvalho / Agência O Globo

A Petrobras registrou seu primeiro prejuízo desde 2020 e revisou para baixo os investimentos deste ano, mas isso não mudou os planos da companhia de redefinir — e ampliar — áreas de atuação. A estatal, que chegou a ter como objetivo se desfazer de US$ 27 bilhões (mais de R$ 151 bilhões) em ativos, busca recompor o portfólio com projetos dos quais não quer mais se desfazer, os que avalia recomprar e os que entraram no radar na nova gestão.

Essa é uma das metas de Magda Chambriard, que assumiu o comando da petroleira há dois meses com a tarefa de equilibrar as demandas dos acionistas com as do Planalto. A executiva tenta acelerar a volta da empresa aos segmentos de fertilizantes, renováveis, além da produção de petróleo em novas áreas, como a Margem Equatorial, no litoral das regiões Norte e Nordeste, e no exterior.

Uma das áreas que ajudam a ilustrar esse momento na Petrobras é a de refino. Em 2019, na gestão de Roberto Castello Branco, a Petrobras anunciou a intenção de vender oito refinarias, que representavam metade da capacidade de refino da companhia, como parte de um acordo com o Cade, que regula a concorrência no país. Dessas, quatro não receberam propostas ou tiveram valor abaixo do esperado, como a Rnest (em Pernambuco), considerada um símbolo da Operação Lava-Jato. Outras três foram vendidas e uma teve o processo cancelado.

‘Compra e se arrepende’

Desde o início do ano, os árabes do Mubdala, fundo soberano dos Emirados Árabes Unidos, que compraram a refinaria da Bahia, conversam com a Petrobras para tentar revender até 80% da unidade. A Atem, que comprou a refinaria de Manaus, está de olho e busca se aproximar da estatal para “devolver” sua unidade, que está com operações suspensas. Na Petrobras, as iniciativas são vistas com desconfiança. Como explicou uma fonte da companhia, a ação das empresas privadas é a de “alguém que compra e se arrepende”.

O risco é virar um movimento de desistência em série, com os compradores privados recorrendo à estatal para formar nova sociedade. A petroleira tem recebido dezenas de propostas de outras empresas, como afirmou Magda durante a teleconferência de resultados do segundo trimestre, quando divulgou prejuízo de R$ 2,6 bilhões em razão do alta do dólar e de um acordo tributário com o governo. Oficialmente, a estatal diz que avalia a proposta dos árabes.

— O que estamos vendo é o esforço de a empresa ser integrada novamente (em um contexto de transição energética). Quem comprou ativos da Petrobras tenta revender e outros encalharam. Não faz sentido empresas de energia atuarem de forma segmentada, pois os ativos da Petrobras foram desenvolvidos para atuarem de forma integrada — diz Cláudio Pinho, professor de Transição Energética Justa da Mackenzie.

Se o aumento dos investimentos em refino indica preocupação com a dependência externa no futuro, a mesma lógica vale para as reservas de petróleo. Desde 2019, elas se mantêm no mesmo patamar, segundo dados da Agência Nacional do Petróleo (ANP). Nas reuniões internas da empresa, uma das metas da atual gestão é a necessidade “urgente” de ir além do pré-sal. Para isso, os processos de venda de campos foram descartados.

— A Petrobras precisa fazer investimentos realmente estratégicos. Para aumentar as reservas, deve intensificar seus esforços de exploração, inclusive já possui áreas em que detém direitos de exploração. Pode olhar para a revitalização de campos maduros, mas o pré-sal ainda é prioritário e vai absorver a maior parte dos investimentos junto com o refino, com destaque para a produção de diesel e produtos de baixo carbono — diz Sidney Lima, analista da Ouro Preto Investimentos.

O mercado tem cobrado mais “agilidade” da estatal na transição energética. A área de energia verde ganhou uma diretoria, mas até agora nenhum projeto de peso foi anunciado. E o debate não é só de estratégia, mas de impacto político.

Projeto para gerar vagas

Segundo um executivo que pediu anonimato, parte do alto escalão defende a compra de ativos já construídos e em operação, mas enfrenta resistência do outro lado, que quer projetos para gerar empregos, uma das bandeiras do presidente Lula. “E isso acaba atrasando tudo,” resumiu a fonte. Para o governo, a estatal pode impulsionar obras no país.

— A Petrobras precisa abrir frentes em relação à energia limpa, como energia eólica e crédito de carbono. Não é inteligente vender os seus ativos sendo você uma fonte inesgotável — disse Alex Andrade, CEO da Swiss Capital.

O futuro da companhia passa pela volta aos aportes em petroquímica, fertilizantes e no mercado internacional. Na última semana, ela anunciou descoberta de gás na Colômbia.

— Olhar novamente para ativos no exterior até pode fazer sentido, principalmente sob a ótica de estratégia de diversificação e redução de riscos. A reentrada no mercado internacional pode ajudar a acessar novas reservas e oportunidades de produção, além de fortalecer a posição competitiva globalmente. No entanto, é crucial que os investimentos sejam realizados com análise rigorosa de viabilidade financeira e riscos associados, a qual nem sempre a empresa apresentou maestria — afirma Lima, da Ouro Preto.

Embora haja cobrança por celeridade, Pinho diz que o processo leva tempo:

— A empresa vende os ativos e desfaz equipes. E até gerar nova inteligência leva tempo. A descarbonização traz impactos nas operações da empresa e exige estratégia envolvendo não só petróleo, mas a área de energia elétrica, gasodutos e campos de gás.

A Petrobras disse que busca a geração de valor e a recomposição de reservas por meio da contínua aquisição de áreas exploratórias tanto no Brasil quanto no exterior. Destacou ainda que busca a promoção da transição energética por meio das energias renováveis.

Refinarias

A estatal suspendeu o processo de venda da Refinaria Abreu e Lima (RNEST), e decidiu investir US$ 1 bi na unidade, que iniciou suas operações em 2014. Está localizada no Complexo Industrial Portuário de Suape, distante 45 km do Recife, em Pernambuco. — Foto: Wilton Junior / Agência O Globo

Enquanto negocia com os árabes a recompra da Refinaria da Bahia, a estatal acelera o investimento na Refinaria Abreu e Lima (Rnest), um dos símbolos da Operação Lava-Jato, com a construção de uma segunda unidade que vai dobrar sua produção de diesel.

Já o Comperj (no Rio), que chegou a ser alvo de memorando de entendimento com os chineses no passado e não deu certo, vai receber uma refinaria e o gás do pré-sal através da Rota 3, gasoduto que iniciou sua operação na semana passada. Vai ainda investir US$ 1,5 bilhão no segmento de biorrefino para produzir diesel renovável e bioquerosene de aviação no Rio, Paraná e São Paulo.

Gás

Petrobras quer ampliar uso do gás com projetos em conjunto com países da América do Sul — Foto: Divulgação

Após se desafazer da Gaspetro (acionista de várias empresas estaduais de distribuição de gás) e das redes de gasoduto Nova Transportadora do Sudeste (NTS) e Transportadora Associada de Gás (TAG), a estatal suspendeu o processo de venda do Gasoduto Brasil-Bolívia.

Agora, planeja ampliar o uso do gás no Brasil com a importação da molécula através de novos projetos envolvendo países vizinhos, como Argentina, Bolívia e Colômbia (onde anunciou descoberta semana passada). Vai ainda investir em novas redes de escoamento a partir de campos do Sudeste e do Nordeste. Estão previstos US$ 7 bilhões nos próximos anos.

Petróleo fora do pré-sal

A Margem Equatorial é um dos focos de investimento da Petrobras — Foto: Reprodução / Google maps

A Petrobras vem aumentando a pressão para conseguir investir na Margem Equatorial, região que vai do litoral do Amapá ao Rio Grande do Norte. A estatal aguarda do Ibama uma licença para perfurar o primeiro poço de exploração na Bacia do Foz do Amazonas.

Em paralelo, vem ampliando seus esforços para investir nas bacias de Sergipe-Alagoas e ampliar os estudos em Pelotas, no Rio Grande do Sul, além de projetos de revitalização em campos maduros. Mas há desafios. Em 2024, prepara investimentos na área de exploração e produção entre US$ 13,5 bilhões e US$ 14,5 bilhões, menor que a previsão anterior, de US$ 18,5 bilhões.

Ativos no exterior

Navo-plataforma instalado no campo de Itaipu no pré-sal da Bacia de Santos — Foto: Márcia Foletto/Agência O Globo/27-09-2023

Nos últimos anos, a estatal vendeu ativos de distribuição em países como Chile, Paraguai, Uruguai e as participações societárias na Petrobras Oil & Gas BV, que reunia ativos na África, e nos Estados Unidos, como a polêmica Refinaria de Pasadena, no Texas.

Agora, a estatal se volta ao exterior novamente. Este ano anunciou a aquisição de participações em três blocos exploratórios em São Tomé e Príncipe, na África. Até 2028, segundo o plano de negócios, há previsão de destinar US$ 1,3 bilhão para investir em nove poços exploratórios que serão perfurados na América do Sul. E está de olho na Guiana, na Margem Equatorial.

Fertilizantes e petroquímica

A foto é de uma das unidades da Braskem — Foto: Divulgação

No terceiro mandato de Lula, a Petrobras anunciou a volta dos investimentos nos segmentos de petroquímica e fertilizantes. Para a Braskem, na qual tem 47% das ações com direito a voto, a estratégia é aumentar seu poder na gestão da empresa, mas sem estatizá-la.

Na área de fertilizantes, já anunciou a retomada da operação da Araucária Nitrogenados (Ansa), no Paraná, e avalia a conclusão das obras da Unidade de Fertilizantes Nitrogenados III, em Mato Grosso do Sul. Reavalia o futuro do arrendamento das fábricas de fertilizantes na Bahia e Sergipe para a Unigel, que vai até 2031. Mas há demora na condução dos projetos.

Energia eólica e solar

Produção de energia eólica em terra — Foto: Domingos Peixoto/Agência O Globo

A Petrobras analisa a aquisição de quatro projetos de energia renovável nas áreas de eólica e solar em terra. O objetivo é ter 50% do controle dessas “plataformas”, que envolvem projetos em operação ou com plantas em construção.

Em paralelo, a companhia paneja investimentos em hidrogênio, captura de carbono e armazenamento de energia. São 14 projetos, dos quais quatro em fase piloto e dez em análise. A estatal tem a perspectiva de ampliar o investimento em usinas térmicas movidas a gás. Para isso, aguarda o leilão de capacidade do governo para recontratar suas usinas (hoje descontratadas) ou construir uma nova unidade.


Fonte: O GLOBO