Ouros do Brasil em Paris-2024 foram conquistados por Rebeca Andrade, Beatriz Souza, e Ana Patrícia e Duda — Foto: Gabriel BOUYS / AFP; Luis ROBAYO / AFP; Jeff PACHOUD / AFP
Porto Velho, Rondônia - Maria Lenk chegou sozinha aos Jogos de Los Angeles-1932. Era a única mulher ao lado de 82 homens da delegação brasileira, e a primeira atleta do país em Olimpíadas. Tinha apenas 17 anos. Noventa e dois anos depois, chegamos a Paris-2024 com as mulheres sendo maioria da delegação pela primeira vez: são 153 brasileiras, 55% do total de atletas.
Me questiono como Maria Lenk enxergaria, hoje, o caminho que ela começou há quase cem anos, uma história um tanto quanto disruptiva para a época. O que ela diria das conquistas que alcançamos neste ano de 2024?
Tivemos em Paris não apenas a importância histórica das mulheres em número, mas uma participação em termos de relevância.
Nossas atletas embarcaram para a França com uma expectativa muito grande em relação às medalhas, o que acabou se confirmando, ainda que muitos jamais pudessem imaginar que fosse possível.
Isso se torna ainda mais especial quando olhamos com um recorte de raça e classe, algo que diz muito sobre o reflexo do nosso povo. O que fizemos nos Jogos de Paris é um pouco desse avanço que buscamos enquanto sociedade.
Foi a melhor participação feminina em Jogos Olímpicos. Das 20 medalhas brasileiras, 12 são de mulheres e uma é mista, do judô, numa final que foi decidida pela grande Rafaela Silva.
Os bons resultados das mulheres jogam luz não apenas para a falta de investimentos — o que se reflete em algum atraso nos resultados das atletas brasileiras —, mas para outros pontos da nossa realidade enquanto país, desde nossos índices de desenvolvimento até estatísticas duras, como os números de feminicídio e como as dificuldades econômicas e sociais nos atingem mais, mulheres.
A seleção feminina de futebol jogou a terceira final da história em Jogos Olímpicos. Nos anos de 1970, o país ainda tinha uma lei que proibia mulheres de jogar bola. Simplesmente por serem mulheres. Como se não fôssemos propensas a praticar esportes.
Quando pensamos no início da participação feminina nas Olimpíadas, e não apenas das brasileiras, mas mundialmente, eram poucas as modalidades que podiam ser praticadas pelas atletas, e em geral competições que os organizadores não consideram ser de tanto esforço físico — como se as mulheres fossem frágeis. As mulheres só voltaram a entrar em campo livremente no fim da ditadura militar.
Conquistamos no Brasil uma participação feminina no esporte quase que na marra. Com os resultados de Paris, podemos olhar para o futuro com ainda mais expectativa de que o esporte feminino brasileiro é uma realidade estabilizada.
As mulheres lideram em termos de conquista e isso influencia enormemente o imaginário do povo.
Como mulher, atleta e também comentarista, me pergunto como vai ser a próxima geração. Quando olhamos para trás, eram não apenas poucas as nossas referências, mas também muito longe do nosso alcance.
Hoje as meninas podem dizer que têm referência, múltiplas. Em qualquer modalidade há alguma de nós para se espelhar, se inspirar, e isso é muito importante e vai fazer muita diferença nas próximas gerações.
Fonte: O GLOBO
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