Medalhões do partido, como Obama e Bill Clinton, discursam no evento que buscará mensagem de união nacional em meio à polarização política

O presidente dos EUA, Joe Biden, e a vice-presidente e candidata democrata à Casa Branca, Kamala Harris — Foto: Brendan SMIALOWSKI / AFP

Porto Velho, Rondônia - Quando Joe Biden encerrar nesta segunda-feira o primeiro dia da Convenção Nacional Democrata, o presidente de 81 anos reencontrará um partido energizado pelas pesquisas que indicam caminhos, no plural, para a vitória em novembro. A ausência de seu nome na cédula, no entanto, é o aspecto mais gritante do principal desafio de uma festa inicialmente pensada para celebrar seus consequentes, porém impopulares, quatro anos à frente da Casa Branca. 

E que, desde sua decisão de abortar a reeleição, após enorme pressão interna, transformou-se em plataforma para a histórica confirmação de Kamala Harris, 59, como a primeira negra e descendente de asiáticos candidata à Presidência dos Estados Unidos, e a de seu companheiro de chapa, o governador do Minnesota, Tim Walz, 60.

A tão pedida passagem geracional de bastão, do presidente para a vice por ele escolhida em 2020, quando os dois venceram nas urnas e no Colégio Eleitoral o ex-presidente Donald Trump, uma vez mais candidato do Partido Republicano, acontecerá, na prática, nesta quinta-feira, com o discurso em que Kamala se reapresentará aos americanos e aceitará tarefa e privilégio a ela concedidos pelos delegados do partido em inédita votação virtual, sem prévias.

Foram convocados para falar na convenção, entre outros medalhões, os ex-presidentes Bill Clinton e Barack Obama, e a ex-Secretária de Estado Hillary Clinton. O primeiro presidente negro dos EUA será “apresentado” à cidade onde iniciou sua trajetória política na terça-feira em aguardada fala da ex-primeira-dama Michelle. 

Não são poucos os veteranos de outros governos democratas a comparar o ânimo da militância e a generosidade dos doadores hoje com os da vitoriosa campanha de Obama em 2008. E Pesquisa Ipsos/Washington Post/ABC divulgada no domingo, com Kamala aumentando para quatro pontos percentuais sua vantagem para Trump, aumentou ainda mais a confiança no partido.

Os ex-presidentes dos EUA, Barack Obama e Bill Clinton, e a ex-candidata democrata à Casa Branca, Hillary Clinton — Foto: KENA BETANCUR / AFP

Sem fantasmas

Ficou mais distante, crê o comando da campanha, a sombra da convenção democrata na cidade em 1968, marcada pela desistência de outro incumbente, Lyndon B. Johnson, e pela violência contra militantes contrários à Guerra do Vietnã. A prefeitura se diz preparada, a partir desta segunda, para receber, em espaços definidos, “dezenas de milhares de manifestantes”, especialmente os contrários ao apoio da Casa Branca a Israel no momento em que Gaza denuncia a morte de 40 mil pessoas desde o início do conflito iniciado com os atentados do Hamas.

O equilíbrio entre defender o que percebem ser êxitos do governo Biden — nas áreas social, ambiental e também econômica, apesar do aumento do custo de vida no contexto pós-pandêmico— e pintar um futuro menos apocalíptico do que o país invadido por perigosos imigrantes retratado pelos republicanos é objetivo central da convenção.

Esta segunda será o dia dedicado “aos cidadãos”, com discursos do presidente e da primeira-dama Jill Biden. No cardápio, uma “ode” ao homem que dedicou a vida ao serviço público. Sua saída de cena, após o fiasco do debate com Trump, será traduzida como ato de heroísmo de quem deixou em segundo plano, e para o bem do país, ambições pessoais.

Detalhes divertidos foram pensados para contrabalançar inevitáveis constrangimentos dos que se movimentaram nos bastidores para a mudança de guarda, entre eles a ex-presidente da Câmara, Nancy Pelosi, escalada para falar na quarta, e o próprio Obama. Receberão uma caneca de café, que no inglês americano é conhecida como “a cup of Joe”.

Também fala nesta segunda a outra democrata que venceu Trump na urnas, Hillary, derrotada no Colégio Eleitoral em 2016 e entusiasmada apoiadora de Kamala, que deve traduzir a candidatura da ex-promotora como a continuação do que começou há oito anos.

Na terça-feira, “Uma visão ousada para o futuro dos EUA” prevê discurso principal de Obama. Na gramática particular da política americana, forjada pelo bipartidarismo, convenções são exercícios de contraste. O plano é opor os anos Obama-Biden aos Trump, marcados, na síntese democrata, por mais isenção de impostos aos ricos, achatamento da classe média e o rascunho para o implemento, se Kamala perder em novembro, do Projeto 2025, com medidas de extrema direita, entra elas a proibição total do direito ao aborto.

Quarta será o dia de Bill Clinton, cujo discurso na convenção de 2012 é lembrado como ponto alto da reeleição de Obama. Será secundado por Walz, recebido pela militância como o primeiro acerto da vice candidata. Ele é percebido como capaz de conquistar votos em zonas rurais de estados decisivos como a Pensilvânia, por onde a chapa circulou no domingo de ônibus.

União nacional

Veteranos do partido, como Donna Brazile, lembravam no domingo que a última candidatura democrata a zanzar com tal desenvoltura pelos rincões do país foi a do sulista Clinton, há três décadas. Há, por isso, expectativa ainda maior pelo discurso de encerramento. Espera-se que Kamala consiga algo que Trump até ensaiou fazer, mas foi incapaz de oferecer aos americanos no fecho da convenção republicana, cinco dias após ser alvejado — convocar uma união nacional para futuro menos polarizado. Senha, apostam estrategistas, para a vitória em novembro.


Fonte: O GLOBO