Kamala Harris discursa no último dia da Convenção Democrata — Foto: CHARLY TRIBALLEAU / AFP
Porto Velho, Rondônia - Beyoncé, desta vez, não fez falta. Kamala Harris , no encerramento da festa democrata, propôs a união dos americanos em torno de um projeto claro, algo que Donald Trump foi incapaz de oferecer há um mês na Convenção Republicana. Pode ter encaixado peça decisiva no quebra-cabeças da disputa pela Casa Branca. Com altas doses de patriotismo, demonstrações calculadas de força em segurança nacional e em política externa (nesta, com a defesa enfática do direito de autodeterminação dos palestinos), e populismo econômico, ela destrinchou o que batizou, em tradução livre, de um "novo caminho a seguir".
Convenções, em um sistema na prática bipartidário, são, por necessidade, exercícios de contraste. A visão otimista e inclusiva de futuro apresentada pela vice-presidente na noite desta quinta-feira em Chicago foi, naturalmente, espelho às avessas da narrativa do medo presente nas hostes trumpistas, com o "eles vão implantar o comunismo" e "com ela no governo, a Terceira Guerra Mundial é inevitável".
O que a Convenção Democrata, desde a segunda-feira, e também em seu momento decisivo, buscou, foi mesclar o otimismo e a esperança com a retórica da defesa da democracia, crucial para a vitória de 2020. Afagar o ego do "ineditismo americano" com a denúncia do assalto às liberdades individuais dos cidadãos. E cidadãs. O exemplo mais real é, afinal, o cerceamento do direito ao aborto, resultado direto das indicações de Trump à Suprema Corte: "É que eles, ao contrário de nós, não confiam nas mulheres."
No palco, aquela que pode ser a primeira mulher negra presidente dos EUA, encarou de frente os dois temas que a impedem de abrir uma vantagem maior nas pesquisas contra o adversário — o aumento do custo de vida nos anos Biden e a entrada recorde de imigrantes em situação irregular pela fronteira com o México. Enfatizou que seu compromisso é o de aliviar impostos para a classe média "e não para os ricos, como Trump", cunhando a expressão, ainda a ser mais bem explicada, de Economia da Oportunidade. E prometeu "jamais fazer politicagem com a política migratória", uma cotovelada no ex-presidente, que na prática impediu que a legislação bipartidária de reforma migratória elaborada no ano passado fosse votada pelo Congresso..
Ao dividir sua história e de sua família com o público, Kamala se deteve no momento em que decidiu se tornar promotora. Lembrou que, no Direito, seu cliente foi um só: o povo. Do outro lado, Trump, afirmou, também teve, em sua longa trajetória, uma mesma entidade a quem servir: ele próprio.
Em 2020, Biden, para derrotar o então presidente, deu a ele dimensões de vilão de blockbuster. Funcionou. Quatro anos depois, Kamala e sua convenção buscaram o caminho oposto: diminuir o senhor de 78 anos apresentado como ultrapassado, mesquinho, esquisitão, criminoso. Foi como se Kamala (a promotora) apresentasse ao júri (os eleitores) seu caso contra o acusado (os leitores sabem quem). O resultado da estratégia se saberá em dois meses e meio.
Fonte: O GLOBO
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