Premier foi um raro exemplo de governante que saiu vitoriosa da votação para o Parlamento Europeu, e agora tem a chance de se credenciar para 'clube' das grandes lideranças

Porto Velho, Rondônia - Há cinco anos, quando o partido dela ganhou 6% dos votos nas eleições para o Parlamento Europeu, Giorgia Meloni tentou estourar uma garrafa de espumante, mas a rolha caiu no meio de seus apoiadores. Nesta semana, Meloni, agora premier italiana, surgiu como a grande vencedora da votação, e celebrou com dezenas de membros de seu partido, o Irmãos da Itália, em um hotel de luxo em Roma, com garçons carregando garrafas de vinho em baldes de prata cheios de gelo.

O partido da chamada “direita radical” recebeu no domingo 29% dos votos. Uma vitória que foi ainda mais significativa porque Meloni foi a única dentre os maiores países europeus a sair fortalecida das urnas. Para ela, as boas notícias vieram na hora exata. Todos os olhos estarão voltados para a Itália nos próximos dias, quando ela receberá a cúpula do G7, formado por sete das maiores economias do mundo, a partir desta quinta-feira. Será mais uma oportunidade para se credenciar como membro do clube dos mais influentes líderes do planeta.

— Esta nação vai ao G7 e à Europa com o mais forte governo de todos — disse a apoiadores assim que os resultados foram anunciados. — Eles não conseguiriam nos impedir.

As eleições europeias marcaram uma guinada à direita não apenas no Parlamento Europeu, mas na política do continente. Meloni foi uma das faces desse movimento, ao trabalhar para levar a direita radical ao centro das decisões.

Quando se tornou premier, em 2022, causou arrepios no meio político europeu por suas credenciais extremistas e eurocéticas, além de suas raízes pós-fascistas. Agora ela é considerada uma parceira pragmática em temas internacionais de destaque. Essa abordagem serve como uma espécie de modelo para outros líderes da direita radical que querem fazer parte da chamada “política tradicional”.

Na França, Marine Le Pen amenizou suas posições sobre temas cruciais e poliu sua imagem. O Reagrupamento Nacional foi tão bem sucedido nas eleições europeias, recebendo 30% dos votos, que o presidente Emmanuel Macron dissolveu a Assembleia Nacional e convocou eleições parlamentares.

— O governo de Giorgia Meloni contaminou de forma positiva a Europa — disse Giovanni Donzelli, parlamentar do Irmãos da Itália, no domingo. — Um muro caiu na Europa, eles perceberam que a direita pode governar bem.

Nos últimos meses, Meloni foi procurada pela centro-direita, como uma potencial aliada, e por partidos ainda mais radicais, que buscavam seu apoio para uma frente nacionalista unificada. Embora o centro tenha mantido o controle do Parlamento Europeu, Meloni pode ser crucial em algumas votações, especialmente na que pode reeleger Ursula von der Leyen como presidente da Comissão Europeia. A premier italiana, dizem especialistas, pode decidir apoiar Von der Leyen como forma de exercer mais influência sobre Bruxelas.

— Meloni se tornará um nome de destaque na Europa — disse Mujtaba Rahman, diretor para a Europa na consultoria Eurasia. — Conforme Meloni ruma para o centro e age de forma construtiva, ela receberá muitas recompensas.

No cenário internacional mais amplo, Meloni se consolidou como uma voz importante em questões como o apoio à Ucrânia, algo que a diferenciou de outros líderes de extrema direita que tendem a ser mais favoráveis à Rússia. Com isso, ela se alinhou aos demais líderes que se reunirão esta semana na região de Puglia, no Sul italiano, ainda mais depois da eleição.

— Todos os holofotes estão sobre ela — disse Roberto D’Alimonte, cientista político na Universidade Guido Carli, em Roma. — Sua imagem está ainda mais turbinada.

Resort Borgo Egnazia, na cidade de Fasano, onde ocorrerá a reunião de cúpula do G7 na Itália — Foto: Gianni Cipriano/The New York Times

Na lista de presentes do G7 estão, além de Meloni, o presidente dos EUA, Joe Biden; o presidente da França, Emmanuel Macron; o premier do Canadá, Justin Trudeau; o premier do Reino Unido, Rishi Sunak; o chanceler alemão, Olaf Scholz; e o premier do Japão, Fumio Kishida. Von der Leyen e o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, devem comparecer.

Meloni ainda convidou o Papa Francisco; o presidente Volodymyr Zelensky, da Ucrânia; o recém-reeleito premier da Índia, Narendra Modi; o presidente Luiz Inácio Lula da Silva; o presidente da Argentina, Javier Milei, além de outros líderes mundiais. Ela disse que parte do encontro será dedicada à discussão de um plano de desenvolvimento e cooperação com a África.

A premier italiana conduziu um movimento delicado ao se unir a questões centrais para Bruxelas no cenário internacional, ao mesmo tempo em que agradava sua base doméstica com posições radicais sobre o aborto ou direitos da população LGBT+, que tiveram um custo relativamente baixo para ela na Europa (um custo apenas financeiro).

Ela ainda mesclou os papéis de mulher do povo e estadista internacional. Insistiu em ser tratada por seu primeiro nome pelos italianos, pedindo que escrevessem “Giorgia” nas cédulas, e garantiu que defenderia seus interesses em Bruxelas ao promover políticas conservadoras sobre imigração e meio-ambiente.

Meloni tem diante de si uma coalizão estável, apoiada por dois partidos mais fracos que precisam desesperadamente que ela permaneça no poder. O Forza Itália, cujo fundador, Silvio Berlusconi, morreu no ano passado, teve 10% dos votos para o Parlamento Europeu, após uma campanha onde o ex-premier apareceu à exaustão (em fotos). O partido A Liga, de Matteo Salvini, que buscou o eleitorado ainda mais à direita, teve 9%, bem abaixo dos 34% de 2019.

O maior desafio para a líder nacionalista hoje é seu próprio país.

A produtividade da Itália é baixa se comparada à vista no restante da União Europeia, e os salários estão estagnados. Apesar do nível de emprego ter aumentado, a taxa de jovens desocupados é alta no Sul, e dezenas de milhares de jovens italianos vão para o exterior todos os anos.

Em Savalletri, cidade próxima ao resort que receberá o G7, os moradores se reúnem em um café próximo a dois heliportos recém-construídos e patrulhados por caminhões militares. Stefano Martellota, pescador, disse não ligar muito para o que chamou de “show” do G7. O que o preocupava era a decisão de seus dois filhos, de 22 e 27 anos, de se mudar para a Holanda para trabalhar em cozinhas porque na Itália “ninguém lhes oferece um salário digno”, afirmou.

— É dramático ver nossos jovens nos deixando — disse Annamaria Santorsola, mãe e avó, afirmando que a região precisa “de empregos, não do G7”.


Fonte: O GLOBO