Imagem positiva do presidente varia entre 47% e 51%; analistas dizem que 'voto de confiança' vem em parte dos eleitores insatisfeitos com os últimos governos

Porto Velho, Rondônia - As últimas pesquisas sobre a aprovação ao governo do presidente argentino, Javier Milei, que circularam em Buenos Aires recentemente mostram o país dividido em duas metades praticamente iguais. A imagem positiva do líder de ultradireita oscila entre 47% e 51%, e a desaprovação a sua gestão atinge percentuais similares. Hoje existem duas Argentinas, e do lado dos que expressam apoio ao chefe de Estado predomina o que analistas locais estão definindo como “a opção por acreditar” que a situação vai melhorar.

As pessoas que escolhem crer que vai melhorar estão passando por sufocos econômicos, cortando despesas e sofrendo na pela o ajuste brutal imposto pelo governo. Mas, como mostram resultados de grupos específicos realizados por empresas de consultoria, essas pessoas dizem que os sacrifícios valerão a pena porque acreditam que o presidente conseguirá superar décadas de crises sucessivas. Os primeiros resultados positivos exibidos pelo Executivo, entre eles a conquista do primeiro trimestre de superávit fiscal desde 2008 e a redução gradual da taxa de inflação, alimentaram esse clima de esperança.

Para surpresa de analistas que comandam pesquisas em campo, como Diego Reynoso, da Universidade de San Andrés, milhões de argentinos não apenas estão tolerando um período de forte recessão — que deve levar a uma queda do PIB argentino de mais de 3% este ano — eles estão confiando num presidente que ainda não conseguiu melhorar sua qualidade de vida.

— Quando medimos o respaldo a Milei em março, eu sinceramente esperava um nível de apoio em torno de 40%, e foi de 51%. A metade do país que está com Milei é silenciosa, e escolheu acreditar nele — explica Reynoso.

São pessoas, acrescenta o analista, que estavam profundamente insatisfeitas com os governos anteriores e preferem ter paciência com Milei do que sequer pensar numa volta ao passado.

— Nos anos 90, uma frase muito famosa na Argentina era “estamos mal, mas vamos bem”. Hoje eu diria que a frase que reflete o clima no país é “vamos mal, mas queremos acreditar que iremos melhor”— diz Reynoso.

É exatamente o que expressa Milagros González, que há duas semanas começou a trabalhar numa padaria do bairro portenho de Palermo. Ela mora na Grande Buenos Aires e está lidando, como toda a classe média, com um custo de vida que aumenta todos os meses e fica cada vez mais difícil de cobrir com um poder aquisitivo que não acompanha o reajuste dos preços internos. Mas Milagros está otimista.

— Pra trás não podemos ir, agora será cada dia um pouco melhor do que o anterior. Temos superávit, alguns preços começam a cair ou pelo menos a ficar estagnados, e temos até produtos importados de novo — comenta a vendedora de padaria, entusiasmada.

De fato, aos poucos a economia está se abrindo e produtos que chegaram a estar em falta no ano passado, entre eles o atum, estão chegando de fora.

— Milei está acabando com monopólios de empresários argentinos, e, com a concorrência, os preços vão baixar — afirma Milagros.

Em pesquisas encomendadas por empresas privadas, mais de 50% dos argentinos dizem estar de acordo com o programa de governo Milei; mais de 60% acham que o presidente conseguirá derrotar a inflação; e mais de 40% acreditam que a Argentina está no rumo certo. Essas mesmas pesquisas indicam que mais de 70% dos entrevistados asseguram que o custo do ajuste está recaindo “nas pessoas comuns”, e não na casta política que Milei diz combater.

Setor de lazer resiste

Argentinos de classes média e média baixa dizem que são os mais prejudicados pelo arrocho econômico implementado pelo governo de ultradireita, mas, mesmo assim, preferem dar uma oportunidade a Milei e não a uma oposição que ainda não se recuperou da surra eleitoral de 2023.

Nesse clima de cauteloso otimismo, restaurantes e teatros de Buenos Aires estão cheios, e não apenas nos fins de semana. Na famosa Avenida Corrientes, onde estão vários dos principais teatros da cidade, e em seus arredores, as filas são longas, num sinal de resistência da cultura nacional e da sociedade, que, apesar do aperto, quando pode gasta em entretenimento. O mesmo acontece nos bairros gastronômicos como Puerto Madero, onde restaurantes como o clássico La Cabaña têm dias de ocupação completa.

— Estamos em recessão, nos reacomodando. Os preços ainda estão muito voláteis, mas tentamos não mexer muito no cardápio. Hoje nossa grande aposta é recuperar o público local — diz Eduardo González, dono do restaurante.

Como muitos argentinos, ele destaca o fato de que Milei conseguiu evitar uma hiperinflação e, aos poucos, “o pior vai ficando para trás”.

— Voltamos a ter eventos corporativos, algo que não acontecia desde antes da pandemia. Somos cautelosamente otimistas — aponta. — Todo mundo está aguentando o ajuste porque acha que vai melhorar. Temos recessão sem explosão social, o que reflete esse clima de resiliência e esperança.

Protesto contra o ajuste nos orçamentos de universidades na Argentina, em Buenos Aires — Foto: Emiliano Lasalvia / AFP

A metade do país que desaprova o presidente é mais ruidosa, vai pra rua, protesta todas as semanas e chega ao ponto de pedir a renúncia de um presidente que foi eleito democraticamente há menos de seis meses. Mas é uma oposição social desarticulada, sem lideranças fortes e sem perspectiva de que essa liderança surja no curto e médio prazo. Essa fraqueza favorece Milei, que tem um partido em construção e minoritário no Congresso, não tem governadores nem prefeitos.

‘Temos de ter esperanças’

O presidente tem um estilo combativo e politicamente incorreto, que choca muitos argentinos. Num discurso recente, afirmou ter “o cu limpo, e por isso não preciso de uma Corte [Suprema] como aliada”. Mas esse mesmo discurso penetra com força em amplos setores da sociedade, que em grupos específicos expressam cansaço em relação aos políticos tradicionais. Foi exatamente essa conexão emocional que, em grande medida, levou ao triunfo de Milei nas presidenciais do ano passado.

— Existem aspectos centrais na popularidade de Milei, entre eles o que as pessoas interpretam como a veracidade de suas falas. O presidente está fazendo o que disse que faria e isso é novidade na política argentina — diz Patricio Talavera, professor da Universidade Nacional de Buenos Aires.

Para ele, “as excentricidades de Milei são vistas, como aconteceu com Bolsonaro no Brasil, como parte do personagem”. A médica Maria Copello, que votou no presidente no segundo turno, admite que não gosta de algumas posturas e declarações de Milei, mas apoia o governo porque “precisamos acreditar”.

— Sou pediatra de um posto de saúde público, vejo crianças desnutridas todo dia. Ajudo tudo o que posso, a situação é muito difícil para milhões de pessoas. Temos de ter esperanças e apostar em que este governo, que é diferente de muitas maneiras dos que vieram antes, vai conseguir superar a crise — diz Maria, ao tirar dinheiro de um caixa eletrônico para comprar remédios que leva na bolsa para dar a pacientes em situação vulnerável.

Ela diz que contribui como pode, e que se todos fizerem um esforço o país vai dar a volta por cima. A popularidade de Milei está sustentada nessa esperança, e a grande incógnita entre analistas como Reynoso e Talavera é até quando ela continuará viva se a vida, ao contrário do que espera meia Argentina, não melhorar.


Fonte: O GLOBO