Cientista política francesa afirma que crianças precisam ser preparadas desde cedo para reagir à desinformação, vê IA com otimismo e defende que plataformas moderem conteúdos
Porto Velho, Rondônia - Líder da Unidade de Educação Midiática e Informacional e Competências Digitais da Unesco, Adeline Hulin explica que as novas habilidades precisam ser ensinadas na escola e fora dela para combater desinformação, mas defende que plataformas têm responsabilidades de garantir moderação de conteúdo. Ela esteve no Brasil na última semana para o Encontro Internacional de Educação Midiática, realizado pelo Instituto Palavra Aberta, com apoio da Fundação Roberto Marinho e de outras instituições.
O que é educação midiática?
É um conjunto de habilidades que você precisa, nos dias atuais, para navegar no novo ecossistema de informação. É entender de onde vem a informação, quem a criou (uma máquina ou um ser humano), o algoritmo que trabalha por trás dela, a razão pela qual existe uma fake news, como combatê-la, o que fazer quando for confrontado com discurso de ódio, entre outras coisas.
Como esse tema deve ser trabalhado na escola?
Não há modelo único. É preciso ser adaptado ao sistema de educação. Pode ser uma disciplina ou pode perpassar todas as aulas, com todos os professores trabalhando educação midiática. Esses diferentes jeitos podem dar certo.
O que deve haver no currículo da educação midiática?
Alguns pilares seriam: entender o que é a liberdade de expressão; tudo relacionado à distribuição de informação e uso social das redes; desinformação e discurso de ódio; aprender de onde vem a informação, em qual confiar; o que é um jornalista em comparação a um influencer digital. São muitos temas. A Unesco tem um currículo pronto que é possível consultar como referência.
E fora da escola?
Há muito o que se pode fazer na educação informal, através das próprias mídias sociais ou do rádio.
Qual é a idade ideal para começar a aprender sobre educação midiática?
Neste momento, acho que quanto mais jovem, melhor. As pesquisas mostram que já existem muitos bebês que os pais estão dando o telefone para os manterem ocupados. Não estou dizendo que precisamos ensinar bebês, mas eu acho que você pode começar nas crianças mais novas, sim.
O Brasil está neste momento discutindo a regulação das mídias sociais. O que não pode ficar fora de uma lei deste tipo?
Não vou falar dessa lei em particular, mas, para nós da Unesco, educação midiática não é a única resposta que podemos dar para todos os desafios relacionados ao ambiente digital. É um dos pilares principais, mas precisa ser combinado com outras respostas, como aumentar a transparência, a responsabilidade e o compromisso das plataformas digitais. Você pode educar o quanto quiser, que isso não será a bala de prata.
Nós vamos ter eleições neste ano. Como lidar com as fake news neste momento?
Esta é uma das nossas maiores preocupações. Neste ano, temos dois bilhões de pessoas que vão votar no mundo e desinformação e deep fake estão sendo muito discutidas. A Unesco criou um curso on-line sobre o tema, que tem sido muito popular, milhares de pessoas ao redor do mundo já o realizaram. Há muitas coisas que podem ser feitas.
Como o quê?
A educação midiática é uma parte delas, mas também reforçar o fact-checking nas plataformas com apoio da mídia e campanhas com mensagens curtas alertando que as pessoas devem ser conscientes, o que precisam estar atentas, em relação à desinformação.
Isso é suficiente?
Veremos. A boa notícia é que há uma grande consciência dos problemas que estão por vir. E não só os tomadores de decisão que estão preocupados, mas a população também. Se há essa consciência, é possível trabalhar o problema da desinformação.
O que leva pessoas a disseminarem desinformação durante uma tragédia como a do Rio Grande do Sul?
Há, por trás dessas notícias falsas, atores maliciosos que estão explorando isso por diversos propósitos. E as pessoas replicam a desinformação por falta de confiança nas instituições políticas e na mídia. É isso também que faz com que elas acreditem nas teorias da conspiração, por exemplo.
Como é a melhor forma de lidar com isso nestes momentos de crise?
Nós vimos o mesmo durante a Covid, né? No contexto das eleições, algumas plataformas estão criando um centro para monitoramento. Nas crises (como no Rio Grande do Sul), elas precisam ter avaliação de risco para poder ver quando algo está ficando rapidamente fora de controle e reagir com medidas especiais e monitoramento da situação. Para isso, precisamos ter checadores e moderação de conteúdos com a sinalização de informações falsas quando for o caso.
Muita gente está preocupada com a inteligência artificial. Você está nesse grupo de pessimistas?
Hmm... Não. Acho que não.
Por quê?
Ainda acredito que isso pode ser uma força para o bem. Sou uma pessoa otimista, mas essa é talvez a minha personalidade. E, claro, nós precisamos falar dos problemas, mas também há alguns desenvolvedores com propostas positivas. Não acredito que as máquinas vão substituir os humanos.
É importante ter uma regulação específica para inteligência artificial?
Depende, não sei. A IA está em todas as coisas. Então, seria uma política para tudo ou precisa uma regulação específica para cada aspecto em que ela é empregada? Ainda estamos estudando esse tema.
O que você faz quando recebe uma notícia falsa de um amigo ou parente no WhatsApp?
Existe um grupo de pessoas que é muito difícil de conversar porque eles realmente creem. Mas se é alguém que eu tenho bom diálogo, eu reajo. Pergunto: você está seguro de onde vem essa informação? Tenho essa experiência com meus filhos o tempo todo.
Muito recentemente, meu filho de 15 anos me mandou alguma coisa e perguntei: onde você encontrou essa informação? Como você conseguiu? E ele disse: “Ah, mas foi compartilhada por essa pessoa que tem 15 milhões de seguidores”. E eu respondi: “Mas você acha que isso é suficiente para acreditar?” O que eu estava tentando era fazer ele refletir sobre o que estava compartilhando.
Fonte: O GLOBO
Fonte: O GLOBO
0 Comentários