Construção de molhe na praia motivou ação judicial dos proprietários de casas de veraneio, mas a comunidade próxima, vítima de deslizamentos em 2023, apoia a iniciativa

Porto Velho, Rondônia - Desde março, moradores e turistas têm reparado na movimentação de trabalhadores e máquinas em torno do Rio Sahy, que deságua na praia da Barra do Sahy, em São Sebastião, litoral norte de São Paulo. A prefeitura iniciou ali o desassoreamento do curso d'água e a construção de um molhe nas areias da foz do rio, mas a obra virou uma polêmica. 

Questionada na Justiça pelo impacto ambiental que poderia causar, a iniciativa motiva conflitos entre os proprietários de casas próximas à praia — cujo preço se calcula em milhões de reais — e da Vila Sahy, a comunidade do outro lado da rodovia Rio-Santos, um dos locais mais afetados pelos deslizamentos de fevereiro de 2023.

Na lado mais privilegiado, a opinião entre os donos de imóveis é que a obra não tem estudos ambientais e que vai destruir o mangue e a paisagem. Na Vila, os moradores consideram que desassorear o rio para deixá-lo mais profundo é essencial para evitar que novas enchentes e deslizamentos ocorram na região. 

Isso porque existe outra obra em curso, de grandes proporções, na comunidade: a construção de paredões no limite da Serra do Mar, para evitar que árvores e terra deslizem para o bairro em novas tempestades. A empreitada inclui um rebuscado sistema de drenagem que levará a água excedente da chuva até o rio, que precisaria de um calado maior para não transbordar.

As obras, no entanto, estão paralisadas após os proprietários da Barra do Sahy conseguirem uma decisão judicial favorável, no último dia 12. Agora, o clima é de apreensão dos dois lados, que chega às ameaças e aos xingamentos entre os bairros.

Na Vila Sahy, onde ocorreu a maior parte das 64 mortes após as fortes chuvas no litoral norte em fevereiro de 2023: obras para melhorar drenagem da água — Foto: Maria Isabel Oliveira/Agência O Globo

O muro da discórdia

A obra polêmica envolve a limpeza, o desassoreamento e a contenção de margem do Rio Sahy. Segundo a prefeitura, o serviço é necessário por causa da grande quantidade de lama que invadiu o rio durante as chuvas do ano passado, com o objetivo de deixar o curso d'água com profundidade de um metro — atualmente, em alguns trechos, ela é de apenas 30 centímetros.

O contrato firmado com a Fortnort Desenvolvimento Ambiental e Urbano LTDA não teve licitação. A prefeitura justifica a decisão por se tratar de obra emergencial complementar aos serviços de contenção e drenagem em andamento na Vila Sahy. O sistema consiste em muros de pedra para conter deslizamentos, terraplanagem, plantio de nova vegetação e a instalação de novas galerias, maiores, que devem ser capazes de levar a água da chuva até o Rio Sahy. O fluxo passaria sob a rodovia Dr. Manoel Hyppólito do Rego (a Rio-Santos, ou SP-55).

Encontro do rio Sahy com o mar, na praia Barra do Sahy, em São Sebastião — Foto: Maria Isabel Oliveira/Agência O Globo

A principal polêmica diz respeito ao muro, necessário para aumentar a profundidade no trecho final do rio, mas possivelmente prejudicial à paisagem naquele ponto.

— A população (da comunidade) está inflamada, dá até medo do que vai acontecer — diz um morador da Vila, que não quis se identificar. — Tem gente que já ameaçou fazer uma visitinha na casa deles (proprietários da Barra do Sahy). As comunidades da Vila Sahy e da Baleia Verde estão sendo prejudicadas por meia dúzia de pessoas que não querem a barra. É um complô contra a gente — ele afirma.

Do outro lado, quem vive próximo à praia quer que a obra seja interrompida. Eles alegam risco de prejuízos ambientais à área, especialmente ao mangue que circunda o rio, e à fauna que ali existe. Mauro Motoryn, do movimento Sahy Merece Respeito, disse que os moradores da área não são contra a obra, mas contra uma alegada falta de projeto da empreitada e de diálogo prévio com a comunidade.

— Nós queremos um projeto pertinente para toda a Barra do Sahy. O molhe é um problema sério, porque foi feito em Boiçucanga, por exemplo, e não resolveu o problema da enchente. Queremos saber como será feito o desassoreamento, a forma como os detritos vão ser ejetados, como vai ser feita a preservação daquela região, que é um patrimônio caiçara — ele diz.

Um pescador que vive e trabalha ali disse que é a favor do desassoreamento do rio, mas faz ressalvas sobre os possíveis efeitos da construção do molhe e teme que, com o aprofundamento do rio, a prefeitura queira construir uma marina no local:

— Isso (o muro) é desnecessário, o rio sempre teve a sua vazão, ele recebe a água da chuva. O rio comporta tudo isso, não há necessidade, é desnecessário. Lá pra cima existe muita galhada de árvore, essa limpeza de árvores que tombaram precisa ser feita, mas não precisa da obra — diz Antônio Assis, 80 anos, que vive na Barra do Sahy há 35 anos.

Questionada pela reportagem, a prefeitura não deu detalhes do projeto, apenas informou em nota que a obra foi suspensa temporariamente para que “sejam apresentados estudos complementares para justificar sua real necessidade”.

Rio Sahy é rodeado por mangue e moradores temem que obra causa impactos ambientais — Foto: Maria Isabel Oliveira/Agência O Globo

A suspensão se deu após uma decisão judicial proferida no último dia 12. Nela, o juiz Vitor Hugo Aquino de Oliveira, da 1ª Vara Cível de São Sebastião, considerou como problemas o fato de a contratação da empreiteira, a Fortnort, ter sido feita de maneira emergencial e sem licitação, mesmo no contexto da tragédia de 2023. Também alegou e a falta de apresentação de estudos sobre o que se pretende dragar do rio e como esses sedimentos serão descartados.

Oliveira mandou parar a obra até que sejam apresentados os projetos que a fundamentaram. “Mostra-se desarrazoado e ofensiva ao princípio da precaução, depois de mais de um ano do evento catastrófico, utilizar-se de laudo da Defesa Civil de São Sebastião para justificar uma intervenção considerável no Rio Sahy, de forma emergencial, a despeito de dispensar de mais de dois milhões de reais em estudos técnicos e ambientais”, escreveu o juiz.


Fonte: O GLOBO