Irmã da vereadora assassinada no Rio nega que filiação ao PT esteja atrelada ao pleito deste ano, confirma apoio a Paes se a sigla consolidar a aliança e traça planos para 2026

Porto Velho, RO -
Filiada nesta terça-feira ao PT em evento com a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, coloca-se à disposição do partido para apoiar a reeleição de Eduardo Paes (PSD) no Rio, caso a sigla acerte a aliança com o prefeito. A irmã de Marielle Franco nega que a movimentação esteja vinculada a tentar a vice na chapa de Paes e assume o “sonho” de concorrer em 2026 ao Senado, cargo que a vereadora assassinada em março de 2018 também cobiçava.

O plano da ministra foi reforçado nesta terça por Lula. Durante o evento de filiação, o presidente também descartou a hipótese de Anielle disputar a eleição do Rio este ano e sinalizou o aval a uma candidatura no pleito seguinte.

Em entrevista ao GLOBO, Anielle avaliou que a morte de Marielle “abriu a tampa” do submundo do crime carioca. Ela evita condenar de forma prévia a família Brazão — os irmãos Domingos e Chiquinho estão presos como suspeitos de mandar matar a irmã dela —, mas celebra os avanços na investigação desde a entrada da Polícia Federal (PF) no caso, há pouco mais de um ano, no início do governo Lula.

Por que decidiu se filiar ao PT e como pretende atuar no partido?

Muita gente tem associado à próxima eleição, mas já queria ter me filiado antes. Desde os dez anos, acompanhava eventos políticos com nossos pais, muito pelo Lula. Eu era adolescente e me vestia com camisa vermelha e estrela branca, pintava a cara. A filiação vai muito mais para o lado da importância do PT para a democracia. Minha trajetória política e a da Mari, apesar de as pessoas começarem a descobrir mais depois do assassinato, da covardia que fizeram com ela, vêm de antes. Já estou me sentindo em casa no PT há muito tempo.

Setores do partido te queriam como vice de Paes. O movimento te interessa? Está descartado?

Toda vez que temos mulheres negras apontadas para espaços como esse é um grande ganho. Mas estou muito feliz no ministério, temos entregado muito trabalho. Hoje estou ministra, é o que eu posso dizer agora. Isso é uma decisão do presidente, do partido. Estou me colocando na política institucional muito para fortalecer mulheres negras nesses espaços. 

Na minha filiação, várias outras estão vindo junto. Prefiro ir por esse lado a dizer se quero ou não quero. Não é uma decisão tomada apenas pela Anielle, mas acho importante vários nomes (de mulheres negras) serem levantados, como a Tainá de Paula, a própria Benedita da Silva.

Acha que o partido deveria condicionar o apoio ao prefeito a ter a vice na chapa?

A relação do Eduardo com o presidente é uma relação boa, de respeito. Tenho certeza que vão decidir da melhor forma, tomar a melhor decisão. Acho que a melhor pessoa para o Rio é quem tem combate ao projeto de morte. Não dá para termos uma cidade tão bonita com tanta violência, uma cidade que ao mesmo tempo que é palco de tanta beleza ser palco da morte de uma vereadora com cinco tiros na cabeça e os supostos mandantes que estão presos serem políticos.

Nesse sentido, a nomeação de Chiquinho Brazão, acusado do crime, na prefeitura te incomodou? Impacta na sua relação com o prefeito?

Sempre digo que responder qualquer coisa em cima de suposições não é o ideal. Acredito muito no trabalho da Polícia Federal e do Ministério Público. Acho que as construções políticas se dão com o tempo. Tenho uma relação com o Eduardo mais consolidada de um ano e pouco para cá, mas também por conta de todo o respeito que ele tem pela nossa família. 

Prefiro acreditar muito que tudo que tiver que se desenrolar do caso Marielle precisa se concretizar. Independentemente das pessoas envolvidas, precisamos de passos mais concretos. Não é mais só sobre minha família. É sobre o Rio, o Brasil.

Vai fazer campanha para o prefeito se o partido assim decidir?

É isso, estou me colocando no lugar de construir junto com o partido. O Lula é hoje a maior liderança do partido e tenho certeza que, na hora em que o presidente e o partido firmarem a aliança com o Eduardo, vamos estar ali dando qualquer apoio para combater o ódio e tudo que temos que combater no Rio de Janeiro. O que ele e o partido decidirem eu estarei apoiando também.

Então, a despeito da definição de vice, o diálogo entre os dois é o que precisa determinar o que vai acontecer?

É notória a relação deles, de muito respeito e cuidado. Lula entende a importância do Rio para o Brasil, e o Eduardo entende a importância do Lula para o Rio e o Brasil como um todo.

Pretende concorrer a qual cargo em 2026? Falam em Senado e Câmara dos Deputados...

O partido vai tomar essa decisão e vou estar à disposição, seja para o Senado ou deputada federal. Vamos construir isso juntas. Meu sonho de ser senadora é a continuação de um sonho da Marielle, da Benedita (da Silva), da Jurema Batista. Mas estou à disposição do partido para o que for melhor.

A linha investigativa da PF no caso Marielle te convence? Acredita haver provas substanciais de que foram os Brazão?

Acredito muito no trabalho da PF, muito mesmo. Foi necessário voltarmos com um governo democrático e progressista para termos passos a mais no caso Marielle. Entendo terem dúvidas sobre a investigação, mas prefiro trabalhar com fatos concretos, acreditar que isso foi mais um passo dado para que consigamos dar a resposta à altura do que que a democracia brasileira merece.

O que a investigação revela sobre o Rio como um todo? Segundo a investigação, tivemos policiais envolvidos, conselheiro do TCE, deputado federal…

Acho que o caso da Mari abre a tampa para um monte de coisa, por isso é tão importante disputar esses espaços para lutar pelo povo desse lugar. Não acredito que um lugar como esse, com tanto futuro, tenha que ficar à mercê de crimes, de violência. Não é fácil aceitar que a Mari infelizmente é uma porta para isso tudo. Nós, da família, ficamos pensando o tempo todo: “Por que a Mari?”.

A que atribui a dificuldade do presidente Lula de melhorar a aprovação nas pesquisas de opinião?

Acho que tem uma divisão muito grande no país como um todo e nós precisamos resolver isso com diálogo. Temos que encontrar cada vez mais maneiras de falar para as pessoas o que estamos fazendo. Sentar, dialogar. 

Não acho que temos dificuldade de comunicação (no governo). Temos feito, mas ainda há muita divisão. Nós fazemos, mas as pessoas também precisam estar atentas, é muito mais fácil acreditar na fake news do que entender as coisas. A divisão no país precisa diminuir.

Você foi uma das ministras e ministros que fizeram publicações sobre o golpe de 1964, apesar de Lula ter evitado fazer homenagens na data. A decisão dele foi equivocada?

Quem se pronunciou foi importante, temos ministérios para falar sobre isso. Postei o vídeo da presidenta Dilma falando. Não podemos esquecer o passado do nosso país. O que tenho de idade o Lula tem de política, é uma pessoa sábia. O que ele tem feito para a democracia do país se sobrepõe a qualquer coisa.


Fonte: O GLOBO