Estudo da FGV que analisa publicações no X, no Facebook, no WhatsApp e no Telegram mostra que discurso alinhado ao do bilionário foi responsável por 63,5% das interações

Porto Velho, Rondônia - Perfis alinhados ao campo ideológico da direita foram responsáveis por 63,5% das interações nas redes sociais acerca da discussão pública entre o empresário Elon Musk e o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. De acordo com levantamento da Escola de Comunicação, Mídia e Informação da Fundação Getulio Vargas (FGV-ECMI), perfis à esquerda no espectro político respondem por só 18,3% do engajamento online em torno do tema.

O estudo analisou publicações no X, no Facebook, no WhatsApp e no Telegram, entre sábado (dia em que escalou a tensão entre o bilionário e autoridades brasileiras) e a tarde de terça-feira.

As postagens indicam que grupos de apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro se articularam para compartilhar o discurso de que há no Brasil uma “ditadura” protagonizada pelo Poder Judiciário. Nesses posts, há críticas concentradas no ministro Alexandre de Moraes e pedidos por liberdade de expressão nas plataformas digitais.

O professor Marco Aurelio Ruediger, diretor da FGV-ECM, avalia que o deslocamento da discussão para um debate sobre censura e liberdade de expressão é o que dá tração ao tema entre grupos de direita, que contam com uma rede globalizada para difundir esses posicionamentos:

— A questão de limitar a liberdade de expressão é uma pauta que une a direita internacional, e isso gera um engajamento muito grande. Esse exercício do Musk de intervir, de certa forma, no poder soberano de outro país é parte de uma estratégia que pode estar sendo testada no Brasil para depois se deslocar para outros cantos. É uma estratégia globalmente conectada.

O principal resultado do burburinho decorrente da altercação entre Musk e Moraes, avalia Ruediger, é a decisão do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), de criar um grupo de trabalho para analisar a regulamentação das plataformas. A revisão do chamado PL das Redes Sociais, diz o professor, favorece quadros da direita que estavam insatisfeitos com o texto anterior relatado pelo deputado Orlando Silva (PCdoB-SP).

Além de perfis comuns que opinam sobre o tema nas redes, o debate inclui também páginas de comunicação, influenciadores e figuras públicas. No Facebook, entre os dez parlamentares com maior engajamento, nove são da oposição. Destacam-se no grupo os deputados Bia Kicis (PL-DF), Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e Gustavo Gayer (PL-GO), que disseminam uma perspectiva centrada em termos como “liberdade de expressão” e “censura”.

— Trata-se do paradoxo da tolerância — diz o professor, citando conceito disseminado pelo filósofo da ciência Karl Popper. — Defende-se a liberdade de expressão para com ela promover críticas ao processo democrático, e com isso destruir a democracia e a própria liberdade de expressão.

No WhatsApp, as 20 mensagens com maior número de encaminhamentos desde o dia 6 têm relação com o caso Musk x Moraes. De novo, a direita é quem mais domina a narrativa, com discursos favoráveis ao empresário dono do X e da Tesla, que estaria “salvando” o país de arroubos autoritários.

Menos numerosos, os perfis de esquerda que tratam do assunto defendem a regulação das plataformas digitais, a autonomia da democracia brasileira e refutam a interferência de um empresário que ameaça descumprir a legislação vigente no país.

— O erro da esquerda não é não engajar no tema, mas não deslocar essa discussão para algo que trate das instituições, tratando como um debate entre duas figuras. Seria mais interessante discutir qual a legislação que temos, o quanto o Brasil está preparado para essa dinâmica das redes, qual a capacidade estrutural para fazer um acompanhamento disso mais de perto, seguindo talvez o modelo da Europa — analisa Ruediger.

O estudo da FGV Comunicação Rio faz parte do Projeto Mídia e Democracia, realizado em parceria entre a Fundação Getulio Vargas e a União Europeia.


Fonte: O GLOBO