Gás vai subir até 450% e conta de luz, até 300% neste mês. Governo também reduzirá despesas com pessoal e cortará subsídios. Regalias como salas VIP para funcionários públicos serão eliminadas

Porto Velho, Rondônia - O governo de Javier Milei conseguiu incorporar dois instrumentos comuns ao debate econômico : a motosserra e o liquidificador. Ambos coexistem na caixa de ferramentas do ministro da Economia argentina, Luis Caputo. Inclusive, combinaram seus efeitos no sucesso mais celebrado pelo presidente: o superávit financeiro no primeiro bimestre do ano. No entanto, existem algumas dificuldades.

À medida que a redução da inflação se consolida, o "liquidificador" perde potência. Por isso, os cortes terão que compensar essa perda para evitar números deficitários. O governo argentino ganhou fôlego esta semana com as novas tarifas dos serviços públicos, que a partir de abril terão acréscimos de até 450% no gás, 300% na luz e 209% na água. São aumentos que representam um alto impacto no bolso, embora resultem em economia fiscal moderada.

Segundo números da consultoria Empiria, esses aumentos equivalem a 0,3% do Produto Interno Bruto (PIB) do país. Quando a gestão La Libertad Avanza começou, o ministro da Economia apresentou um plano de redução de subsídios de 0,7% do PIB necessários para alcançar o equilíbrio fiscal. Ou seja, os esforços nessa direção deverão ser redobrados para cumprir a meta estabelecida por Caputo.

Em junho, o Ministério da Energia aplicará uma "cesta básica", que funcionará como uma nova "reestruturação de subsídios" cuja magnitude ainda é desconhecida. O caso dos subsídios reflete perfeitamente o momento pelo qual passam as contas do país: começaram a sofrer um ajuste grande, embora ainda insuficiente para alcançar a economia de 5% do PIB que o governo precisa para atingir o equilíbrio financeiro até o fim do ano, conforme concordam a maioria dos analistas.

Isso explica a necessidade de Milei de aprofundar os cortes, apesar dos dados de superávit nos primeiros meses do ano. A queda na arrecadação em março, que, segundo o economista Fernando Marull, foi de 9% em termos reais, obriga a afiar as lâminas da tesoura.

O Capital Humano, ministério com o maior orçamento da Argentina e que abrange áreas como Assistência Social, Trabalho e Educação, é um dos próximos alvos da motosserra. A pasta dirigida por Sandra Pettovello ativará uma segunda etapa "de economia", como descreveu uma fonte. A primeira provocou cortes equivalentes a 8,3 bilhões de pesos, mas a dimensão da segunda parte será o dobro, pois em seu plano de ação está previsto um ajuste de 16,8 bilhões de pesos.

Por sua vez, uma fonte do Ministério do Interior confirmou ao La Nación que na próxima semana o Governo terá uma nova lista de empresas “sujeitas a privatização” que será incluída na Lei de Bases, negociada com os governadores.

O déficit das empresas públicas, calculado pela Empiria, foi de 0,8% do PIB em 2023. A consultoria projetou que "uma economia razoável" reduziria o vermelho para 0,3% do PIB. Eliminar completamente as transferências do governo para as empresas estatais, afirmam, pode não ser sustentável a longo prazo. Segundo o Orçamento do Congresso, Milei as reduziu mais da metade. Portanto, suprimir todo esse gasto só seria possível por meio de privatizações.

Há um mês, Milei anunciou o fechamento da Télam. Atualmente, a agência de notícias estatal está na fase de adesão aos desligamentos voluntários. A Chefia de Gabinete contabiliza uma adesão de "mais de 90" funcionários, entre os 778 que compõem seu quadro. Se fosse considerado o número exato de 90 funcionários com adesão voluntária aos desligamentos, o governo deveria decidir o que fazer com os 88% restantes.

A velocidade do ajuste

Este aparente ritmo lento da motosserra parece estar aumentando em outros órgãos, como o Instituto Nacional contra a Discriminação, a Xenofobia e o Racismo (Inadi). O Ministério da Justiça confirmou ao La Nación que "no final do mês" fechará seu prédio na Avenida de Mayo. Além disso, demitiu 127 funcionários "sem custo para o Estado" e rescindiu todos os aluguéis no interior, entre outras medidas.

As aposentadorias acendem alarmes fiscais para o governo. A nova fórmula melhorou a situação dos beneficiários, mas, em termos reais, não recuperou o que foi perdido pelo choque inflacionário. Apesar do aumento de gastos em termos nominais, a economia projetada pela Empiria é de 0,6% do PIB, que, se não incluir partidas extraordinárias (bônus), poderia chegar a 1% ou 1,1% do PIB.

Paralelamente, continuarão as restrições na obra pública. Entre o final de 2023 e fevereiro, foram deixados para trás 2.117 projetos que deixaram de ser financiados com fundos nacionais, segundo o Banco de Projetos de Investimento Público. A eliminação da propaganda oficial também se reflete em números orçamentários chamativos. Segundo números oficiais, representa uma economia de 100 bilhões de pesos.

Corte de 98% das transferências discricionárias para as províncias (em 2023 totalizaram 5,4 bilhões de pesos); uma vez que executaram 0,6% dos 79,4 bilhões de pesos disponíveis. Esses setores respondem à presidência e à chefia de gabinete, respectivamente. De fato, o ministério dirigido por Nicolás Posse possui um detalhamento minucioso dos cortes. Um documento ao qual o La Nación teve acesso resume "o ajuste do Estado", que enumera:
  • Redução de 30% dos carros oficiais;
  • Eliminação do Fundo de Fortalecimento Fiscal da Província de Buenos Aires, que foi criado pelo então presidente, Alberto Fernández, em 2020 e concentrava verbas de 231 bilhões de pesos;
  • Corte de 98% das transferências discricionárias para as províncias (em 2023 totalizaram 5,4 trilhões de pesos);
  • Redução de 27 mil programas sociais, que significavam 2 bilhões de peso por mês;
  • Plano de "otimização de recursos" em Capital Humano, que busca gerar uma economia de 25 bilhões de pesos através da revisão de "compras feitas sem critério razoável", a redução de celulares disponíveis e veículos à disposição dos membros da pasta;
  • Fim de regalias como voos privados ou acesso a salas VIP em aeroportos para funcionários públicos, entre outras medidas.
Com relação à redução de pessoal na Administração Pública, a chefia de gabinete confirmou que em março foram interrompidos "cerca de 15 mil contratos" e está analisando a situação de outros 55 mil que estão "em um novo processo" de revisão até 30 de junho.


Fonte: O GLOBO