Carolina Biscaia Carminatti, de 35 anos, pode ser indiciada por estelionato, lesões corporais e falsificação de documento particular

Porto Velho, RO - A médica Carolina Biscaia Carminatti está regularmente inscrita no Conselho Regional de Medicina do estado do Paraná, mas não possui registro de especialidade em dermatologia. A Sociedade Brasileira de Dermatologia no Paraná reforçou a informação confirmada ao GLOBO pelo CRM-PR, e acrescentou, ainda, que “a médica já havia sido denunciada e julgada anteriormente por anunciar indevidamente a especialidade”.

Acusada de aplicar golpes e dar falsos diagnósticos de câncer a pacientes, Carolina Biscaia Carminatti pertence a uma família de médicos. Filha e mulher de oncologistas, também é neta e irmã de profissionais de saúde. Em entrevista à revista paranaense Modaa, em 2019, a médica que teria lesado 22 vítimas falou em “dom”, “zelo”, e afirmou que a medicina está “no sangue”.

Carolina Biscaia Carminatti se descreve como uma “mulher comum”. Apresentada na publicação como profissional “cuidadosa e excelente”, diz pensar que a medicina “não é só uma profissão”. A médica acredita ter o dom de cuidar dos pacientes com “humanização e individualidade”. As vítimas, no entanto, relatam danos físicos — alguns permanentes — e psicológicos que teriam sido causados pela médica.

Casada com o oncologista Alan Albino José Carminatti desde 2017, a médica afirma ser pós-graduada em Dermatologia pelo Instituto Superior de Medicina e Dermatologia em São Paulo, onde teria estudado por três anos, e acredita ter escolhido “a profissão certa”.

‘Lugar sagrado’

Caso seja indiciada, a médica, que atua em Pato Branco (PR), pode responder pelos crimes de estelionato, lesões corporais e falsificação de documento particular. Segundo a Polícia Civil, sua intenção era lucrar com a realização de procedimentos cirúrgicos que não teriam efeito algum.

Na entrevista de 2019, entretanto, Carolina sustenta o discurso de que a profissão vai além das conquistas materiais. Em terceira pessoa, diz que “muitos acham que ser médico é sinônimo de ganhar dinheiro, riqueza. [Mas] a Dra. Carolina acredita que em primeiro lugar ser médico é cuidar com zelo de seu paciente (...) o restante é consequência de um bom trabalho”. Ela também contou à revista que sempre enxergou no hospital um “lugar sagrado”.

Procurado, o advogado de Carolina Biscaia, Valmor Antonio Weissheimer, afirmou em nota que "não existe qualquer acusação formal contra sua cliente" e que nessa fase de investigações a defesa "aguarda a perícia técnica ser juntada aos autos de inquérito, para análise".

"Após o nosso exame, iremos requerer a juntada de novos documentos, bem como testemunhas, à autoridade policial, desejando ajudar a instruir o relatório final", acrescenta Weissheimer. "Se porventura sobrevir Ação Penal, estamos preparados para contestar ponto a ponto e confrontar, de forma técnica, todas as teses que virão para justificar ao magistrado a absolvição de nossa cliente"

Para o advogado, não há provas de crime ou infração cometidos pela médica.

"Sobre as possíveis ações cíveis entendemos que não existem quaisquer provas cabais que possam induzir o juízo a julgá-las procedentes. Com relação ao CRM, iremos comprovar que não restam evidências que possam levar o órgão de classe a qualquer punição em face da profissional. Nossa cliente está calma, porque é sabedora que tudo será esclarecido no momento certo".

Pontos e cicatriz para toda a vida: paciente foi submetida a procedimento cirúrgico para retirada de falso câncer — Foto: Arquivo pessoal cedido

‘Valorização da mulher’

Ainda em entrevista à revista Modaa, Carolina Biscaia Carminatti fala sobre a importância de seu trabalho como dermatologista na busca pela valorização das mulheres, e diz ter tido “sorte” em poder atuar em sua cidade natal.

“Um ponto básico a se destacar é a valorização da mulher. Nunca antes na história a mulher teve tanto acesso a cuidados com a pele. Hoje, é possível proteger, prevenir e renovar as condições da pele (...), elevando a autoestima e possibilitando que elas mais seguras de si acreditem no seu potencial e realizem muito mais”, disse a médica em 2019.

Não foi o caso, no entanto, das pacientes que acusam Carolina. Algumas, segundo o advogado André Luiz Rodrigues Hamera, tiveram que costurar dezenas de pontos em locais onde não havia necessidade. Uma delas, de acordo com a defesa, carrega uma cicatriz na perna.

— Fora os danos psicológicos. Porque uma coisa é você receber um diagnóstico de gripe, outro é ouvir que você tem câncer. Vários clientes meus estavam com parentes tratando câncer, e até câncer de pele, mesmo, quando receberam os diagnósticos. Uma tinha a avó fazendo radioterapia por câncer de pele. Então, quando as famílias recebiam essas notícias, se desestruturavam — diz o advogado.

Diagnósticos falsos: como agia Carolina Biscaia Carminatti?

A polícia recebeu uma série de denúncias dos pacientes que haviam descoberto, só depois de toda a exposição física e psicológica sofrida, que os diagnósticos de câncer entregues por Biscaia seriam falsos. Com a repercussão do caso, o número de supostas vítimas só aumentou: pessoas que dizem ter perdido de R$ 5 mil a R$ 13 mil em procedimentos falsos. Os investigadores cumpriram mandado de busca e apreensão no consultório da médica e foram recolhidos computadores, celulares e documentos, que passam por perícia.

"URGENTE", escreveu médica em suposto diagnóstico falsificado de câncer de pele — Foto: Arquivo cedido

Os pacientes relatam que, desesperados, perguntavam à médica se os altos valores cobrados poderiam ser pagos via plano de saúde, mas ela negava. Além disso, pressionava para que o valor fosse pago, em dinheiro ou cartão, imediatamente, ali mesmo no consultório. Quem hesitava em aceitar a cirurgia, lidava com a insistência da profissional, segundo eles. A própria Carolina realizava as cirurgias.

— As vítimas contam que procuravam a médica para uma consulta dermatológica por conta de algum problema e, já na primeira consulta, a médica olhava pintas, manchas na pele e indicava que podia ser câncer. Com isso, ela recolhia o material para mandar para exame e, na sequência, marcava uma nova consulta onde mostrava um laudo supostamente falsificado onde constava que aquela pessoa estava com câncer — conta o delegado Helder Andrade Lauria, à frente das investigações. 

— Nesse mesmo momento ela já realizava procedimentos cirúrgicos para retirada dessas manchas e cobrava os valores. Algumas vítimas procuraram outro laboratório, onde acabaram recebendo um laudo original, onde não constava nenhuma doença. Ao contrário do que havia dito a médica, elas não tinham câncer.

O advogado conta que as vítimas começaram a desconfiar quando pediram os exames à médica, que apontavam o suposto câncer, e ela retornava via WhatsApp com um documento cheio de erros. Quando foram ao laboratório informado no papel confrontar as informações, descobriram que a empresa também era vítima do suposto esquema.

— Ela pegava um trecho do diagnóstico de alguém que realmente tinha a doença e fazia uma sobreposição no papel. Xerocava e depois apresentava às vítimas, como sendo de fato o exame verdadeiro — acrescenta.

A reportagem apurou que o inquérito já está em fase final na Polícia Civil. Por conta da repercussão do caso, e o aparecimento de novas vítimas nas últimas semanas, os investigadores aguardam apenas um prazo para dar oportunidade para que novos pacientes que tenham sido vítimas do suposto esquema apareçam.


Fonte: O GLOBO