Desde que tomaram a capital iemenita, em 2014, milícia tem aprimorado as capacidades bélicas com apoio do Irã

Em meio à escalada de tensões no Mar Vermelho, com uma série de ataques protagonizados pelos rebeldes houthis do Iêmen desde novembro — e das retaliações dos Estados Unidos, que tiveram início neste mês —, o sofisticado armamento da milícia de Sanaã passou a atrair a atenção mundial. Desde que tomaram a capital iemenita, em 2014, o grupo tem desenvolvido suas capacidades bélicas. Hoje, seu arsenal militar, feito com equipamentos ou componentes iranianos, inclui mísseis balísticos e de cruzeiro, além de drones.

Foi em 2015 que o movimento Ansar Allah, nome oficial do regime houthi, introduziu uma série de sistemas de armas com assistência do Irã. Segundo o Centro de Combate ao Terroristmo (CTC), um exemplo disso é o míssil balístico de médio alcance Burkan 2-H, que os houthis utilizam desde maio de 2017 para atacar locais a cerca de 965 km de distância. Em 2018, um painel da ONU sobre o Iêmen concluiu que o Irã produziu esses mísseis, e que eles eram “uma versão mais leve e derivada” do míssil iraniano Qiam-1.

Conheça o arsenal militar dos houthis, classificado pelos EUA como 'grupo terrorista' — Foto: Editoria de Arte

Ainda conforme o CTC, destroços de 10 mísseis Burkan sugerem que eles foram contrabandeados para o Iêmen em pedaços e soldados de volta por uma única equipe de engenheiros, cuja técnica de soldagem foi vista em todas as unidades do armamento. Componentes iranianos também foram integrados em mísseis SA-2 iemenitas reaproveitados para produzir uma série de foguetes de voo livre utilizados para atacar alvos a até 250 km de distância na Arábia Saudita entre 2015 e 2017.

O cenário de evolução contrasta com o momento em que os rebeldes assumiram a capital do Iêmen. Naquela ocasião, de acordo com o Washington Institute, os houthis passaram a ter a maioria do inventário de mísseis antiaéreos soviéticos e tanques mais antigos. Esses, no entanto, eram obsoletos e precisavam de reparos. Com o tempo, a milícia desenvolveu cerca de 30 estações de observação costeira, “navios espiões” e drones. O movimento também realizou o treinamento de mergulhadores de combate, e converteu, com apoio do Irã, lanchas da guarda costeira em drones explosivos autoguiados Shark-33.

Segundo Fabian Hinz, pesquisador e especialista em mísseis do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos, os houthis também têm o Tufão — uma versão renomeada do míssil iraniano Qadr, com alcance estimado entre 1,6 mil a 1,9 mil km. O Irã realizou testes com ele em 2016, quando atingiu alvos a cerca de 1,4 mil km de distância. O equipamento foi usado pelos rebeldes em 2020 para atacar a Arábia Saudita, e em 2022, contra instalações de petróleo nos Emirados Árabes Unidos.

Imagem mostra o que são os componentes de mísseis de fabricação iraniana com destino aos houthi do Iêmen; material foi apreendido pelos EUA em navio — Foto: Comando Central dos EUA / AFP

Como um risco adicional, Teerã também parece ter fornecido à milícia um de seus mísseis mais avançados e de maior alcance, o Kheibar Shekan, que teria capacidade para atingir Israel. Para Hinz, este é provavelmente “o míssil mais sofisticado que eles têm com alcance para atacar Israel”, embora seja preciso ter em mente que, “quando se quer usá-lo contra o país, é necessário lidar com o fato de que ele tem uma das melhores defesas antimísseis do mundo”.

Drones

A Arábia Saudita e os EUA já acusaram repetidamente o Irã de fornecer drones aos houthis, além de mísseis e outras armas — acusação que Teerã nega. A milícia afirma que fabrica seus drones domesticamente, embora analistas digam que eles têm componentes iranianos contrabandeados. Em seu arsenal há drones Shahed-136 do Irã, que a Rússia está usando na guerra contra a Ucrânia. Eles possuem alcance de cerca de 2 mil km, disse Hinz, acrescentando que outro modelo, o Samad-3, também está disponível para eles.

Este último já foi utilizado pelos houthis em ataques contra os Emirados Árabes Unidos e Arábia Saudita. O Samad-3 pode ser equipado com 18 kg de explosivos, conforme fontes de mídia e analistas. Segundo Hinz, ainda que seu alcance exato não seja conhecido, é estimado que ele percorra 1,6 mil km. Os drones dos houthis usam orientação por GPS e “voam autonomamente ao longo de waypoints pré-programados” em direção aos seus alvos, escreveram especialistas do Center for Strategic and International Studies em um relatório de 2020.

Entenda o conflito

Desde novembro, ataques da milícia prejudicaram o comércio entre a Ásia e a Europa e alarmaram grandes potências. Os houthis, que controlam a maioria do Iêmen, dizem agir em solidariedade aos palestinos na Faixa de Gaza, que, desde o início da guerra Israel x Hamas, em 7 de outubro, estão sob cerco e bombardeios do Exército israelense. Em comunicado transmitido por canais de mídia árabe, Abdulmalik al-Houthi, líder do movimento, disse que o grupo tem adotado “passos concretos” para aprimorar suas capacidades militares.

Como resposta, no último dia 12, os EUA iniciaram uma ofensiva com ataques aéreos para intimidar os houthi, apoiados por Teerã. Este é um confronto que o Irã tem escrito ao longo das décadas em que passou a montar o que chamou de seu “eixo de resistência” contra Israel e os Estados Unidos. Mas nunca antes os membros do arco de influência iraniano — que se estende dos houthis ao Hamas e à Jihad Islâmica em Gaza, e do Hezbollah no Líbano às milícias no Iraque e na Síria — coordenaram tão bem e em tal escala.

O que acontecerá a seguir não depende apenas do Irã, mas também, em grande parte, do líder houthi, cujo gosto por encarar os EUA deixa poucas esperanças de que a escalada termine aqui. Assumir a superpotência mundial é um passo para cumprir o que o homem de 44 anos e os seus seguidores acreditam ser o seu destino: tornar-se um governante pan-islâmico, de acordo com pessoas entrevistadas pela Bloomberg, incluindo atuais e antigos responsáveis ​​iemenitas.

Para Teerã, que parece disposto a ceder às aspirações messiânicas de al-Houthi, a escalada marca um momento decisivo nos seus esforços para nutrir aliados em toda a região como um meio de projetar poder e construir uma primeira linha de defesa contra Israel e os EUA.

(Com Bloomberg e AFP).


Fonte: O GLOBO