Garantia de redução de tarifas a longo prazo é um dos pontos que pode ser revisto; para mercado, emissão de ações deve atrair principalmente fundos, e deixar de lado operadoras
O projeto de privatização da Sabesp pode melhorar a eficiência e aumentar a capacidade de investimento da companhia de saneamento, segundo especialistas consultados pelo GLOBO. Mas ainda há dúvidas sobre algumas das promessas do projeto. Um dos pontos controversos é a garantia de redução de tarifa a longo prazo.
A diminuição da conta para os consumidores foi uma das condições do governador Tarcísio de Freitas para seguir com o plano de desestatização. O projeto, enviado nesta terça-feira à Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), prevê, como uma das principais diretrizes, a "redução tarifária, considerando, preferencialmente, a população mais vulnerável".
Felipe Graziano, especialista em infraestrutura e saneamento básico e sócio do Giamundo Neto Advogados, diz que o projeto enviado por Tarcísio à Alesp é “objetivo” e cumpre com a sua finalidade, que é garantir a autorização legislativa necessária para o prosseguimento do processo de privatização. Para ele, a privatização deve trazer um maior dinamismo e eficiência à Sabesp, com mais flexibilidade na gestão.
— No cenário atual, com o governo sendo controlador, as ações da Sabesp já são bem avaliadas e tidas como seguras. Com a entrada de outros acionistas, a atratividade tende a melhorar. Isso porque as empresas públicas são mais engessadas, precisam cumprir uma série de formalidades em suas contratações e decisões, em razão da necessidade de maior controle sobre os recursos públicos — explica o especialista.
Graziano diz que o projeto de Tarcísio revela um interesse do governo de São Paulo em continuar tendo influência sobre o destino da empresa, dado que está previsto poder de veto quanto a alterações no futuro acordo de acionistas, que regulará o exercício do direito de voto pelo novo grupo de acionistas.
— A intenção é vender, mas não abrir mão de ter voz ativa e ser preponderante nas ações. É uma forma de amenizar as críticas ao processo de privatização e assegurar que a companhia continue atendendo aos interesses públicos — completa.
Júlio Pinheiro, analista de utilities da gestora Western Asset, que acompanha o setor de saneamento, concorda que a privatização pode aumentar a eficiência da empresa, que já é vista com bons olhos pelo mercado, e retirar algumas das "amarras" da empresa.
— A privatização é positiva justamente porque você abre mão de amarras que não te permitem maximizar o valor da empresa, tanto para contratar funcionário, quanto para (contratação de) fornecedor. O processo é custoso e a empresa perde agilidade — afirma Pinheiro, que diz que há atratividade do projeto para o mercado de capitais.
Redução de tarifa
Quanto à promessa de que a privatização irá garantir a redução da tarifa para o consumidor, especialistas têm avaliações divergentes.
Diz o texto enviado ao Legislativo paulista que a modicidade tarifária — isto é, a garantia de um valor acessível aos cidadãos — será alcançada por meio de um fundo especial de despesa, o chamado Fundo de Apoio à Universalização do Saneamento no Estado de São Paulo (FAUSP), que será abastecido com, no mínimo, 30% do valor da venda da Sabes.
O advogado Rubens Naves, integrante da comissão de direito do terceiro setor da OAB-SP, diz que o projeto não garante a redução da tarifa no longo prazo. Ele também critica a falta de detalhes sobre a gestão do Fausp.
— Parte desse fundo vai ser destinado a mitigar eventuais danos causados pelas mudanças climáticas. Estamos falando de recursos que podem ser rapidamente erodidos. Não tem uma segurança estrutural que permita a continuidade desses valores (tarifa baixa), não é sustentável — diz Naves.
Para realizar a privatização, o governo propõe uma operação de um follow-on, ou seja, oferta subsequente de ações. Além dos 30% destinados ao Fausp com a venda de papéis, o projeto de lei enviado à Alesp prevê que a empresa alimente o fundo com dividendos ou Juros sobre Capital Próprio. Não há previsão de como seria a divisão de recursos do fundo.
- Estação de Tratamento de Esgoto São Miguel, na Região Metropolitana de São Paulo — Foto: Divulgação
Especialista em saneamento e conselheiro do Observatório dos Direitos à Água e ao Saneamento (Ondas), Amauri Pollachi também diz que não há garantia de diminuição da tarifa. Ele critica ainda o fato de o projeto ter sido apresentado em regime de urgência, o que limita e acelera as discussões, e em formato de projeto de lei, e não Proposta de Emenda Constitucional (PEC).
— O governador está vendendo ilusões no projeto. Uma delas, a inclusão de áreas rurais nas metas de universalização. A lei federal exige que, para se fazer um contrato, é preciso ter planejamento. E ele não apresenta um plano de saneamento rural, portanto, trata-se de uma proposta ilegal conforme o Marco Legal do Saneamento — afirma Polachi.
Na terça-feira, durante coletiva de imprensa sobre o projeto, a secretária de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística, Natália Resende, disse que o valor da redução tarifária e a divisão de repasses do Fausp ainda estão sendo definidos. Segundo ela, a destinação anual dos dividendos ou juros sobre capital próprio ao fundo seriam a garantia da sustentabilidade das tarifas menores.
— Nós vamos saber exatamente o valor (de redução tarifária) quando finalizarmos a fase 1. Porque a gente está indo de município em município fechando os anexos, vendo as obras, vendo a população, batendo com eles. E isso tudo é um balanço, um fluxo que estamos calculando.Estamos fazendo todos esses cálculos.
Fundos são principal alvo do governo
Segundo um interlocutor próximo de Tarcísio, o governo mira principalmente a entrada de fundos na operação do follow on, que novas ações são ofertadas na Bolsa de Valores. A expectativa do governo é que a oferta atraia de dois a três grandes investidores.
Com um modelo que garante ao estado até 30% de participação acionária da companhia, a operação deve ser pouco atrativa para as operadoras de saneamento já consolidadas no setor, segundo Júlio Pinheiro, da Western Asset. Ele avalia que o desfecho deve ser similar às ofertas subsequentes da Copel e Eletrobras.
— É muito provável que haja esse desfecho pelas características da oferta, em que você deve colocar um limite para o comprador. O que acaba não interessando para o operador, que teria que dividir o controle com outros acionistas — afirma Pinheiro.
Ele diz que uma das atratividades da operação, para o mercado, é o fato da Sabesp, como o setor de saneamento, ser menos suscetível a choques macroeconômicos. Fundos com viés mais voltado para infraestrutura, com olhar de longo prazo, devem ser os maiores interessados.
Percy Soares Neto, diretor Executivo da Abcon/Sindcon diz que o modelo de privatização da Sabesp, via emissão de novas ações, é voltado para o mercado de capitais e não para grandes operadoras. Isso, entretanto, não restringe a participação dessas operadoras na operação, embora isso deva acontecer junto com fundos de investimentos.
Soares lembra que no caso da Corsan, do Rio Grande do Sul, a Aegea, que tem 43 concessões em oito estados do país, incluindo o Rio de Janeiro, se juntou num consórcio com dois fundos de investimento, geridos pela Perfin e pela Kinea, e levou o leilão num lance único de R$ 4,5 bilhões.
— Pelo volume de investimentos na Sabesp, o modelo de privatização é mais voltado ao mercado de capitais. Mas isso não significa que grandes operadoras não possam entrar em consórcios com fundos, como aconteceu no caso da Corsan, vendida em dezembro de 2022 num lote único de ações — disse Soares.
Fonte: O GLOBO
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