Locação de imóveis residenciais já tem aumento acima da inflação e valores continuam subindo. Juro alto dificulta compra da casa

Uma combinação de juros altos, dificuldade para conseguir financiamento imobiliário e ter o imóvel próprio, demanda aquecida e reajustes depois da pandemia tem mantido os aluguéis em alta nas principais cidades do país. O preço da locação de imóveis residenciais continua subindo e, em setembro, aumentou 0,96%.

Pesquisa da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (FipeZap) com base nos anúncios de 25 cidades, indica que, no ano, os aluguéis já subiram 13,26% e, nos últimos 12 meses, a alta foi de 16,16%. Bem acima da inflação que está em torno de 5%. O coordenador do Índice FipeZap, Alison Pablo de Oliveira, afirma que aumentou a demanda por imóveis residenciais para aluguel.

— Os juros altos desestimulam a compra da casa própria pelas famílias. O comprometimento de renda não alcança a exigência dos bancos e as prestações mensais não cabem no orçamento. Isso aumenta a procura por aluguéis que não está sendo acompanhada pela oferta — explica Alison acrescentando que apesar disso ainda pode haver espaço para negociação com proprietários.

Evolução do preço do aluguel nos últimos anos — Foto: Editoria de arte

Essa alta este ano se dá sobre um preço já majorado em 16,5% do ano passado, que foi a maior alta desde 2011. O coordenador do Índice de Preços ao Consumidor (IPC) da Fundação Getulio Vargas (FGV), André Braz, lembra que a alta nos preços dos aluguéis tem pressionado a inflação:

— É um serviço que compromete cerca de 30% do orçamento familiar, e dentro da inflação de serviços tem peso de 10%. É um serviço fundamental e de maior preço. A resistência é mais forte por se tratar de serviço indexado. Os contratos têm reajustes anuais fixados pela inflação, com Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) ou IGP-M. Mesmo agora com o IGP-M negativo, a maioria dos contratos não cai e fica mantido o valor sem reajuste.

Segundo o economista, esse cenário impede que Banco Central faça reduções mais acentuadas nos juros básicos da economia, o que mantém a dificuldade na aquisição de um imóvel própria e aquece a demanda pelos aluguéis.

Alta de 20,34% no Rio

O instrutor de autoescola Lucas Rodrigues, de 29 anos, deixou a cidade de Petrópolis, na Região Serrana, após conseguir emprego na capital fluminense. A família, no entanto, está há mais de um ano sem conseguiu alugar um imóvel para morar por causa do custo elevado. Ele, a esposa e a filha de 5 anos estão na casa dos pais, na Ilha do Governador, na Zona Norte do Rio.

— Estamos procurando um imóvel com dois quartos. É horrível voltar a morar na casa dos meus pais. Eu achei que ia ser rápido (para encontrar um imóvel), mas fui pego de surpresa pelo preço dos aluguéis. Não achava que seria tão caro— lamenta Lucas.

De acordo com analistas, no Rio, onde o serviço já 20,34% nos últimos 12 meses, e em outras capitais, há um efeito tardio da pandemia — período em que os preços se mantiveram estáveis ou caíram —, e agora os valores estão passando por uma correção.

Nas imobiliárias, o mercado aquecido tem reduzido até o tempo médio de assinatura de contratos de locação. Antes, o processo em geral levava até 30 dias, desde o anúncio até o fechamento do contrato. Agora, a média é de 15 dias e, em alguns casos, os imóveis nem chegam a ser anunciados, já são oferecidos para clientes cadastrados nas imobiliárias.

Em Florianópolis (SC) e Goiânia (GO), a alta acumulada até setembro já chega a quase 30%. No caso dessas cidades, o aumento da renda domiciliar é o principal fator a aquecer o mercado imobiliário de locação.

Segundo Solange Portela de Andrade, diretora da JB Andrade Imóveis, o cenário é reflexo do aquecimento do mercado, com aumento da procura, quanto pela digitalização dos processos, e acesso facilitado ao seguro fiança.

— A demanda e a procura por imóveis para alugar estão muito aquecidas. O processo de locação só demora se o valor estiver muito acima do mercado. Sempre existe um espaço para locação, mas em muitos casos, nem chegamos a anunciar imóveis — afirma ela.

Daniele Souza, gerente de Locação da Precisão Empreendimentos Imobiliários, diz que atualmente tem mais clientes à procura de imóveis do que imóveis disponíveis:

— Já fechei um negócio em três dias, com tudo digitalizado.

Reajustes menores

Apesar de os preços dos novos contratos estarem em alta, os inquilinos não estão tendo reajustes ultimamente. O IGP-M, principal índice de correção dos contratos de aluguel, acumula baixa de 4,93% no ano e de 5,97% nos últimos 12 meses.

O movimento foi captado pelo Índice de Variação de Aluguéis Residenciais (IVAR), da FGV, que teve queda de 1,74% em setembro. Diferentemente do FipeZap que acompanha os preços dos anúncios de imóveis, o IVAR pesquisa o movimento de preço dos imóveis já alugados.

— Enquanto os juros estiverem altos, acima da inflação esperada para os próximos meses, o cenário não vai mudar. A Selic (taxa básica de juros) ainda estará em torno de 9% em 2024. Ou seja, não dá esperar aluguel mais barato nos próximos meses — prevê o economista André Braz.

Má notícia para João de Lucca Correa, de 23 anos, que estuda Serviço Social na UFRJ e também não consegue sair da casa dos pais. Não está conseguindo encontrar um imóvel que possa pagar. Ele teve que ir morar com o pai, em Quintino, e passou a levar mais de uma hora para chegar até a faculdade, na Praia Vermelha. Por isso, começou a procurar apartamentos que fossem um pouco mais próximos. Está há quase um ano sem encontrar um lugar que possa arcar:

— Pensei em dividir quarto em república, no centro do Rio ou Tijuca, mas fica quase o mesmo que uma quitinete.

De acordo com o estudante, os preços de aluguel de quitinetes mais baratas estão em torno de R$ 700 e R$ 800 reais, mas os custos acabam passando de R$ 1 mil com o condomínio, água e luz.

— Como eu perdi o emprego recentemente e teria que contar com a ajuda dos meus pais, acaba ficando um valor muito caro.

*Estagiária sob a supervisão de Danielle Nogueira


Fonte: O GLOBO