Projetos que propõem limitar os poderes de ministros do Supremo avançam no Congresso em período de tensão entre os Poderes

A cúpula do Congresso e parlamentares governistas travam um duelo nos bastidores após o avanço de iniciativas que esvaziam a atuação do Supremo Tribunal Federal (STF). O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), afirmou que vê maioria para a aprovação desses projetos. 

Um deles, o que limita decisões individuais dos ministros, foi aprovado a jato pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa na quarta-feira. Paralelamente, o texto que estabelece mandato para os magistrados também vem ganhando fôlego. Como se tratam de Propostas de Emendas Constitucionais (PEC), elas precisam do aval de 60% de deputados e senadores para entrarem em vigor.

Apesar dos gestos que demonstram insatisfação com o Judiciário, Rodrigo Pacheco reiterou que não há “crise” com o Supremo. O presidente do Senado tem boa interlocução com o ministro Luís Roberto Barroso, à frente do STF desde a semana passada, mas adotou uma postura mais ostensiva desde que reclamou de “invasão de competência”, há dois meses, no momento em que a Corte julgava a ação que pode descriminalizar a posse e o porte de maconha.

— Quando o STF define a sua pauta de processos, eu não entendo como uma afronta ao Congresso, embora algumas eventuais decisões possam encerrar algum tipo de invasão de competência. Mas isso não é capaz de gerar uma crise que abale a harmonia entre os Poderes. Vejo uma maioria considerável a favor dessas duas pautas (decisões monocráticas e mandatos) — disse Pacheco.



Perspectiva de votação

Uma reunião entre os líderes do Senado ontem projetou que a PEC que impõe restrições às decisões monocráticas do STF e outros tribunais vá ao plenário até o fim do mês. O texto veda determinações individuais que suspendam atos dos presidentes da República, assim como dos comandantes do Congresso, do Senado e da Câmara. 

Não poderiam ser derrubados por decisão individual, por exemplo, aberturas de processos de impeachment, instalação de comissões temporárias, como as CPIs, decretos e leis. Já o debate em torno da PEC que estabelece mandatos está em estágio menos avançado. Existem duas propostas sobre o assunto à mesa: uma fixa o mandato em oito anos; outra, em 15. Atualmente, os ministros do tribunal só se aposentam aos 75 anos de idade, compulsoriamente.

No Palácio do Planalto, auxiliares do presidente Luiz Inácio Lula da Silva trabalham para apaziguar e ao mesmo evitar que o governo seja atingido pela disputa. De acordo com um ministro, a ordem é “serenar os ânimos e colocar a bola no chão” para evitar que a crise aumente. 

O entendimento é que, diante no clima no Senado, o governo necessita de um cuidado maior com a pauta para evitar temas que possam mobilizar os bolsonaristas e reaglutinar esse grupo. Ontem, o ministro Alexandre Padilha (Relações Institucionais) afirmou à GloboNews que as propostas não estão na “agenda prioritária” do governo federal.

Enquanto isso, defensores das mudanças vêm conquistando terreno no Senado. A avaliação de momento é que os limites às decisões monocráticas devem avançar de forma mais célere que a discussão sobre mandatos. A proposta que trata dos despachos tem o apoio das bancadas do PL, União Brasil, Podemos, PSDB e Novo, que representam 29 senadores. Já a que define mandatos para os ministros do STF ainda não foi debatida internamente pelo Podemos, mas conta com o apoio dos demais partidos. Para aprovar uma PEC, são necessários 49 votos no Senado.

Outras legendas, como PSD e MDB, estão divididas. O PSD é a maior bancada da Casa, com 15 senadores. O líder do partido, Otto Alencar (BA), disse ter uma posição pessoal contra as duas propostas, mas uma ala da legenda as defende, como os senadores Vanderlan Cardoso (GO), Eliziane Gama (MA) e o próprio Pacheco.

Em um evento que comemorou os 12 anos do PSD, integrantes da cúpula compartilharam um entendimento já externado por Pacheco e disseram que os projetos não representam uma afronta ao Judiciário. O presidente da sigla, Gilberto Kassab, e ministros filiados ao partido, por exemplo, viram como natural que as propostas sejam debatidas e citaram que elas estão sendo discutidas pelo Senado há algum tempo.

Já no MDB, o líder Eduardo Braga (AM) disse que a bancada ainda não tem um posicionamento. Apesar disso, o senador Alessandro Vieira (MDB-SE) se antecipou e se declarou favorável à iniciativa.

O União Brasil, sigla do presidente da CCJ, Davi Alcolumbre (AP), cobrou de Pacheco o avanço das duas iniciativas no começo do ano, quando ele estava em campanha à reeleição. O senador Márcio Bittar (União-AC) afirmou que o dirigente da Casa, já naquela época, se mostrou favorável às propostas.

— Houve uma convergência em algumas coisas que ele agora está verbalizando — resumiu Bittar.

No Centrão, a líder do PP no Senado, Tereza Cristina (PP-MS), afirmou que a PEC das decisões monocráticas “tem grande aderência”, mas que ela ainda vai conversar com a bancada na próxima semana para tomar uma posição. Já em relação aos mandatos, a senadora quer esperar a discussão amadurecer para avaliar o tema.

O líder do Republicanos, Mecias de Jesus (RR), não se manifestou, mas todos os outros senadores do partido — Damares Alves (DF), Cleitinho (MG) e Hamilton Mourão (RS) — já se mostraram favoráveis às iniciativas.

Reação na base aliada

Senadores que fazem parte da base, por sua vez, reagiram ao “pacote anti-STF”. Os líderes do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (sem partido-AP), e no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), disseram que o momento não permite que as iniciativas sejam aprovadas pelo Congresso, porque o movimento seria visto como retaliação ao Judiciário.

— É uma reação da extrema direita. Quem defende a democracia não poderia recair sobre essa provocação. Não há apoio da maioria dos parlamentares — declarou Randolfe.

Wagner endossou que o momento não é propício e disse que parte da agenda em discussão poderia ser resolvida pelo próprio STF, com mudanças no regimento interno. O senador Renan Calheiros (MDB-AL) acrescentou que o Legislativo precisa dar resposta “dentro da Constituição”:

— A relação entre os três Poderes impõe pesos e contrapesos. Não pode interferir no funcionamento de nenhum outro Poder.

Com o acirramento já exposto, Barroso esteve ontem no Congresso para uma sessão em homenagem aos 35 anos da Constituição e conversou com Pacheco. O presidente do STF minimizou as arestas:

— Esse evento comemorativo documenta que existe plena independência e harmonia entre os Poderes, além dos debates públicos e as conversas institucionais que são necessários em uma democracia. Vejo tudo com muita naturalidade e tranquilidade—afirmou Barroso. — Dentre as conquistas que tivemos, temos a estabilidade institucional. Não existem Poderes hegemônicos. Somos parceiros pelo bem do Brasil. (Colaboraram Gabriel Sabóia e Daniel Gullino)


Fonte: O GLOBO