Dados foram obtidos com exclusividade por GLOBO com pesquisadores da edtech AIO Educação, que retiraram informação diretamente da sala segura do Inep

Cento e oitenta e dois pontos. Esse é o tamanho da diferença que alunos de escolas privadas ainda têm sobre seus colegas das públicas na prova de redação do Exame Nacional de Ensino Médio (Enem). Essa vantagem — que só não foi maior em 2019 — é o triplo da verificada nas disciplinas objetivas, que, em 2022, chegou a 67 pontos, o menor patamar dos últimos oito anos. Em 2023, a prova será nos próximos dias 5 e 12.

Os dados de desempenho do Enem por escola, obtidos pelo GLOBO, não são divulgados há três anos. Eles foram retirados em sala segura do Serviço de Acesso a Dados Protegidos (Sedap) do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), entre 31 de julho e 3 de agosto deste ano, e fazem parte da pesquisa “Análise da evolução e disparidades nas notas do Enem”, da edtech AIO Educação e com autoria dos pesquisadores Paulo Vivas, Murilo Vasconcelos e Mateus Prado. 

O estudo está agora disponível em www.aio.com.br/enemporescola. Pelos dados, é possível ver que a média das provas objetivas das escolas privadas é de 562 pontos contra 495 das públicas. Na redação, as médias são 736 e 554, respectivamente. Para a conta, são consideradas apenas as escolas com mais de dez participantes por recomendação do Inep.

Abismo no Enem — Foto: Editoria de Arte

Murilo, CEO da AIO, lembra que a redação tem a maior média dos pesos do Sisu e que, por isso, é fundamental que as escolas públicas acompanhem essa realidade para não ficarem pra trás.

— Sem a informação necessária, escolas públicas e privadas, governo e sociedade permanecem no escuro sobre o progresso e as estratégias necessárias para aprimorar as políticas do Ensino Médio, que, atualmente, exibem resultados ainda muito insatisfatórios, comprovados por testes internacionais — afirmou.

Na escola de Mariane Caetano, de 18 anos, não havia uma disciplina dedicada à redação. A prova era trabalhada junto com a aula de Português e Literatura. Então, eram duas aulas de redação ao mês — uma realidade muito distante dos cursinhos privados. Mas a professora compensou a diferença.

— A professora de redação explicava as normas quantas vezes precisasse, lia modelos de redações nota 1.000 de anos anteriores, corrigia e dava nota em nossas redações. E ficava o tempo que precisasse na sala para que todos entendessem — conta a ex-aluna da Escola Estadual Maurílio Albanese Novaes, em Ipatinga, Minas Gerais que agora cursa Direito na Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop).

A antiga escola de Mariane é a unidade pública que não seleciona aluno que teve o melhor desempenho no Enem em 2022, ocupando a 1.444ª posição. A média da redação da turma foi de 817. De acordo com Eliana Maria, professora de Português, conta o fato de o 3º ano do ensino médio ser focado na matriz do Enem com conteúdo trabalhado de diferentes formas.

—Fazemos com os alunos análise de questões de anos anteriores, desenvolvemos projetos interdisciplinares e aplicamos simulados bimestralmente nos moldes do Enem — explica Eliana.

Impacto da pandemia

Os dados do Enem por escola também mostram que, diferente do esperado, o desempenho médio das escolas públicas cresceu, ainda que timidamente, durante a pandemia — na educação privada, por outro lado, ele caiu por conta da crise sanitária.

Em 2019, antes da Covid-19, as escolas públicas registraram uma média de 493 pontos no Enem. No ano seguinte, o valor saltou para 498 e, em 2022, alcançou 506, melhor resultado desde 2015. Já as privadas passaram de 599 pontos na pré-pandemia para 586 em 2021, com recuperação parcial no ano passado. Esses valores consideram a média ponderada de todas as provas, incluindo a de redação.

— A pandemia fez a taxa de participação dos alunos no Enem cair muito na rede pública: de 50% para 30%. Muito provavelmente caiu a participação de alunos de nível socioeconômico mais baixo e que foram mais impactados pela pandemia. Esses alunos mais vulneráveis têm um desempenho menor e, se fizessem a prova, jogariam a média geral para baixo. Obviamente, a pandemia teve impacto importante, mas muitos alunos sequer fizeram o Enem —explica Ernesto Martins Faria, diretor-fundador do Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional (Iede).

Faria aponta que, mesmo na ausência de estudantes de maior vulnerabilidade, fica evidente a discrepância em relação aos colégios privados ainda que a média das públicas tenha aumentado.

— Não é uma questão de qualidade, ou seja, que as escolas públicas sejam muito piores que as privadas. Tem uma diferença de perfil socioeconômico. Os alunos já entram melhores desde os anos iniciais do ensino fundamental na rede privada. Esse patamar da rede pública no Enem é muito baixo, 490 e poucos pontos. Não é uma pontuação que permite aos alunos chegarem a universidades concorridas —diz o especialista.

Os dados da AIO mostram essa influência. Embora não haja informações sobre a renda dos alunos, há uma relação entre as notas das escolas e a escolaridade das mães dos estudantes. Segundo o levantamento da empresa, colégios em que a maior parte das mães nunca estudaram tiveram uma média de 426,15 pontos nas cinco provas do Enem no ano passado. O desempenho sobe para 449,92 nas instituições cuja maioria completou o primeiro ciclo do ensino fundamental (do 1º ao 5º ano). E alcança 590,45 nos casos em que há mais mães com ensino superior completo — que tendem a ter renda mais alta.

Só quatro públicas

Para se ter ideia, da lista das 50 escolas com as melhores notas no Enem só quatro são públicas, sendo que uma é militar, duas são vinculadas a universidades federais e uma a universidade estadual — a lista está no site do GLOBO.

O Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Viçosa (UFV) é a escola pública mais bem posicionada (20º lugar). Mas, assim como as demais, ela conta com critérios de seleção de alunos, ou seja, não é aberta ao público geral.

A primeira colocação geral ficou com o colégio Farias Brito, do Ceará, com 776,7 pontos no Enem de 2022. Nela, constam 94 alunos no Censo Escolar. O grupo tem ainda outra escola com quase o triplo de estudantes e 673,2 pontos. Ela é registrada no mesmo prédio, mas em outra entrada, indicando que o colégio separa os melhores alunos para garantir um ranqueamento mais alto na lista do Inep — prática adotada por diferentes instituições privadas, como a Objetivo Integrado, em SP, e o Classe A, em MS.

Procurados, só a escola paulista se manifestou, afirmando que os alunos com boas notas são convidados a participar do Colégio Objetivo Integrado. “Entram se desejarem. Alguns preferem continuar no Colégio Objetivo, porém não no Integrado”, afirmou a escola, complementando que é natural que alunos dedicados desejem permanecer na escola até mais tarde e queiram se reunir na mesma sala, no mesmo colégio, para aprimorar os estudos e debater sobre assuntos específicos. “O Colégio Objetivo Integrado foi criado para eles”, acrescenta.


Fonte: O GLOBO