De olho na expansão do crédito, petista deve trocar ataque por diálogo com chefe da autoridade monetária, segundo aliados. Juro alto é maior preocupação da população

A preocupação do presidente da República com o volume de crédito concedido no Brasil está tirando o sono de Lula e, de acordo com interlocutores do presidente, foi o que o fez decidir receber o presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, depois de meses de rusgas públicas em torno da taxa de juros.

Não foram poucas as vezes em que Lula referiu-se ao chefe da autoridade monetária como “aquele cidadão”. Mas após a reunião, aliados indicaram que o presidente deve trocar os ataques por uma postura de maior diálogo, numa espécie de bandeira da paz.

O encontro, ocorrido ontem, foi pedido pelo próprio Campos Neto, em um ofício enviado após o primeiro corte nos juros, que ocorreu em agosto, e articulado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que também participou da reunião.

Ao voltar para o Ministério da Fazenda, após 1h20 de conversa, Haddad disse que Lula recebeu Campos Neto muito bem:

— A conversa foi muito boa, produtiva, cordial. Lula o recebeu muito bem. Foi um encontro institucional, de construção de relação, de pactuação de conversas periódicas, foi excelente. Não conversamos sobre tópicos específicos. O presidente deixou claro o respeito que tem pela instituição. A reciprocidade foi muito boa da parte do Roberto. Esse encontro ia acontecer, e eu ajudo no que eu posso.

A reunião, marcada para as 17h30, começou com atraso, apenas às 18h38. Lula esteve antes em um evento de assinatura dos contratos de concessão do primeiro leilão de linhas de transmissão de energia de seu governo.

Risco de taxas subsidiadas

Campos Neto vinha tentando ser recebido por Lula desde o início do mandato, mas o presidente não só não demonstrava vontade de conversar com o chefe do BC como, em público, o chamava de “esse cidadão” e não perdia uma chance de fustigá-lo. Por causa disso, vários ministros do governo também evitavam encontrar-se com Campos Neto.

Agora, segundo auxiliares, Lula decidiu mudar de tática.

— O tom vai ser de diálogo, não vai ter mais briga — diz um aliado do presidente da República, para quem a ideia é tentar convencer Campos Neto a reforçar, no Banco Central, a pressão por uma queda mais rápida na taxa de juros.

Em agosto, o Comitê de Política Monetária (Copom) baixou a taxa de juros usados nos títulos públicos, a Selic, pela primeira vez no governo Lula — 13,75% para 13,25%. Em setembro, fez mais um corte, para 12,75%. A ata da última reunião, divulgada na terça-feira, indica que haverá ainda mais dois cortes de 0,5 ponto até o final do ano, levando a Selic para 11,75%.

Nas últimas semanas, surgiram no radar projeções mais otimistas, de um recuo de 0,75 ponto, em pelo menos uma das reuniões. Mas, na ata, o comitê indicou que isso não vai ocorrer.

As pesquisas de opinião internas do governo demonstram que a maior queixa e preocupação dos brasileiros é com as altas taxas de juros, especialmente no cartão de crédito. Nos últimos meses, empresários com acesso ao presidente também têm reclamado muito das altas taxas, e o debate sobre o projeto de lei que pretende cortar o juro rotativo do cartão de crédito continua a opor varejo e bancos.

Além disso, o presidente tem recebido constantes alertas sobre o risco de usar os bancos públicos, como Caixa Econômica Federal e BNDES, para conceder crédito a taxas subsidiadas, como foi feito no passado. Isso porque, nessa circunstância, o Banco Central seria obrigado a manter a Selic mais alta, para obter uma taxa de juro neutra maior.

Pela manhã, em audiência na Câmara dos Deputados, Campos Neto defendeu que a equipe econômica persista com a meta de zerar o rombo nas contas públicas em 2024. Ele também disse ser favorável às propostas de taxação de fundos exclusivos no Brasil e rendimentos no exterior, apresentadas pelo Executivo.

— Hoje, o importante é persistir na meta. A nossa mensagem é de persistência, bem alinhada com o que o ministro Haddad tem dito. Esse é um caminho bem promissor. E mesmo que a meta não seja cumprida exatamente, o que os agentes econômicos vão ver será o esforço feito na direção de cumprir as metas — comentou Campos Neto.

Ele lembra que a razão da desconfiança do mercado com esse intuito da equipe econômica é a necessidade de receitas adicionais “bastante grandes”. O governo enviou diversas propostas para aumentar a arrecadação, incluindo a taxação dos fundos exclusivos.

— Sou a favor da taxação de fundos exclusivos e sou a favor da taxação de offshore — disse o presidente do BC.


Fonte: O GLOBO