Observa- se que 1/3 das mortes são de pessoas muito jovens e cerca de 2/3 delas são de pessoas com menos de 50 anos, o que gera um impacto forte sobre a economia

Os acidentes de trânsito se configuram como grave problema de saúde pública no Brasil. Principalmente nos centros de referência, como é o caso do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, é elevado o número de vítimas que chegam com um quadro clínico de alta complexidade, com graves lesões, necessitando de atendimento multidisciplinar e imediato. A manutenção da vida é a prioridade do atendimento.

O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) publicou em agosto de 2023, o balanço da 1ª década de ação pela segurança no trânsito no Brasil e perspectivas para a 2ª década. E os resultados demonstram que no período de 2010 a 2019, houve cerca de 392 mil mortes em sinistros de transporte terrestre no Brasil, englobando atropelamentos, sinistros com bicicletas, motocicletas, automóveis, caminhonetes, caminhões, ônibus e outros tipos de veículos terrestres. 

Em termos de mortes absolutas, houve um aumento de 13,5% em relação à década passada (2000 a 2009), frustrando a meta estabelecida de redução de 50% no total das mortes. A taxa de mortalidade por 100 mil habitantes também aumentou em 2,3%. Estes dados demonstram que a 1ª década voltada para redução da mortalidade do trânsito não teve resultados práticos no Brasil.

A Assembleia-Geral das Nações Unidas publicou, em 2010, uma resolução definindo o período de 2011 a 2020 como a “1ª Década de Ação pela Segurança no Trânsito”. O objetivo era conscientizar os países a adotar medidas concretas para reduzir a mortalidade no trânsito que contabilizava, em 2009, cerca de 1,3 milhão de mortes anuais em 178 países. Como meta global, a ONU considerou a redução em 50% da mortalidade no trânsito até o final da década. Na ocasião, o Brasil era o 5º país com mais mortes de trânsito no mundo, com cerca de 40 mil mortes anuais e mais de 300 mil feridos no trânsito, com custos anuais de cerca de 50 bilhões de reais.

Após a pandemia, o número de acidentes se elevou ainda mais. Em 2021, morreram 33.813 pessoas em decorrência do trânsito brasileiro. O número é aproximadamente 3,4% maior que o registrado em 2020 e em 2019. Observa- se que 1/3 das mortes são de pessoas muito jovens (até 15 anos de idade) e cerca de 2/3 delas são de pessoas com menos de 50 anos. Isto gera um impacto forte sobre a economia.

Sinistros com motocicletas são os que mais crescem, respondendo por cerca de 44% das mortes por sinistros de trânsito da faixa de 15 a 29 anos. Por outro lado, as mortes por atropelamento respondem pela maior parte das mortes de trânsito em pessoas idosas (mais de 70 anos). Cerca de metade das mortes nesta faixa são atropelamentos, o que demanda políticas específicas de segurança para esse grupo (tempo de semáforo adequado para pedestres, equipamentos de segurança em pontos de alta concentração de idosos e fiscalização de velocidade em pontos críticos).

Fatores como a ingestão de álcool e o uso de drogas antes de dirigir e excesso de velocidade e imprudência são responsáveis por aproximadamente 70% dos acidentes de trânsito. 

Também chamo a atenção para o excesso de utilização de psicotrópicos nos últimos 3 anos, para o aumento da ocorrência de insônia, sonolência excessiva diurna, depressão e ansiedade, que também podem gerar impacto negativo na percepção neurossensorial e na atenção necessária para o trânsito. 

Além disso, o uso do celular, de serviços de mensagem e de internet enquanto dirige é inquestionável fator relacionado a maior número de acidentes.

É essencial que tenhamos recursos para a promoção de políticas públicas de redução da mortalidade no trânsito. O Fundo Nacional de Segurança e Educação no Trânsito (Funset), oriundo de 5% da arrecadação das multas de trânsito e destinado à promoção de medidas de segurança e campanhas educativas, teve corte de 75%. 

E os montantes para combater as mortes no trânsito que vinham do seguro contra Danos Pessoais por Veículos Automotores Terrestres (DPAVT) e   da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE) foram zerados. A arrecadação era destinada ao atendimento hospitalar no Sistema Único de Saúde (SUS) e a investimentos em infraestrutura viária.

Sempre que se implementam políticas significativas de redução de sinistros de trânsito, como foi a implementação do novo código de trânsito (lei 9.503/1997 – Brasil, 1997) e a lei seca (lei 11.705/2008 – Brasil, 2008), há em um primeiro momento redução de ocorrências de mortes, mas em seguida há um processo de relaxamento natural por parte da população e instituições, e perde-se o efeito esperado. Daí a importância de campanhas permanentes de educação em todos os meios possíveis.

O Brasil assumiu novamente o compromisso de reduzir as mortes no trânsito em uma década. As metas sugeridas pela ONU devem ser implementadas até 2030. É possível chegarmos lá vencedores, mas são necessários investimentos em educação, infraestrutura, transporte público e em saúde.


Fonte: O GLOBO