Caso contrário, a administração regional ficará impedida de criar novas despesas no ano seguinte. Medida entraria em vigor em 2027, quando iniciam novos mandatos de governadores

O Ministério da Fazenda vai propor uma mudança na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) para impedir que estados e municípios terminem o ano no “cheque especial”. A ideia é inserir um novo artigo na lei para proibir que governadores e prefeitos passem de um ano para o outro sem recursos em caixa suficientes para cobrir todas as despesas, como pagamento de salários, de fornecedores e de serviços, no ano seguinte.

Caso isso aconteça, a administração regional ficará impedida de criar novas despesas, como reajustar salários e contratar pessoal, no próximo ano. A medida entraria em vigor em 2027, quando iniciam novos mandatos de governadores.

Na prática, o governo federal defende o endurecimento da regra fiscal, o que ajudaria no controle das contas públicas e na queda da taxa básica de juros. A mudança será uma tentativa de fechar lacunas na LRF em relação à solvência de curto prazo dos entes federativos, disse ao GLOBO o secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron.

A ação é parte de um conjunto de medidas chamado de “Ciclo de Cooperação Federativa”, para o qual já foram propostas, por exemplo, ações para destravar Parcerias Público-Privadas (PPPs). O anúncio de um projeto de lei deve ser feito hoje pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e por Ceron.

Criada há 23 anos, a LRF é considerada o principal instrumento de manutenção do equilíbrio das contas públicas, com normas de finanças públicas para União, estados e municípios. Atualmente, a legislação proíbe que governadores e prefeitos terminem seus mandatos sem deixar para os sucessores dinheiro em caixa para as despesas contratadas do exercício seguinte, mas não há qualquer proibição desta prática nos três primeiros anos de governo.

A lei não prevê medidas de “correção” para evitar que prefeituras e governos desequilibrem as contas, o que tem acontecido em centenas de prefeituras e pode levar a transtornos como interrupções de serviços públicos ou atrasos nos pagamentos de fornecedores e do funcionalismo, o que já se viu também em estados nos últimos anos.

— Esse artigo da LRF (que proíbe desequilíbrio no último ano de mandato) não resolveu o problema de curto prazo dos entes (federativos). Continuam, de forma recorrente, os casos de colapso financeiro — diz Ceron. — É comum ver casos de municípios em que serviços de coleta de lixo, varrição e pagamento de servidores são interrompidos por conta desse colapso financeiro, desse descasamento de caixa de curto prazo.

Projeto prevê sanções

Um projeto de lei será proposto pela Fazenda para impor sanções a cidades ou estados que terminem o ano sem dinheiro suficiente para honrar compromissos. No primeiro ano de descumprimento, o governador ou prefeito terá limitações no seguinte. Ficará impedido de aumentar despesa com pessoal, contratar novos servidores ou reajustar os salários dos atuais acima da inflação.

Também não poderá criar novas despesas de caráter continuado ou tomar medidas de renúncia de receita , como isenção fiscal para estimular atividades econômicas. Caso o cenário se repita pelo segundo ano seguido, os salários de servidores são congelados, sem reposição da inflação.

É um mecanismo parecido com os gatilhos previstos no novo arcabouço fiscal, que impedem novos gastos do governo federal em caso de descumprimento da meta de resultado das contas públicas da União. Ceron afirma que não se trata de uma punição a estados e municípios, mas de uma medida de correção que incentiva maior disciplina na gestão dos orçamentos regionais, prevenindo crises financeiras.

— Se forem transferidos para o exercício seguinte mais gastos que (o ente) pode suportar, não poderá contrair novas despesas, o que é razoável. Ela (a mudança) não tem um caráter punitivo, ele tem um caráter de ajudar um ente no processo de recuperação financeira — afirmou o secretário. — Casos de descasamento de caixa ainda são frequentes. Ainda que não seja vedado fora do fim de mandato, não é bom. Isso significa que o ente ainda está rodando no “cheque especial”, pode colapsar e afetar a população.

Ambiente de negócios

Dados compilados pela Federação das Indústrias do Rio (Firjan) mostram que centenas de municípios terminam, todos os anos, sem dinheiro para cumprir obrigações. Em 2015, por exemplo, foram 1.702 nesta situação. O levantamento só vai até 2020, quando 563 prefeituras viraram o ano no vermelho. No entanto, aquele foi um ano atípico por causa da pandemia, que levou o governo federal a repassar recursos extras da União para estados e municípios.

O trabalho da Firjan destaca que o planejamento é um fator fundamental não só para o atendimento das necessidades básicas da população, mas para o pagamento de fornecedores e a atração de investidores. Sem isso, qualidade de vida e ambiente de negócios ficam ameaçadas no âmbito regional, conclui o trabalho.

Como será uma alteração legal, o projeto de lei que será apresentado pelo governo para alterar a LRF terá de ser aprovado na Câmara e no Senado para entrar em vigor. Para evitar afetar mandatos em andamento, a mudança seria válida a partir de 2027, atingindo prefeitos eleitos em 2024 e governadores que vencerem as eleições de 2026.

— Não vai afetar os mandatos em curso de governadores e prefeitos. Porque é uma mudança estrutural e precisa de tempo de adaptação. Não seria justo causar esse tipo de surpresa — justifica Ceron.

O atual chefe do Tesouro foi secretário de Finanças da cidade de São Paulo quando o prefeito era Haddad (2013 a 2016) e secretário-adjunto da Fazenda do Estado de São Paulo na gestão de Márcio França (2017 a 2018) e por isso diz entender como evitar o acúmulo de problemas orçamentários pode evitar crises financeiras em estados e municípios.

— A mudança vai reduzir o número de casos de colapso financeiro de entes. E são colapsos em serviços públicos — argumenta. — Se houve descasamento, isso significa que (o estado ou município) está na iminência de colapsar.

Redução de riscos

No médio prazo, além de dar maior confiabilidade às contas públicas do país, a mudança poderá reduzir a desconfiança de empresas no fornecimento para o setor público, já que os atrasos no pagamento e calotes são frequentes, acredita Ceron:

— Com a menor recorrência de atrasos no pagamento de fornecedores e menos casos de colapso financeiro, vai reduzindo o prêmio de risco das contratações públicas de entes subnacionais.


Fonte: O GLOBO