Parte das celebrações, espetáculo “Bibi, uma vida em musical”, de Artur Xexéo e Luanna Guimarães, reestreia nesta sexta (3)

Porto Velho, RO - Bibi Ferreira amou demais. Apesar de o trabalho nos palcos ter sido prioridade máxima em sua vida — foram 93 anos de carreira e mais de 170 espetáculos encenados em 96 anos de vida —, a artista sempre encontrou tempo para abraços e beijinhos e carinhos sem ter fim. Apaixonou-se muito.

Casou-se oito vezes. E era namoradeira desde jovem, como entrega a amiga de escola Renée Groissman, num dos trechos do livro “Bibi Ferreira, a saga de uma diva”, que será lançado nesta quarta (1), em razão das comemorações pelo centenário da atriz.

Não à toa, amor e sexo foram temas abordados com naturalidade por ela nos sete longos depoimentos inéditos que embasaram a obra. A atriz — que, aos 11 anos, foi obrigada a vestir uma fita de algodão para esconder os seios — lamentava o fato de “não ter mais idade para amar”. Os amigos retrucavam.

— Eu falava que ela só não amava porque não queria, já que sempre tinha homem na porta dela. A cada trabalho, apareciam duas ou três pessoas que ela refutava, porque achava que, aos 90 anos, não devia mais se apaixonar — revela Jalusa Barcellos, autora do livro e grande amiga da atriz, com quem trabalhou por 46 anos. — Bibi não reclamava, mas pontuava que a vida era irreversivelmente finita ao ponto de tirar, principalmente das mulheres, atrativos que nos fazem mais sedutoras.

Com lançamento nesta quarta (1) no Teatro Cesgranrio — em evento, às 19h30, com apresentação das atrizes Izabella Bicalho, Stella Maria Rodrigues e Cláudia Netto, que interpretarão canções de “Gota d’água”, “Piaf” e “O homem de La Mancha”, espetáculos importantes na trajetória de Bibi —, o livro lança luz para aspectos curiosos (e demasiado humanos) na vida de uma mulher que foi moldada para o trabalho desde a infância.

Dedicação

Na adolescência, enquanto as amigas saíam para tomar sorvete e olhar os rapazes, Abigail Izquierdo Ferreira voltava-se para os livros, dedicada a aprender cinco idiomas. A jovem nunca teve tempo para diversão: nas horas vagas, estudava balé, piano e violão. Para contribuir na renda doméstica, ela repassava os ensinamentos de música para os filhos das clientes da mãe, a espanhola Aída Izquierdo, que trabalhava como esteticista.


Bibi no show Bibi Ferreira canta Sinata, de 2016 — Foto: Divulgação

A disciplina rígida gerou talentos múltiplos. Até hoje, pouca gente sabe que Bibi mantinha habilidades com artes plásticas. Aos 13 anos, enquanto ouvia os musicais da Broadway por meio dos discos do pai, o ator Procópio Ferreira, ela imaginava os cenários dos espetáculos e criava desenhos em nanquim. Um deles é exposto ao público só agora.

— O deleite de Bibi era sempre produzir algo, e a mãe não dava folga. Na juventude, ela encontrou no desenho uma válvula de escape — diz Jalusa, que entrevistou cerca de cem pessoas para a obra. — Bibi Ferreira era uma pessoa solene. Quando ela chegava, tudo parava. Mas por trás daqueles óculos gigantescos, havia uma pessoa espirituosa, divertida.

E também existia uma mulher de hábitos inusitados, como mostra a biografia. A artista, que adorava dobradinha, feijoada, Coca-Cola e jujuba, ficava brava ao ver um ator com um cigarro nos dedos. Em função do trabalho com a voz, não bebia água gelada e não consumia álcool.

Tadeu Aguiar, diretor do espetáculo “Bibi, uma vida em musical”, considera que o nome da artista — que passa, a partir desta quarta (1), a batizar a Cidade das Artes, na Barra — precisa ser apresentado às novas gerações. O musical com texto de Artur Xexéo e Luanna Guimarães, que reestreia sexta-feira (3) no Teatro Riachuelo, foi a última peça vista por Bibi, em 2018 (ela morreu no ano seguinte). Na ocasião, os espectadores só perceberam que ela estava na plateia quando a própria entoou Piaf dali.

— Artistas que dominam seu trabalho desse jeito estão desaparecendo... As pessoas estão cada vez mais superficiais, preocupadas com as quatro linhas que vão escrever no Instagram — afirma Aguiar.

Fonte: O Globo