Com dois anos de atraso por causa da Covid-19, dupla sertaneja comemora 50 anos de carreira com shows e série de TV e, em entrevista fala sobre a vida como vizinhos em Campinas, lembra quando chegou ao primeiro lugar da Billboard como "José e Durval" e o início difícil na carreira: 'A gente só começou a acertar com oito anos de carreira'

Porto Velho, RO - Em 1991, depois de 21 anos de carreira, Chitãozinho e Xororó se apresentaram pela primeira vez no Canecão, o palco mais cobiçado do Brasil. Os sertanejos chegavam à casa que, na sua entrada, tinha estampada uma muito lembrada frase do jornalista e produtor Ronaldo Bôscoli: “Aqui se escreve a História da música popular brasileira”.

— Quando a data foi marcada, nós ficamos apavorados. A gente não tinha confiança de que poderia dar certo, de que os cariocas iam curtir a gente — recorda-se Durval Lima, o Xororó, de 64 anos. — E aí, na semana da nossa estreia no Rio, teve um pequeno incêndio no Canecão, e o show foi adiado.

Nós demos graças a Deus! Os ingressos esgotaram e, quando a gente fez a primeira noite, uma semana depois, eu não acreditei quando vi os cariocas cantando “60 dias apaixonado”. Enfim a nossa música estava fazendo sucesso em nível nacional!

Daí em diante, esses irmãos do interior do Paraná nunca mais deixariam de fazer parte das programações de rádio, dos especiais de TV, dos palcos mundo afora e dos compêndios sobre MPB, tornando-se uma das duplas sertanejas mais importantes do país.

É a história dessa música que, segundo Xororó, “aos poucos foi rompendo a barreira do preconceito”, que os dois vão contar em “50 anos — Por todos os tempos”, turnê que começa sábado, em Campinas, e percorrerá o Brasil antes de partir para Nova York, onde se apresentam no Radio City Music Hall, em setembro.

'As aventuras de José e Durval'


os atores Rodrigo e Felipe Simas posaram caracterizados como Chitãozinho e Xororó para a série do Globoplay Foto: Divulgação

Com imagens da infância, retratando a chegada a São Paulo, e um repertório não cronológico — mas que traz desde o primeiro sucesso, “Galopeira”, de 1970, até os mais recentes — , o show fará par com uma série produzida pela O2 para o Globoplay, “As aventuras de José e Durval”, que recria as histórias dos irmãos em cenas de ficção. Segundo José Lima Sobrinho, o Chitãozinho, de 67 anos (que esteve nas gravações, dirigidas por Hugo Prata, e conheceu os irmãos Rodrigo e Felipe Simas, que interpretam a dupla na juventude), trata-se de “um mergulho no nosso universo e naquilo que cantamos”.

Em 1978, “60 dias apaixonado” se tornou o primeiro grande sucesso dessa dupla que desde o começo da década, ainda criança, fazia apresentações nos circos em viagens com o Fusca da família — e que hoje conta com 40 milhões de discos vendidos e cinco Grammys.

— Era um hábito o artista lançar um disco e fazer uma turnê pelas emissoras de rádio. De manhã, final de tarde ou madrugada. Fizemos isso durante muitos anos. A gente só começou a acertar com oito anos de carreira, com o “60 dias apaixonado”. Até ali, sofremos muito e quase desistimos de cantar — revela Chitãozinho.

Em 1982, eles se viram diante de uma composição de Marciano e Darci Rossi, “Fio de cabelo”, trazida pelo produtor do disco. Um acontecimento que mudaria a sofrência da dupla.

— A música era linda e ninguém tinha contado uma história de amor daquela forma, a partir de um fio de cabelo que fica na roupa (“Lembrei-me de tudo entre nós/ Do amor vivido/ Aquele fio de cabelo comprido/ Já esteve grudado em nosso suor”). É algo que acontece muito. Esse foi o diferencial. Tem música que parece que Deus põe a mão e diz que vai ser sucesso — acredita Chitãozinho.

'Evidências'


Chitãozinho e Xororó, em 1992, no programa de TV de Leandro e Leonardo Foto: Carlos Magno / Agência O Globo

“Fio de cabelo” acabou fazendo com que o LP “Somos apaixonados” vendesse um milhão e meio de cópias naquele ano — mais que o disco de Roberto Carlos — e com que a música sertaneja furasse a bolha das rádios AM, chegando às FMs e a um Brasil inteiro. Logo, não haveria quem não conhecesse aqueles irmãos caipiras que, num gesto de rebeldia, ostentavam mullets dignos de um astro de rock americano. Corte de cabelo que acabou virando uma espécie de assinatura da dupla, virou sinônimo de brega e atualmente está em alta.

— A força da música foi tão grande que as rádios começaram a tocar o LP inteiro. Ele chegou a tocar 135 vezes num dia só, apenas em São Paulo! — lembra Xororó. — A gente estava vindo numa crescente, a agenda de shows estava bombando. Começamos a incrementar a nossa banda, a comprar equipamento de som e de palco e a criar cenários.

Durante três anos demos de graça para os contratantes o palco, a luz e o som do show. A gente investiu para provar que a nossa música tinha o mesmo tratamento daquela que os artistas de sucesso, como Roberto (Carlos) e Rita Lee, faziam.

Os anos 1990 foram gloriosos para Chitãozinho e Xororó. Ao lado de uma nova geração de sertanejos pop (Zezé Di Camargo e Luciano, mais Leandro e Leonardo, com quem fariam os especiais de TV “Amigos”), eles ainda tiveram mais um daqueles sucessos avassaladores: “Evidências”, canção romântica dos cariocas José Augusto e Paulo Sérgio Valle.

— No estúdio, ela emocionou todo mundo, a gente esperava que fosse fazer sucesso, mas não imaginava que fosse ser tão grande assim — admite Chitãozinho. — Depois, ela ficou na memória do povo. E, quando lançaram o karaokê no mundo inteiro, “Evidências” voltou com muita força. E ficou. É cantada nos shows aos berros pela plateia.

1º lugar na Billboard

Nos 1990, eles também arriscaram uma carreira internacional.

— Os americanos tinham muita dificuldade de pronunciar os nossos nomes e por isso deixavam de tocar as nossas músicas no rádio. Quando a gente foi fazer o segundo disco, o produtor Roberto Livi sugeriu que mudássemos para José e Durval, nossos nomes verdadeiros — conta Xororó, que logo viu a dupla vingar com “Guadalupe”, primeiro lugar na parada da Billboard. — Mas no mesmo momento estava acontecendo o lançamento dos meus filhos (Sandy e Junior) aqui, não conseguíamos mais ir nem ao Norte ou Nordeste... E vimos que aquilo não era para nós. Mas tivemos o gostinho do topo da Billboard.

Há 40 anos, Chitãozinho e Xororó moram em Campinas e são vizinhos.

— Mas a gente só se encontra quando tem compromisso. No dia a dia, eu faço as minhas coisas, e ele faz as dele. Temos uns poucos amigos em comum. Quando a gente se encontra, tem sempre muita novidade — conta Chitãozinho.

Mais do que tudo, os dois têm é um compromisso em manter a música da dupla atual (chegaram a gravar com Andreas Kisser, guitarista do Sepultura, e com muitos dos sertanejos que surgiram nos anos 2000), mas sem perder o público que os acompanha desde meninos.

— O público sabe da nossa fidelidade ao sertanejo — garante Chitãozinho. — Mesmo modernizando, trazendo alguns elementos mais pop, a gente mantém o nosso jeito de cantar. A música sertaneja chega ao mercado pelas características das vocalizações das duplas. O Brasil é muito grande, as coisas se misturam às vezes, mas, no fundo, cada artista tem a sua origem e a sua forma de cantar. Isso jamais vai mudar.

Fonte: O Globo