Indicado como melhor coadjuvante por ‘No ritmo do coração’, americano quer conhecer spielberg e diz que inicia uma nova jornada: ‘é só o começo’

Porto Velho, RO - Faz apenas algumas semanas que Troy Kotsur se tornou o primeiro ator surdo a ser indicado ao Oscar, mas para ele é um começo. “Finalmente, tenho mais confiança. E isso é só o começo para mim, por isso estou ansioso para iniciar minha nova jornada”, disse Kotsur, de 53 anos durante entrevista feita por vídeo com o auxílio de um intérprete da linguagem de sinais.

O papel que lançou o ator ao estrelato veio em “No ritmo do coração”, comédia dramática da Apple+ indicada aos Oscars de melhor filme e roteiro adaptado, além de melhor ator coadjuvante pela interpretação de Kotsur para Frank Rossi, um pescador surdo que luta para se relacionar com a filha adolescente, a única da família que não é surda.

Embora tenha uma vasta carreira em produções de teatro surdo e tenha aparecido em episódios de “Criminal Minds” e outras séries, ele sabe que são raros os filmes que oferecem a experiência de um surdo. “Espero que Hollywood tenha aprendido a ser paciente, porque venho sendo paciente ao trabalhar com ouvintes ao longo dos anos”.

O que a indicação ao Oscar significa para você?

Sinto como se eu tivesse um monte de poeira nas costas e, com a indicação, ela começasse a ser tirada. Já passei por dificuldades financeiras e opressão, gente que não estava pronta para trabalhar com um ator surdo. Eu não tinha percebido como isso seria bom para mim, e foi ainda melhor do que eu pensava.

De onde você tirava energia para ir em frente?

Durante os testes, eu geralmente nunca pegava o papel porque na maior parte das vezes me perguntavam se eu era capaz de falar. E claro que qualquer outro ator conseguia falar melhor que eu, porque sou completamente surdo e isso é um desafio. Portanto, acabei me acostumando a essa rejeição, e foi um bom treinamento para eu aprender a aceitar e partir para outra.

Você fez o teste para “No ritmo do coração” e levou um ano e meio para que te chamassem, certo?

Eles estavam discutindo com os produtores, nos bastidores, quem faria o papel de Frank Rossi. Queriam primeiro tentar alguém do primeiro escalão.

Paul Raci passou pelo mesmo com “O som do silêncio”, mas depois foi indicado ao Oscar.

Também fiz teste para “O som do silêncio”. Não passei, mas Paul (que não é surdo) era perfeito para o papel. Para mim, “O som do silêncio” foi um passo à frente, e depois chegou minha vez. Eu estava tão acostumado ao fracasso que não percebi que ultrapassaria até as minhas próprias expectativas.

Há quanto tempo você conhece Marlee Matlin, que interpreta sua esposa no filme?

Quanto eu tinha 17 anos, vi “Filhos do silêncio” (drama de 1986 pelo qual ela conquistou o Oscar de melhor atriz), e foi a primeira vez que vi uma interpretação autêntica de uma pessoa surda na telona. Pensei comigo: “Espero que um dia eu possa contracenar com ela.” Marlee assistiu a quase todas as minhas peças e fomos nos conhecendo um pouco ao longo dos anos.

O que significou para você trabalhar em “No ritmo do coração”?

Quando encerramos as filmagens, fui até a doca e fiquei olhando a passagem dos barcos. Eu queria agradecer a Deus por tudo que havia acontecido. Levei muito tempo para me desapegar de Frank Rossi e até para raspar a barba. Senti falta do personagem, e tive dificuldades com isso por uns seis meses. Minha esposa reclamou: “Troy, faça o favor de se barbear. Não dá nem para te beijar.”

Como era seu relacionamento com seus pais? Eles apoiavam seu interesse em ser ator?

Meus pais achavam que era algo temporário, e depois de alguns anos começaram a se preocupar. Diziam: “Troy, por que você não faz uma faculdade? Talvez possa ser engenheiro ou professor.” Eu era teimoso, e eles ficavam preocupados, mas viam minhas peças e gostavam. Os dois já faleceram, mas vou visitá-los no cemitério se ganhar um prêmio. Vou mostrar o troféu a eles e dizer: “Vejam só o que consegui.”

Você assiste ao Oscar?

Eu nunca perdia a cerimônia do Oscar, porque sempre fui cinéfilo. Amo Steven Spielberg e estou animado para conhecer essas pessoas e agradecer a ele pelo seu trabalho. Não quero bajular ninguém, só sinto que provei meu valor com essa indicação. Agora eles me valorizam pelo que sou.

Você foi indicado ao Oscar.

E não importa se eu ganhar ou não. Meu nome entrou para a história. Quando eu deixar este planeta, isso vai permanecer.

Fonte: O Globo