Nos encontros com lideranças religiosas em busca de apoio, pré-candidato do Podemos se diz contra mexer na lei do aborto e alega ser mais competitivo para enfrentar Lula a pastores próximos de Bolsonaro

Porto Velho, RO -
De olho num dos pilares eleitorais que ajudaram a eleger o presidente Jair Bolsonaro, o ex-juiz Sergio Moro tem se dedicado nas últimas semanas a diversos encontros com lideranças evangélicas — já esteve com mais de 50, segundo aliados.

Nas reuniões, o ex-ministro tem se apresentado como um “conservador moderado e democrático” e feito acenos à agenda de costumes mais cara aos religiosos. Ele tem afirmado, por exemplo, ser contra qualquer mudança na lei do aborto, e mostrado concordância a encampar políticas que considera de “proteção às crianças e à família”.

Em alguns desses encontros, Moro tem evitado se comprometer quando são citadas eventuais indicações ao Supremo Tribunal Federal (STF), como fez Bolsonaro. Para se contrapor ao presidente, o ex-ministro afirma aos evangélicos que ele é mais competitivo para enfrentar Lula num eventual segundo turno, em busca de que algumas igrejas ao menos dividam com ele um possível apoio à candidatura do presidente.

O ex-juiz conta com a interlocução do advogado Uziel Santana, fundador e ex-presidente da Associação Nacional dos Juristas Evangélicos (Anajure). De acordo com ele, Moro tem ressaltado seu perfil conservador, com acenos a pautas como a manutenção da legislação sobre aborto e o compromisso de ser contra a “ideologia de gênero”.

Do ponto de vista de valores e princípios, Sergio Moro é um conservador. Na questão do aborto, a legislação que temos será mantida. Ele é contra a sexualização de crianças e a ideologia de gênero. O diferencial da candidatura dele é que sabemos que o Brasil é um país diverso e plural. É preciso respeitar todas as denominações para vivermos em um estado democrático. As igrejas sérias não querem impor uma teonomia.

Moro já esteve com alguns dos principais líderes evangélicos do país, como RR Soares, da Igreja Internacional da Graça de Deus. Ele busca para as próximas semanas marcar encontros com alguns dos pastores mais próximos a Bolsonaro, como Silas Malafaia e o deputado Marco Feliciano (PL-SP).

Um dos pontos abordados por Moro e Uziel nos encontros são os resultados de pesquisas eleitorais recentes que mostram cenários desfavoráveis a Bolsonaro no segundo turno. Segundo o coordenador da pré-campanha junto ao segmento, os evangélicos estão cientes das desvantagens do atual presidente em uma disputa contra qualquer outro candidato e não devem apostar todas as fichas nele.

Os evangélicos, pentecostais e neopentecostais, não devem depositar todas as suas esperanças em uma única via, que é Bolsonaro. As autoridades eclesiastas sabem disso, e por isso, tem se colocado à disposição para encontrar Moro — avalia Uziel.

A menos de um ano da eleição, Moro aparece com apenas 7% das intenções de voto entre os evangélicos, de acordo com a pesquisa Ipec mais recente. Seus adversários na disputa, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem 34%, e Bolsonaro, 33%.

Desde que foi anunciado como pré-candidato, Moro já se reuniu com lideranças de igrejas batistas, adventistas, metodistas, presbiterianas e, nos próximos meses, deve intensificar a agenda com evangélicos pentecostais e neopentecostais, segmento mais próximo de Bolsonaro e do atual governo.

Encontro com Malafaia

Há reuniões marcadas com pastores presbiterianos na próxima semana, e da Assembleia de Deus, no Pará, em fevereiro. Segundo Uziel, Moro tem dito nos encontros que é conservador em valores e princípios, e reforça ser “democrático” para tentar se contrapor a Bolsonaro.

Na semana passada, Moro dedicou parte de sua agenda na Paraíba — a primeira no Nordeste após a filiação ao Podemos e a indicação da candidatura ao Planalto — a encontros com lideranças evangélicas. O ex-juiz se reuniu com o pastor Estevam Fernandes, da Primeira Igreja Batista de João Pessoa.

O religioso foi um dos apoiadores da campanha de Bolsonaro em 2018. Ele foi alvo de investigação da Procuradoria-Regional Eleitoral, na Paraíba, por supostamente pedir votos para Bolsonaro durante um culto.

Moro usou as redes sociais para agradecer o encontro com Estevam: “Na linda João Pessoa, tive a honra de conhecer uma das lideranças evangélicas mais importantes da PB, Pastor Estevam Fernandes. Ouvir e aprender com pessoas de princípios e valores é essencial neste projeto de construir um Brasil mais justo”, disse no Twitter.

Indicações ao STF

Uma das reivindicações dos evangélicos no governo Bolsonaro foi a indicação de um ministro ao Supremo Tribunal Federal (STF) alinhado às pautas conservadoras. O presidente prometeu um nome “terrivelmente evangélico” e indicou o então advogado-geral da União André Mendonça. Ele foi aprovado com o apoio das igrejas e de parlamentares do Centrão.

A reforma do Judiciário foi um dos temas tratados por Moro com o ex-ministro do STF Joaquim Barbosa, em encontro no Rio. Uziel diz que o ex-juiz defende uma mudança ampla. Sobre possíveis indicações, a escolha deve se basear nos conhecimentos jurídicos.

O que Moro tem falado é que deve se pensar em uma reforma institucional. A religião não deve ser o fator preponderante, mas a observância da constituição e da capacidade técnica.

Fonte: O Globo