Vindos de Barbados, imigrantes ajudaram na construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré e consequentemente na criação do estado. Ilha se tornou oficialmente república esta semana, após quase quatro séculos sob o comando da coroa britânica.

Porto Velho, RO -
Na semana que Barbados se tornou oficialmente uma república, após quase quatro séculos sob o comando da coroa britânica, os descendentes de imigrantes daquele país que vivem em Rondônia enxergam na mudança uma oportunidade de desenvolvimento cultural e crescimento econômico.


Há mais de cem anos, centenas de barbadianos imigraram para Rondônia. O trabalho, suor e sangue deles ajudaram a construir a Estrada de Ferro Madeira-Mamoré (EFMM) e, consequentemente, a história do estado de Rondônia.


A professora e doutora em educação Cledenice Blackman é descendente de alguns desses barbadianos. Os bisavós dela, Preston Blackman e Constancia Goodrich, chegaram a Porto Velho por volta de 1910. Décadas depois, a professora foca sua carreira acadêmica no objetivo de evidenciar a trajetória e relevância social dos antepassados em Rondônia.


Historiadora Cledenice Blackman — Foto: Redes Sociais/Reprodução

Para ela, a transição de Barbados de monarquia a república abre possibilidades para implantação de uma política focada nas necessidades reais do povo barbadiano, não mais ligada à cultura inglesa.

"A data reflete uma tentativa de uma reparação histórica ligada à escravidão dos meus ancestrais e das minhas ancestrais que sofreram violentamente com o processo escravocrata que ocorreu na ilha de Barbados que foi colonizada pela Inglaterra", comenta.

A professora Sheila Roque, de 44 anos, também é descendente de barbadianos. O seu avô e patriarca da família, David Rock, teve que deixar a ilha, até então comandada pela coroa britânica, em busca de melhor qualidade de vida. Em Rondônia ele criou laços e formou família.


Descendentes Sheila Roque e sua mãe, Xiquita Rock — Foto: Redes Sociais

"De 1700 até esse processo de independência, quantos barbadianos evadiram do país atrás de sustento? Meu avô veio para Rondônia porque aqui ele conseguiu um emprego e lá ele estava passando fome'', relembrou.

David morreu aos 76 anos, antes do nascimento da neta. Mesmo sem ter conhecido, ela possui uma imagem do avô construída pelo legado e pelas memórias que ecoam através de familiares e amigos com quem ele conviveu em Porto Velho.


David Rock, barbadiano que viveu em Rondônia. — Foto: Sheila Roque/Arquivo Pessoal


A Miss Rondônia 2016, Mariana Theol, foi a primeira miss negra eleita no estado e também é descendente de barbadianos. Na época em que foi coroada, Mariana falou sobre o orgulho de ter origem barbadiana e a honra de representar sua comunidade como a primeira negra a competir nacionalmente pelo estado.

"Me senti honrando a memória dos meus antepassados barbadianos que foram responsáveis pelo povoamento do meu estado. Não consigo mensurar a felicidade que tive em ser a primeira Miss Rondônia negra", comentou Mariana.


Mariana Theol foi Miss Rondônia em 2016 — Foto: Pamella Urie/Elefantizar

O sonho de ir para Barbados

A professora Sheila atualmente não possui nenhum contato ou conhecimento de parentes que vivem em Barbados, mas participa de um grupo com dezenas de outros descendentes de barbadianos espalhados pelo Brasil, incluindo a historiadora Cledenice Blackman.

Pensando nisso, a embaixada de Barbados no Brasil planejou uma viagem com vários descendentes que aconteceria entre 2020 e 2021. Entretanto, por causa da pandemia, a viagem não aconteceu e continua sendo um sonho.

A ideia era fazer uma viagem para conhecer as origens dos barbadianos que moram em Rondônia, encontrar parentes distantes, conhecer os pontos turísticos e a história da ilha.

República de Barbados

Em outubro, os habitantes de Barbados elegeram, pela primeira vez na história, uma presidente que substituirá a rainha Elizabeth II como chefe de Estado: Sandra Mason, de 72 anos.

Na cerimônia que marcou a transição oficial da ilha para república, a cantora Rihanna foi declarada heroína nacional.

Afro-Antilhanos em Porto Velho




Canteiro de obras da Estrada de Ferro Madeira Mamoré, em 1910, no momento em que trabalhadores montavam uma locomotiva — Foto: Luiz Brito/Divulgação

Em um artigo chamado Afro-Antilhanos em Porto Velho, Brasil: História, Cultura e Alfabetização, publicado na Revista Humanidades e Inovação em 2020, a doutora Cledenice e outros dois pesquisadores analisam o contexto histórico dos afro-antilhanos na região, entre eles os que vieram de Barbados.

A pesquisa aponta que há uma generalização nos documentos históricos sobre os barbadianos em Rondônia. Já que o termo "barbadiano" é utilizado para mencionar todos os imigrantes das ilhas caribenhas e das Antilhas inglesas.

"Quando a construção da ferrovia chegou ao final em 1912, muitos estrangeiros conseguiram retornar a seus países de origem, restando um número significativo de afro-antilhanos localizados no Barbadian Town, bairro de Porto Velho", consta no artigo.

Segundo Cledenice, Porto Velho é a cidade que possui o maior contingente de descendentes dos afro-antilhanos.


Barbadian Town em Porto Velho. — Foto: Dana Bernad Merrill/ Colored by: Luis Claro

A ferrovia fazia parte do tratado de Petrópolis selado com a Bolívia, com o intuito de facilitar o transporte da borracha para o Oceano Atlântico. Após ser inaugurada, a EFMM funcionou durante dois anos e foi desativada.