Porto Velho, RO - Oito corpos foram retirados por moradores de uma área de mangue, na região conhecida como Palmeira. O corpo do nono homem foi identificado na terça-feira (23).

A Polícia Civil já identificou os nove mortos da operação da Polícia Militar no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo e que ocorreu no último fim de semana.

Além de oito corpos achando em um mangue, na região conhecida como Palmeira, a morte de Igor da Costa Coutinho também foi relacionada ao confronto na terça-feira (23).

Segundo a Polícia Militar, ele teria sido ferido no domingo (21), durante os confrontos, chegou a ser socorrido, mas não resistiu aos ferimentos. Ele teria sido um dos homens que atiraram contra o sargento Leandro Rumbelsperger da Silva, de 38 anos, e que morreu no sábado (20).  A Delegacia de Homicídios de Niterói, São Gonçalo e Itaboraí (DHNSG), que investiga o caso, enviou um ofício à Polícia Militar solicitando os nomes dos agentes que participaram da ação e a apreensão das armas para exames periciais.

O objetivo é esclarecer como se deu a dinâmica dos fatos e apurar possíveis abusos de conduta. O Ministério Público também instaurou um Procedimento Investigatório Criminal (PIC) para analisar eventuais violações, o que foi relatado por moradores e parentes de mortos na ação. O g1 reuniu esses relatos e a versão da polícia.

Policial também morreu na ação

Os confrontos no Complexo do Salgueiro teriam começado ainda na madrugada do sábado (20), quando o sargento Leandro Rumbelsperger da Silva, de 38 anos, do 7º BPM (São Gonçalo), foi atacado a tiros por criminosos durante um patrulhamento em Itaúna, localidade que fica dentro do Complexo do Salgueiro. O policial chegou a ser socorrido, mas morreu no hospital.

O sargento Leandro Rumbelsperger estava na PM desde 2006, era casado e tinha dois filhos. Ele foi sepultado no domingo (21).


Leandro Rumbelsperger: ele morreu durante ação no Salgueiro — Foto: Reprodução/ TV GloboO 

Batalhão de Operações Especiais (Bope) foi mobilizado e justificou sua presença no local de absoluta excepcionalidade para a identificação e prisão dos responsáveis pelo assassinato do sargento Rumbelsperger, além da retirada de policiais que estariam no interior da comunidade.

O Bope afirmou ainda no documento que havia uma ambulância para socorro de civis e policiais, se houvesse necessidade.


Documento do Bope para justificar a operação na comunidade — Foto: Reprodução

Segundo moradores, as mortes que aconteceram dentro da comunidade e os corpos que foram deixados em uma região de mangue seriam uma retaliação da polícia à morte do sargento. Eles contam que policiais pegaram pessoas que estavam na rua - muitos sem envolvimento com o crime -, torturavam e matavam.

“A situação lá era de cenário de terror. Tem gente que não tem como reconhecer, porque está com o rosto todo desfigurado por faca. Como alguém pode dizer que essa pessoa foi morta em trocando tiro, se está com o rosto todo desfigurado? ”, questionou o parente de um dos mortos, que disse ainda que recebeu orientação no IML de fazer o reconhecimento de seu familiar do tórax para baixo devido às más condições do rosto.

Apesar das acusações sobre a prática de tortura contra suspeitos durante a operação no Salgueiro, os responsáveis pela investigação negam que existam sinais de que os mortos tenham sido torturados.

A Polícia Militar também nega violações e diz que se manteve em confronto com bandidos na região de mata, próxima ao mangue.


Veja o mapa das comunidades que integram o Complexo do Salgueiro — Foto: Reprodução

Veja quem são os nove mortos do Salgueiro

1.Kauã Brenner Gonçalves Miranda – 17 anos

Menor de idade e sem passagens pela polícia, Kauã era o mais velho de cinco irmãos e, segundo a família, estava com amigos quando foi pego. A polícia, no entanto, afirma que ele estava com roupa camuflada, o que indicaria que ele fazia parte da facção criminosa que age no local.

A mãe de Kauã, Amanda Gonçalves, prestou depoimento na Delegacia de Homicídios de Niterói e São Gonçalo, e afirmou que o filho teve um dedo da mão cortado.

Ele foi sepultado na tarde da terça-feira (23), no Cemitério São Miguel, em São Gonçalo.

2. Rafael Menezes Alves – 28 anos

Rafael não tinha anotação criminal, mas seu nome constava em um registro de ocorrência relacionado aos crimes de tráfico de drogas e associação em concurso com corrupção de menores.

A irmã de Rafael, Milena Menezes, também denunciou sinais de tortura no corpo do irmão. Segundo ela, além de marcas de tiro no tórax e na perna, ele tinha uma perfuração por faca no glúteo.

"Já sabiam que iriam matar, então por que fazer isso? Por que torturar? Parece que estão matando bicho, matando rato. Meu irmão não fazia mal para ninguém. Fizeram muita maldade com ele. Tem adolescente aí que tiveram os dedos arrancados. Para que fazer isso?", disse Milena.

Ela contou ainda Rafael trabalhava como ajudante de pedreiro e estava na rua bebendo com os amigos quando teria sido pego pelos policiais.


3. Carlos Eduardo Curado De Almeida – 31 anos

Carlos possuía três anotações criminais: tráfico de drogas e condutas afins, receptação, falsa Identidade; além de seis registros de ocorrência como autor de crimes de desobediência, desacato, ameaça, falsa identidade, receptação e tráfico de drogas.

Era casado e deixa três filhos. Carlos foi sepultado na tarde da terça-feira (23), no Cemitério São Miguel, em São Gonçalo.

4. Jhonata Klando Pacheco Sodré – 28 anos

Nascido e criado no Pará, Jhonata aparece em processos naquele estado por roubo majorado, tráfico de drogas e condutas afins. Ao jornal Extra, a esposa de Jhonata disse que o marido, com quem era casada há 9 anos, foi retirado de dentro de casa.

Ela também denunciou sinais de tortura no corpo do companheiro.

"Pegaram eles vivos, mataram na facada. Todos estão sem a parte genital, fora quem está sem olho, sem perna, sem braço”, disse a esposa de Jhonatha, que não quis se identificar.

5. Élio Da Silva Araújo – 52 anos

Possui uma anotação de 2013, já arquivada, por esbulho possessório, que é quando alguém toma um bem de outrem de forma injusta, seja de forma clandestina ou irregular, mas sem o uso de força. Trabalhava como eletricista e morava no Salgueiro há 10 anos.

A irmã de Élio, Cleonice da Silva Araújo, contou ao jornal “Extra” que o irmão foi degolado.

“Se fosse um tiro, eu até aceitava. Mas eles degolaram o meu irmão. Infelizmente, a justiça funciona assim. Ele morava aqui há 10 anos. Enquanto continuarem assim, muitas vítimas serão mortas desse jeito”, disse.

6. Ítalo George Barbosa de Souza Gouvêa Rossi – 33 anos

Ítalo, também conhecido como Sombra, possuía seis anotações criminais: porte ilegal de arma, homicídio qualificado (2), tráfico de drogas, associação ao tráfico e corrupção ativa e sete registros de ocorrência.

Ele foi sepultado na tarde da terça-feira (23), no Cemitério São Miguel, em São Gonçalo.

7. David Wilson Oliveira Antunes – 23 anos

Sem passagens ou anotações criminais, também estava entre os mortos do Complexo do Salgueiro.Ele foi sepultado na tarde da terça-feira (23), no Cemitério São Miguel, em São Gonçalo.

8. Douglas Vinícius Medeiros De Souza – 27 anos

Também não possuía anotações criminais ou passagens pela polícia. Foi o primeiro a ser sepultado na terça-feira (23), no Cemitério São Miguel, em São Gonçalo.

9. Igor da Costa Coutinho – 24 anos

Sem anotações criminais ou passagens pela polícia, mas apontado pela Polícia Militar como suspeito de ter matado o sargento Leandro Rumbelsperger da Silva. Segundo a PM, Igor teria sido ferido em um confronto no domingo (21), socorrido, mas não resistiu aos ferimentos e morreu a caminho do hospital. Seu corpo não estava no mangue.

Mapa das comunidades do Salgueiro e onde estavam os corpos — Foto: Infográfico g1

Entenda a dinâmica dos fatos:

  • os confrontos começam na madrugada do sábado (20) e o sargento Leandro Rumbelsperger morre ao ser atacado durante uma patrulha na localidade Itaúna, dentro do Complexo do Salgueiro;
  • ainda no sábado, o Batalhão de Operações especiais (Bope) é acionado para realizar uma ação no local;
  • na manhã do domingo (21), uma idosa foi baleada no braço;
  • no domingo à tarde, uma equipe do SAMU foi acionada para socorrer um homem ferido. Criminosos armados teriam obrigado a ambulância a tirá-lo do local. O homem era Igor da Costa Coutinho que não resistiu aos ferimentos e morreu a caminho do hospital.
  • o Bope deixa o Complexo do Salgueiro no domingo à noite e registra a ação na 72ª DP, segundo a polícia militar, faz um registro na 72ª DP;
  • moradores começam a relatar em redes sociais e aplicativos de troca de mensagens a existência de corpos na comunidade;
  • na manhã da segunda-feira (22), imagens mostram moradores retirando oito corpos do mangue e levando-os para um terreno baldio;
  • a Polícia Civil é acionada para fazer a perícia no local, mais de 12 horas depois da saída do Bope da comunidade. A Delegacia de Homicídios de Niterói, São Gonçalo e Itaboraí (DHNSG) diz que só avisada na segunda (22).

Fonte: G1 Rio de Janeiro