Governistas preparam versão própria da CPI

Porto Velho, Rondônia - Enquanto a cúpula de liderança da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid-19 se debruça na elaboração de um relatório que responsabiliza membros do governo federal e o próprio presidente Jair Bolsonaro (sem partido) pelo agravamento da pandemia no país, a base governista, que é minoria na comissão, trabalha para apresentar uma versão paralela do texto, a fim de servir como uma contranarrativa para a opinião pública.

Foi apurado que o texto está sendo trabalhado com ajuda de técnicos e aliados ligados ao Planalto e já possui alguns temas definidos. Entre eles está a defesa da autonomia médica como justificativa para o uso da cloroquina e de outros medicamentos incorporados ao "kit-Covid" que se popularizaram no tratamento a pacientes com Covid-19, mesmo não havendo evidências de que os fármacos combatiam o vírus. O objetivo é retirar do colo do presidente da República e seus aliados acusações de terem cometido crime ao propagar o uso dos remédios.

Para a cúpula da CPI, ao mesmo tempo em que o governo Bolsonaro se empenhava em defender medicamentos sem eficácia, deixava as negociações de vacinas em segundo plano. Esta é outra narrativa que a base busca rebater. O argumento do G7 — grupo de oposicionistas e independentes do governo e que formam maioria na CPI — é de que, ao passo em que houve omissão por parte do governo ao deixar de responder 81 e-mails da Pfizer, Bolsonaro teve a iniciativa de enviar carta ao primeiro-ministro da Índia demonstrando interesse pela vacina Covaxin.

A sustentação da base é de que não houve atrasos nos acordos envolvendo a Pfizer, apenas a necessidade de garantir um contrato sem inseguranças jurídicas que pudessem prejudicar e responsabilizar o governo federal por problemas com a vacina no futuro. A atual relação com a farmacêutica, com acordos firmados para fornecer 200 milhões de doses ao país e anúncio de que irá produzir a vacina em território brasileiro, será usada para demonstrar que não houve prejuízo ao ambiente de negócios.

Em relação ao imunizante indiano, o argumento é de que houve uma busca ativa por vacinas de forma geral e que as irregularidades investigadas em torno do contrato da Covaxin não podem ser atribuídas ao Executivo, uma vez que não foi liberado "um centavo de real", como tem defendido o governista Marco Rogério (DEM-RO).

"É sobre esse contrato da vacina da Covaxin que a oposição gira em círculos. [...] Não há comprovação alguma de corrupção no governo atual ainda que possa ter sido imaginada por quem quer que seja", disse Rogério em pronunciamento ao defender a versão do governo sobre o caso. É o parlamentar quem lidera a elaboração do relatório paralelo e conta com ajuda dos demais governistas, que devem assinar o documento ao final dos trabalhos.

Quanto ao tema, o líder do governo, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), também adota tom em proteção a servidores do Ministério da Saúde. Para ele, o anunciado indiciamento por corrupção passiva desses agentes é definido como "politização" e não configura crime. Isso inclui o suposto pedido de propina por parte do ex-diretor de Logística da pasta Roberto Ferreira Dias para a compra da vacina AstraZeneca. A justificativa é que ele "não detinha qualquer legitimidade ou autoridade para aprovar a compra de vacinas". "Isso não passa de clara tentativa da oposição de tentar desmerecer os esforços do governo federal", defendeu.

Gabinete paralelo - Outra temática a ser debatida na versão governista do relatório é a existência de um assessoramento paralelo em detrimento aos caminhos oficiais. Contra isso, Marcos Rogério tem sustentado a legalidade de se consultar especialistas e pessoas de confiança para embasar decisões. "Existem registros dos mais diversos de reunião de presidentes de diferentes nações com conselheiros não integrantes do governo, principalmente em época de crise. Isso não é crime."

No entanto, o relator da CPI, senador Renan Calheiros (MDB-AL), já anunciou que pretende "responsabilizar por crime comum todos os membros do gabinete paralelo pela maldade que fizeram contra o Brasil ao prescreverem remédios ineficazes, ao estabelecerem prioridades para gasto orçamentário, para execução de gasto público criminosamente". Na lista estão desde parlamentares, como o deputado federal Osmar Terra (MDB-RS), a empresários, a exemplo de Carlos Wizard, e médicos, como Nise Yamaguchi e Luciano Azevedo.

Como alternativa para não apresentar indiciamentos, o relatório da base admitirá falhas no processo de gestão da pandemia, ainda que sob o argumento de que se trata de uma crise sem precedentes. Um espaço do documento deve ser reservado para sugerir caminhos e correções.

Relatórios - A previsão de Calheiros é entregar o documento oficial ainda em setembro e, por isso, a base governista corre contra o tempo para consolidar o texto alternativo. A reclamação é que há documentos sigilosos que não podem ser acessados por todos os membros, o que tem dificultado a construção. "A restrição de acesso aos documentos sigilosos na CPI da Covid pode levar à nulidade dos trabalhos. Já alertei isso aos membros da comissão e estou recorrendo ao STF. É inadmissível que senadores, investidos no papel de investigadores, tenham tal restrição", reclamou Marcos Rogério.

Ele sustenta que os autos do processo não estão disponíveis para os senadores da base e que, portanto, todas as provas coletadas são nulas porque "embora resguardadas por sigilo, esse sigilo não se extende aos advogados das partes e nem aos senadores investigadores membros da CPI". O impedimento, portanto, seria algo que "dificulta o trabalho sobretudo dos senadores que fazem uma investigação alargada, que não querem ficar com foco apenas no governo federal."

Isso porque, além de estudarem os documentos ainda sob sigilo, os senadores governistas querem, a partir das informações requeridas e enviadas à CPI, aprofundar nas investigações de desvio de recursos federais para combate à pandemia por estados e municípios. O relatório alternativo deve chamar atenção, ainda, para a "seletividade" na condução dos trabalhos ao não ter colocado as gestões dos executivos locais em foco.

Na avaliação do senador Eduardo Girão (Podemos-CE), há uma blindagem da cúpula da CPI a ouvir secretários, prefeitos e governadores. "É [decisão] seletiva. Por isso que a CPI perde crédito e não passa seriedade para a população. Isso confirma que é um jogo politico eleitoral de 2022". Vale lembrar, entretanto, que o STF vetou a convocação dos governadores pela CPI.

Girão destaca que não faltam pedidos para "trazer secretários de saúde de todos os estados do Nordeste e outras regiões a partir de mais de uma centena de operações da Polícia Federal do chamado Covidão", conjunto de operações que apura esquemas de corrupção com dinheiro público durante a gestão da pandemia.

"Vamos continuar insistindo, mesmo sabendo será um milagre essa CPI querer investigar uso de verbas federais por estados e municípios", afirmou Girão, parlamentar que se declara independente, mas é considerado um dos grandes defensores da narrativa do governo federal. A expectativa é que o relatório alternativo conte com aval do parlamentar, que também articula a abertura de uma nova comissão parlamentar de inquérito, desta vez mista, "para investigar justamente o que essa CPI não quer".

Além de Girão e Marcos Rogério, devem se posicionar a favor do relatório paralelo os apoiadores membros e suplentes Luis Carlos Heinze (PP-RS), Jorginho Mello (PL-SC), Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ), Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE) e Marcos do Val (Podemos-ES). No entanto, como o grupo não representa maioria na comissão, o texto alternativo não tem força para tomar lugar do relatório oficial a ser apresentado por Calheiros, mas serve como pressão política para chamar atenção da opinião pública.

Fonte – R7